Altas taxas de encarceramento no país latino-americano impulsionaram a popularidade do presidente Bukele entre o eleitorado. Agora, ele acena para Trump com oferta em megaprisão que virou vitrine de seu governo.Há um clima de lua de mel entre o presidente americano, Donald Trump, e seu homônimo salvadorenho, Nayib Bukele. Prova disso é a bem-sucedida parada em El Salvador feita pelo chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Marco Rubio, durante giro recente pela América Latina.

“Nenhum país nos fez uma oferta de amizade como essa”, cortejou Rubio, aludindo ao acordo firmado com El Salvador que prevê não só o retorno de cidadãos salvadorenhos que emigraram irregularmente para os EUA, como também a recepção de condenados de outras nacionalidades – inclusive americanos.

O próprio Bukele informou via X que disponibilizará para isso seu Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), uma megaprisão de segurança máxima com capacidade para 40 mil detentos. Aos EUA, o presidente salvadorenho acena com uma “tarifa” relativamente baixa, mas “significativa” para a manutenção do sistema carcerário de El Salvador.

O que Bukele e Rubio não deixaram claro é se a oferta será paga pelos EUA exclusivamente mediante uma contrapartida econômica ou se o acordo vai além.

O que Bukele ganha com este acordo?

O advogado e especialista em políticas públicas José Marinero lembra que nos Estados Unidos há líderes da gangue MS-13 que estão sendo processados por casos que podem estar relacionados à trégua que, de acordo com a imprensa local, o governo Bukele negociou com as gangues MS-13 e Mara 18.

A MS-13 nasceu nos EUA dentro da comunidade de imigrantes salvadorenhos na década de 1980, mas acabou se expandindo na década seguinte, após a deportação de parte de seus membros. Hoje, o grupo está presente nos EUA, no Canadá, no México e na América Central. A Mara 18, que também atua em El Salvador, tem história parecida.

Marinero explica que, caso consiga extraditar os líderes da MS-13 presos em solo americano, o governo de Bukele recuperaria o controle sobre as pessoas que poderiam prejudicá-lo, apresentando evidências em juízo de que “o governo salvadorenho negociou e fez acordos com as gangues”.

Outra possível contrapartida seria um tratamento mais favorável para os salvadorenhos nos EUA, especula uma cientista política que prefere não ter sua identidade revelada por temer represálias.

Certo é que o acordo pressupõe o respaldo dos EUA às controversas políticas de segurança pública de Bukele nos últimos anos para combater as gangues e o crime. “O acordo de Rubio com El Salvador dá relevância ao que foi feito na segurança pública em nosso país”, argumenta Luis Contreras, assessor político e de segurança cidadã do governo Bukele. Ele afirma que se os EUA enviarem criminosos ao Cecot, é porque têm certeza que “não vão poder escapar” da megaprisão.

Regime de exceção desde 2022

De fato, a criminalidade caiu significativamente nos últimos anos em El Salvador. O país vive sob um regime de exceção desde 2022, baixado para combater o problema, mas a medida já é considerada política de Estado.

“Em El Salvador, a Justiça não é independente”, frisa Tamara Taraciuk, diretora do programa Peter Bell sobre o Estado de Direito do think tank americano The Dialogue. Segundo ela, o sistema penal salvadorenho foi “distorcido para deter em massa dezenas de milhares de pessoas sem a certeza jurídica de que todas elas cometeram crimes”.

Muitos desses detidos durante o governo Bukele estão no Cecot. “Trancar criminosos com outros que não foram devidamente investigados e punidos em uma prisão como essa abre a porta para a criação de uma escola para criminosos onde, em vez de combater o crime, promove-se um terreno fértil para sua disseminação”, diz Taraciuk.

Acordo problemático

El Salvador já recebia salvadorenhos deportados dos EUA, tanto criminosos quanto imigrantes irregulares. Mas José Marinero vê riscos em receber cidadãos de outras nacionalidades: “Receber criminosos de outros países é sim um acordo muito diferente. Vai muito além de ser um terceiro país seguro”, afirma.

A expressão “terceiro país seguro” é um jargão das autoridades migratórias e diz respeito a países que não são o lugar de origem de um imigrante que se quer deportar, mas que ganham alguma contrapartida ao recebê-lo quando não é possível repatriá-lo – seja porque o país em questão não é um destino seguro ou por falta de cooperação das autoridades locais.

Segundo Marinero, o acordo de El Salvador com os EUA para receber criminosos estrangeiros “sobrecarregará o sistema penitenciário em um país que já ocupa o primeiro lugar na taxa de encarceramento, com prisões superlotadas”.

“Além disso, pode abrir a porta para mais violações dos direitos humanos daqueles que já estão presos, [e que ficarão] junto com os que forem enviados sob esse acordo. E transformar o país em um depósito de criminosos de países terceiros terá um efeito dissuasivo sobre o turismo e os investimentos estrangeiros”, prevê o advogado.

Já Taraciuk avalia que o acordo põe em risco um princípio fundamental da prisão: o de avaliar as condições de reabilitação e reinserção do detento. “É difícil pensar que isso vá acontecer depois de um acordo desses.”

Acordo de energia nuclear

Durante a visita de Rubio, El Salvador e Estados Unidos assinaram um tratado de “cooperação pacífica” em energia nuclear, segundo comunicado do Departamento de Estado americano.

Resta ver, contudo, se um projeto anunciado há tempos por Bukele para baratear o preço da luz e melhorar a soberania energética ao país sairá do papel.

Por outro lado, a reaproximação de Bukele com os EUA e sua oferta com o Cecot também contribui para dar uma vitória midiática a Trump.

“Enviar umas tantas milhares de pessoas à famosa prisão de Bukele não vai diminuir o crime nem vai acabar com a imigração ilegal”, afirma Taraciuk. Mas ela pondera que o acordo serve para alardear a suposta eficácia do governo Trump em “limpar” o país de criminosos e migrantes irregulares.