Eleitores vão às urnas para eleger seu novo parlamento e o chefe de governo. Imigração e economia foram temas dominantes da campanha. Conservadores aparecem como favoritos, e ultradireita pode dobrar eleitorado.Foi uma campanha eleitoral breve na República Federal da Alemanha (RFA), mas muito disputada. Uma expressão foi muito mencionada: mudança de rumo. “Vocês passaram três anos tentando fazer política de esquerda na Alemanha. Não podem mais continuar fazendo isso”, disse Friedrich Merz, candidato a chanceler federal pelo partido conservador União Democrata-Cristã (CDU), duas semanas antes do pleito.

A fala foi proferida no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão). Merz estava se dirigindo ao Partido Social-Democrata (SPD) do atual chanceler federal Olaf Scholz e aos Verdes, as duas principais legendas que lideraram a tripla coalizão partidária que governo a Alemanha nos últimos três anos.

Em novembro de 2024, a aliança se desintegrou com a saída do Partido Liberal-Democrático (FDP), parceiro menor da coalizão, em meio a disputas sobre o orçamento. Depois disso, Scholz, reduzido a um governo de minoria, acabou dando início aos trâmites para a realização de eleições antecipadas em 23 de fevereiro.

Declínio do SPD e agonia do FDP

Enquanto os Verdes têm praticamente o mesmo apoio nas pesquisas atuais que tinham em 2021, o SPD e o FDP aparecem em queda livre. Os liberais arriscam ficar abaixo da cláusula de barreira de 5%, ficando sem bancada de deputados no Bundestag.

Já o SPD está diante de um encolhimento histórico. Qualquer coisa abaixo de 20% deve marcar o pior resultado para o partido numa eleição federal desde o fim da Segunda Guerra Mundial – e no momento ele aparece com cerca de 15% das intenções de voto.

Dessa forma, Scholz caminha para se tornar o chefe de governo de mandato mais breve dos últimos 50 anos e o único chanceler social-democrata a não ter sido reeleito.

CDU lidera, ultradireitista AfD em segundo lugar

De acordo com pesquisas, o conservador Friedrich Merz aparece com a maior probabilidade de se tornar o próximo chanceler federal. O político veterano é o candidato ao posto indicado pelo seu partido, a CDU, juntamente com o braço bávaro da legenda, a União Social Cristã (CSU).

Na eleição de 2021, que marcou o fim da era Angela Merkel, a CDU/CSU amargou o segundo lugar no pleito. Agora, sob a liderança de Merz, antigo rival interno de Merkel, a legenda quer voltar a liderar o governo.

De acordo com pesquisas, a CDU/CSU deve ser seguida pelo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita, com até 20% do eleitorado – o dobro da marca das eleições de 2021. Com isso, a AfD pode ultrapassar tanto o SPD quanto os Verdes, e formar a segunda maior bancada do Bundestag.

Mas qual foi o caminho para essa queda dramática do SPD e a ascensão do AfD? O candidato da CDU/CSU, Merz, afirma que a estagnação da economia turbinou a ultradireita: “A economia do nosso país está agora na lanterna da União Europeia.”

Segundo Merz, cerca de 50 mil empresas faliram sob o governo Scholz, e cerca de 100 bilhões de euros de capital corporativo têm escoado para o exterior todos os anos. “Nossa economia está encolhendo, estamos em recessão pelo terceiro ano consecutivo. Isso nunca aconteceu antes na história da Alemanha no pós-guerra”, disse Merz durante um debate televiso neste mês.

Scholz e seu ministro da Economia, Robert Habeck, que está concorrendo à Chancelaria Federal pelos Verdes, “não percebem mais a realidade”, diz Merz. “Sabem o que eles me parecem? Como dois executivos que levaram a empresa à falência e depois vão até os proprietários e dizem: ‘A gente quer continuar assim por mais quatro anos.'”

Guerra, crise energética, inflação

Durante a campanha, enquanto Merz criticava o governo, o discreto Scholz se viu cada vez mais na defensiva. Embora parecesse mais ousado, mais autoconfiante e mais combativo do que nos anos anteriores, ele se viu mais frequentemente na posição de ter que justificar suas políticas.

O social-democrata argumentou que não foi seu governo, mas a guerra lançada pela Rússia contra a Ucrânia que provocou a crise energética e a inflação que castigam a Alemanha.

“A economia ainda está sofrendo as consequências”, lembrou o chefe de governo em discurso no Bundestag, em fevereiro. E acrescentou que a situação também não se tornará mais fácil nos próximos anos, diante das exigências “irritantes” do presidente americano Donald Trump. “O vento não está soprando a nosso favor. E a verdade é: isso não mudará fundamentalmente nos próximos anos.”

