Mudanças climáticas já são sentidas na capital amazônica que recebe Conferência do Clima da ONU em 2025. Cenário prevê mais dias de calor extremo e menos chuva no futuro impactando principalmente população mais carente.Poderia ser um dia comum de trabalho para as mulheres extrativistas da ilha do Combu, em Belém, no Pará. Mas há meses elas não conseguem mais colher a mesma quantidade de andiroba que colhiam antes. O calor extremo e a estiagem prolongada na região estão mudando essa produção.

“Este ano que a gente começou a sentir o impacto. Na verdade, é o aquecimento global, que há anos a gente falava, mas agora já estamos sentindo. A produção era bem mais intensa, esse ano já deu uma baixa. Estamos sentindo essa diferença agora”, conta à DW Dayse Soares, da Associação das Mulheres Extrativistas do Combu (AME).

A andiroba é uma semente típica da Amazônia e o seu óleo é utilizado para fins medicinais. Devido à baixa produção atual, as extrativistas do Combu tiveram que se adaptar e começaram trabalhar com recursos menos escassos na floresta, como a folha de cacau, que a AME desidrata e transforma em embalagens.

“Um calor que nunca sentimos antes”

O Combu integra a região ribeirinha da capital paraense, que conta com dezenas de ilhas e possui cerca de 40 mil habitantes, segundo as autoridades municipais. O artesão Charles Teles faz parte dessa população e diz estar preocupado com o “calor desordenado” que está sentindo.

“Apesar de estarmos no meio da floresta, numa ilha, rodeados de água, percebemos que o calor esse ano foi desordenado mesmo. Tinha tempo de a gente entrar quase em desespero de tanto calor. Um calor que nunca sentimos antes”, afirma o artesão.

Tanto nas ilhas como na parte continental de Belém, a sensação da população é a mesma: “a cidade ficou muito mais quente”. É o que diz a pesquisadora Marlucia Martins, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que explica que “os efeitos das mudanças climáticas, já estão acontecendo há sete, oito anos, mas se intensificaram nos dois últimos anos”.

“2023 e 2024 foram os anos mais quentes. E mesmo a região das ilhas, que é uma região de temperatura e de clima muito mais ameno, já está muito mais quente. E isso é interessante porque é perceptível por todos”, observa Martins.

Um dos aspectos que intensifica a sensação de calor é a quantidade de árvores por metro quadrado, que nessa capital amazônica está aquém do tamanho da população – que já passa de 1,3 milhão. Levando em consideração os municípios do entrono, o número de habitantes ultrapassa os 2,2 milhões.

O professor e coordenador do curso de Geografia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Rodrigo Rafael, afirma que Belém tem uma média de 2,5 árvores por metro quadrado para cada morador, o que “traz um desconforto térmico muito grande”.

Segundo o professor, o índice de cobertura vegetal por habitante preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) fica em torno de 9 e 12 árvores por metro quadrado.

Injustiça ambiental

O calor é intenso mesmo no centro da cidade, onde a falta de arborização passa despercebida devido aos famosos túneis verdes de mangueiras de Belém – conhecida como “Cidade das Mangueiras”. A sensação térmica é ainda pior na periferia, onde o verde está menos presente.

“São os bairros onde temos um alto índice, por exemplo, de criminalidade, de pobreza. É o que a gente fala de injustiça ambiental. Temos uma população que é vulnerável economicamente e que também está mais exposta a esses eventos climáticos extremos, como ondas de calor excessiva e formação de ilhas de calor”, afirma Rafael.

A ativista ambiental Waleska Queiroz, dos movimentos COP das Baixadas e Observatório das Baixadas, diz que as periferias são “zonas de sacrifício” e também defende que problemas como a falta de saneamento e de arborização se agravam na crise climática.

“Por isso, hoje pautamos justiça climática através dessas pessoas que mais sofrem no seu cotidiano todas essas problemáticas e são as últimas que conseguem se restabelecer quando um evento extremo chega na comunidade”, diz.

Cacila Bastos, moradora do bairro da Terra Firme, na periferia da cidade, vive esse cenário na pele. Ela diz que o calor está cada vez mais intenso e que a chuva da tarde – que em Belém costumava cair quase todos os dias entre às 14h e 16h – já não é frequente.

