02/08/2018 - 17:57
Quando o assunto é fotografia, Adriano Gambarini tem orgulho de dizer que é membro da velha escola. Ele aprendeu com os filmes analógicos a não ter pressa. Se hoje é possível fazer inúmeros disparos e ver o resultado das cenas capturadas em fração de segundos, antes da era digital costumava-se pensar muito mais para apertar o botão. Não dava para desperdiçar as limitadas poses disponíveis e levava dias, ou até meses, para conferir o produto final de cada clique.
“Daria para fazer o trabalho em um ano ou menos, mas eu me dediquei por quatro anos”, exemplifica ao comentar sobre as imagens produzidas sobre o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), uma das aves mais raras do mundo. Gambarini gosta de ter tempo para cada tema que abraça, sejam indígenas, áreas com potencial para se tornarem unidades de conservação, rios de importância sociocultural, fauna e flora nacional ou internacional.
Já são, pelo menos, 15 anos acompanhando cada um dos três principais alvos das suas lentes: a onça-pintada (Panthera onca), maior felino das Américas; o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), maior canídeo da América do Sul, e as cavernas brasileiras. “Eu sempre faço várias expedições para realizar cada trabalho, justamente para contornar as adversidades climáticas. Além do que, retornar várias vezes aos lugares permite que você tenha outra forma de olhar.”
Graças à sua marca registrada de engajamento de longo prazo, 99% da sua produção está envolvida com pesquisa científica. “Já fui chamado para substituir fotógrafos que faziam belas imagens, mas que não estavam aguentando as condições de trabalho. É um tranco ficar acampado um mês na Amazônia, por exemplo.”
A formação como geólogo, com especialização em espeleologia, e uma curiosidade insaciável são elementos fundamentais na sua fotografia, acredita Gambarini. “Acho a geologia uma ciência maravilhosa. Mas na minha época ela era muito voltada para petróleo e mineração, não tinha esse viés ambiental de agora”, lembra. Por isso, quando ainda estava cursando a faculdade, ele já sabia que não permaneceria nessa profissão.
Gambarini pensou em seguir uma vida acadêmica, mas, antes de enveredar por essa área, foi chamado para fotografar para uma revista, em 1992. A partir daí, foi pegando gosto e pagando as contas com esses trabalhos. E assim se tornou integralmente fotógrafo – ofício que aprendeu de forma autodidata –, mas nunca se afastou da ciência.
Referência bibliográfica
Com o tempo, ele também se tornou autor de reportagens para a “National Geographic” e palestrante. Suas longas investidas em cada temática retratada passaram a render livros consistentes – já são 16 –, em que as imagens são combinadas com conteúdo em profundidade. “Eu vejo um livro como um produto em que a fotografia e o texto têm o mesmo papel. E acredito que o livro ainda é a melhor forma de compartilhar um conhecimento”, afirma.
Em maio, ele lançou “A Onça na Cultura Pantaneira” (WCP Editora), em parceria com a jornalista Laís Duarte, que combina a vivência dos vaqueiros da região com a experiência de recuperação e conservação da espécie, desenvolvida A Onça na Cultura Pantaneira pelo projeto Onçafari. O fotógrafo considera seu mais novo livro um “filhote” de outra obra sua, “Panthera Onca”, publicada dois anos atrás.
Foi no Pantanal que ele teve as maiores oportunidades de documentar onças em seu ambiente e comportamento naturais. E foi ao lado dos vaqueiros que participou de rodas de tererê e escutou muitas histórias sobre esses felinos. “É tudo lenda. Mas faz parte do imaginário pantaneiro se encontrar frente ao desafio de vencer seu predador maior.”
Gambarini mesmo já se encontrou a cerca de dois metros de uma onça, cara a cara, mas a situação nada teve de enfrentamento. “Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, ou mesmo do que outros profissionais da área expõem na mídia, a onça-pintada é um animal tranquilo, que tende sempre a se esconder. Ficar cara a cara com uma onça é sinônimo de respeito e admiração”, desmistifica.
Segundo ele, ética, honestidade e compromisso com a verdade são as maiores diretrizes para exercer uma boa fotografia de natureza. “Nesta era digital, tenho visto imagens completamente alteradas de animais ou lugares que eu conheço. A natureza não precisa dessa interferência, ela já é perfeita por si só.” Gambarini enfatiza que não se deve colocar o próprio ego acima do objetivo maior, que é a natureza. Nem se deve mudar a realidade da cena documentada para agradar o mercado ou para receber elogios.
Sua maior felicidade é ver os livros que publica se tornarem referência bibliográfica no assunto. Um exemplo real disso aconteceu quando uma professora de uma escola em São Paulo lhe escreveu para contar que alunos estavam usando seu livro “Cavernas no Brasil” para fazer um trabalho escolar. “Todo o esforço de 15 anos documentando cavernas brasileiras foi compensado com aquela simples informação”, comemora.