O tema incendiário da imigração

A fraqueza da economia foi um tópico muito discutido durante a campanha eleitoral. Entretanto, após o ataque com faca executado por um afegão em Aschaffenburg, em janeiro, que deixou dois mortos, o tema da imigração passou a dominar a campanha.

Imediatamente após o ataque, Friedrich Merz anunciou que pretendia endurecer a política de refúgio no país por meio de uma votação no Bundestag, antes mesmo da eleição, se necessário até mesmo com os votos da AfD.

E assim ocorreu: a moção apresentada pela CDU/CSU recebeu a maioria dos votos em janeiro com a ajuda dos deputados populistas de direita.

“Uma nova era começa aqui e agora”, comemorou o deputado Bernd Baumann. “Agora algo novo está começando, e nós, as forças da AfD, estamos liderando.” Ele acrescentou que sua legenda estaria ansiosa para formar uma coalizão de governo com a CDU/CSU. Em tese, tal combinação poderia bastar para uma maioria no Bundestag, descartando a formação de complicadas alianças com mais de dois partidos.

Cooperação com a ultradireita?

Mas essa cooperação, ainda que pontual, entre os conservadores e a ultradireita provocou repúdio na Alemanha, onde é ainda é considerada tabu uma aproximação com um partido como a AfD, que conta com diversos diretórios classificados como “extremistas” pelas autoridades.

Em janeiro, após a votação no Bundestag, centenas de milhares de cidadãos foram às ruas de todo o país para protestar.

Scholz também se mostrou indignado: “Não é uma questão de indiferença trabalhar junto com a extrema direita. Não na Alemanha!”. Segundo ele, os cidadãos do país não teriam garantia de que a CDU/CSU não pretenda formar uma coalizão com o AfD após a eleição geral.

Nas semanas que se seguiram, Merz tentou remediar a situação, reiterando que rejeita qualquer cooperação oficial com o AfD. O objetivo dos extremistas de direita, segundo ele, é destruir a CDU e a CSU. as quais não pretendem formar uma coalizão com a eles em nenhuma circunstância.

Quem poderia formar uma coalizão com quem?

Entretanto as pesquisas indicam que a CDU/CSU não poderá governar sozinha, necessitando pelo menos um parceiro de coalizão.

E, quanto mais partidos entrarem no Bundestag, mais difícil será a formação de um governo. De acordo com as pesquisas, o A Esquerda provavelmente alcançará a marca de 5%, enquanto o novato Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) e os liberais do FDP arriscam ficar de fora.

Se o FDP conseguir entrar no Bundestag, talvez sejam necessários três partidos para formar uma coalizão. Como ele descartou uma nova aliança com os Verdes durante uma convenção, restaria apenas a possibilidade de uma coalizão entre a CDU/CSU, o SPD e o FDP.

AfD isolada

Indicada como candidata à chefia de governo pela AfD, a deputada Alice Weidel argumenta que uma coalizão de governo formada por outros partidos só servirá para a continuação das políticas atuais. A “reviravolta” política, segundo ela, ainda estar por vir, e está sendo apenas “desnecessariamente adiada”.

Mas, depois do escândalo em torno da votação que contou com apoio da AfD, a relação entre o SPD e os Verdes e a CDU/CSU não é das melhores. No final, uma coalizão certamente dependerá de quantas concessões nos seus programas os partidos estarão dispostos a fazer.

“Responsabilidade política”

Num eventual governo de coalizão, o SPD pretende dar prioridade à política social. Os Verdes, por sua vez, priorizam a proteção climática.

“Se a Alemanha eleger um governo em 23 de fevereiro que anuncie que não cumprirá suas metas de proteção climática, então a Europa não vai querer cumprir suas metas”, advertiu o candidato verde Robert Habeck. “Então, a proteção climática global estará liquidada. Nenhum chanceler, nenhum ministro de proteção climática, nenhum comissário poderá viajar para a Índia, Indonésia ou China e dizer: ‘Pessoal, queimem menos carvão, usem mais energia renovável!'”

Merz sabe que as negociações para a formação de uma coalizão não serão fáceis. Entretanto, ele afirma que, após as eleições legislativas, será necessária uma “responsabilidade política” para resolver os problemas da Alemanha. Essa é “uma das últimas chances” de privar a AfD de seu terreno fértil. “Se não formos bem-sucedidos, não estaremos mais lidando com apenas 20% de populismo de direita”, disse Merz.

“Então, um dia, os populistas de direita não contarão apenas uma minoria de capaz de bloquear decisões no Bundestag, que não permitirá mais emendas constitucionais: eles poderão chegar perto de uma maioria.” O provável próximo chanceler federal apelou a social-democratas, verdes e liberais: “Esta é uma responsabilidade da qual vocês não podem se esquivar e da qual nós também não nos esquivaremos.”