“Agora que começou a cair a chuva, no mês de dezembro. Mas durante o ano mesmo foram poucas chuvas. Mudou”, lamenta Bastos.

Também na Terra Firme, outro morador relata à DW como é viver numa área da cidade com baixa cobertura vegetal: “Aqui tem o meu pai, minha mãe, meu irmão, minha tia. E basicamente tem dois ventiladores. É o que sustenta a gente no período do verão, na seca. É esse ventilador, tem outro lá no quarto, então são dois. Às vezes a gente recorre a deitar na lajota, que é onde está mais gelado. É essa estratégia que usamos, e o banho. Só que a aqui na nossa casa temos uma problema: o sol pega direto no banheiro, então não tem como escapar, porque a água está sempre quente”, conta Andrew Leal.

Chuvas mais intensas e alagamentos

Na mesma casa em que passa calor, Leal e a família enfrentam outro problema: o alagamento. A área em que vivem há cerca de 40 anos passou por uma obra recente de saneamento, que deixou as casas em um nível mais baixo que o da rua.

“A obra veio com essa promessa para a população de que iria, de fato, resolver o problema das inundações das casas. Porém eles subiram o nível da rua e deixaram todas as casas afundadas. Acabaram não resolvendo e criaram outro problema, porque as casas viraram verdadeiras piscinas”, critica Leal, que teve a casa alagada no dia 25 de dezembro após uma forte chuva na capital paraense.

Em nota, a Secretaria de Obras Públicas do governo do Pará disse à DW que ainda vai concluir a obra de saneamento e que vai direcionar o escoamento da água da chuva para os sistemas de drenagem.

A estiagem foi prolongada em Belém no ano passado. Mas o período chuvoso na cidade, que deveria ter começado entre outubro e novembro, começou apenas em meados de dezembro. No entanto, apesar do atraso, Leal diz perceber que as chuvas estão mais intensas.

Futuro infernal

Belém será o segundo centro urbano mais quente do mundo até 2050, de acordo com um estudo da ONG CarbonPlan em parceria com o jornal americano The Washington Post, divulgado em 2023. A projeção é de que a cidade terá até lá 222 dias de calor extremo ao ano.No início dos anos 2000, Belém tinha 50 dias anuais de calor extremo.

O climatologista do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Marengo, afirma que os “extremos estão virando mais extremos”, com o início da estação chuvosa mais tarde, e a estação de estiagem mais longa e mais quente.

“Mas para cenários mais futuros, como 2050, além de aumento das temperaturas e número de dias com ondas de calor, também se está prevendo reduções na precipitação na região leste da Amazônia, segundo vários modelos. Claro, isso não impede que, apesar de a precipitação estar diminuindo, ainda possamos ter dias com muita chuva, aquela que produz inundações”, explica Marengo.

Uma cidade mais resiliente até 2050?

A capital do Pará tenta melhorar a sua infraestrutura e se tornar mais resiliente para evitar um futuro climático infernal. A cidade, que vai sediar em novembro a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30, realiza no momento mais de 30 obras estruturais, segundo o governo estadual. Só o governo federal está investindo mais de R$ 4 bilhões.

Além dos investimentos governamentais, a própria sociedade civil está engajada para evitar os prognósticos para 2050. A ativista Waleska Queiroz afirma que a pressão popular conseguiu aprovar no final de 2024 o primeiro Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas de Belém.

“Hoje é um fórum que integra pessoas das periferias, quilombolas, indígenas, para discutir as pautas climáticas e para construir também as políticas climáticas pensadas para Belém”, acrescenta.

Segundo o ex-coordenador do Fórum Climático de Belém e assessor especial da COP 30 Sérgio Brazão, o fórum será mantido pelas próximas gestões até 2050. “Ele não é um plano de um prefeito A, nem B, nem C; é um plano de todos os prefeitos que se sucederão na administração da cidade até 2050 e é fundamental que esse plano seja seguido”.

“É prioridade combater a injustiça climática que ocorre nas áreas de alagamento da cidade de Belém e combater de uma forma que traga arborização”, afirma Brazão

Apesar de todos os esforços na capital paraense, a pesquisadora Marlucia Martins afirma que “não há solução para Belém sem uma solução internacional, porque os efeitos climáticos são globais”. “Atmosfera não tem território, você não define, você define território na Terra, na atmosfera, não”, conclui.