03/03/2025 - 4:33
Obra de Walter Salles sobre trajetória de Eunice Paiva e sua família conquista prêmio inédito para o Brasil. Saiba quem foram os vencedores do Oscar de 2025.Ainda Estou Aqui ganhou Oscar de melhor filme internacional neste domingo (02/03), um feito inédito para o país. O Brasil havia sido indicado cinco vezes, incluindo a edição de 2025.
A obra concorreu com o dinamarquês A Garota da Agulha, o francês Emilia Pérez, o alemão A Semente do Fruto Sagrado e a obra da Letônia Flow, que venceu por melhor filme de animação.
A atriz Fernanda Torres, que nos últimos meses estampou capas de revista e marcou ponto em talk shows americanos, virando uma verdadeira paixão nacional – presente em fantasias e temas de bloco de carnaval – não levou a estatueta de melhor atriz.
O prêmio foi para Mikey Madison, de 25 anos, por Anora. Também estavam no páreo Cynthia Erivo (por Wicked), Karla Sofía Gascón (por Emilia Pérez) e Demi Moore (por A Substância).
Também indicado a melhor filme, Ainda Estou Aqui não levou o prêmio, considerado o principal do Oscar. Anora foi agraciado na categoria e levou ainda três outras estatuetas: melhor diretor para Sean Baker, melhor roteiro original e melhor edição para o projeto do diretor de 53 anos.
Homenagem a Eunice Paiva
O filme conta a história da família de Rubens Paiva, deputado cassado, sequestrado e morto pela ditadura militar, pela ótica de sua viúva, Eunice Paiva.
No palco do Dolby Theater em Los Angeles, o diretor de Ainda Estou Aqui, Walter Salles, homenageou a coragem de Eunice Paiva e citou Torres e sua mãe, Fernanda Montenegro, que aparece em cena no final do filme como Eunice Paiva. “Esse prêmio vai para uma mulher que, depois de sofrer uma perda durante um regime autoritário, decidiu não se curvar e resistir. Esse prêmio vai para ela”, disse Salles, enquanto foi ovacionado de pé pela plateia. “E vai para as duas mulheres que deram vida a ela”, completou.
Salles, conhecido por obras como Terra Estrangeira, Central do Brasil e Diários de Motocicleta, disse acreditar que o filme teve impacto com o público que talvez não tivesse familiaridade com a ditadura brasileira, por causa da habilidade do roteiro de superar a perda e a força de lutar contra injustiças. “Esta mulher teve a possibilidade de se curvar ou de abraçar a vida. Ela abraçou a vida”, disse, nos bastidores do Oscar.
“No final das contas, é um filme sobre isso: a esperança que abraçar a vida nos permite. Talvez essa seja uma porta de entrada para o filme. Uma outra forma de entender isso é que a democracia está se tornando tão frágil em todas as partes do mundo”, acrescentou.
Em entrevista à DW em janeiro deste ano, Fernanda Torres reforçou que “muita gente nova que cresceu na democracia foi ao cinema porque, de repente, escutou falar da ‘ditadura militar’, mas isso era um nome que não tinha muito sentimento envolvido. Mas no filme você sente a perda daquela família. Então as pessoas entendem o que é suspensão dos direitos civis, não através de um parágrafo num livro de história da escola, mas através da identificação com os jovens daquela família. E isso realmente fez diferença no Ainda estou aqui. Eu acho que ele teve um sentido de consciência cívica, através da família Paiva, que impactou os jovens”.
Reações e Carnaval
No X, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que “Hoje é o dia de sentir ainda mais orgulho de ser brasileiro. Orgulho do nosso cinema, dos nossos artistas e, principalmente, orgulho da nossa democracia”, escreveu.
A vitória foi celebrada em todo o Brasil durante o Carnaval. No Sambódromo do Rio, o resultado foi anunciado pelos alto-falantes e levantou o público.
Sobre Ainda Estou Aqui
Fernanda Torres foi a segunda atriz brasileira a concorrer ao Oscar de melhor atriz – 26 anos após sua mãe, Fernanda Montenegro, ter sido indicada por sua atuação em Central do Brasil, também dirigido por Walter Salles. O prêmio foi para Gwyneth Paltrow, por Shakespeare Apaixonado.
Torres chamou a atenção de Hollywood com um papel que encheu salas de cinema e tocou em um nervo ainda aberto na história política do Brasil.
Ambientado no Rio de Janeiro na década de 1970, Ainda Estou Aqui narra a saga de Eunice Paiva para ter a morte do marido reconhecida, enquanto cria cinco filhos e se reinventa em uma nova carreira, virando uma das pioneiras na defesa jurídica de povos indígenas no Brasil.
Enquanto o filme se tornava um fenômeno de bilheteria dentro e fora do país, a Polícia Federal revelou a existência de um plano de golpe militar para perpetuar Jair Bolsonaro no poder após sua derrota nas urnas em 2022, o que se transformou em denúncia do Ministério Público contra o ex-presidente e mais 33 pessoas.
Histórico cinema brasileiro
O primeiro representante brasileiro a disputar o Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro foi O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, em 1963.
Nos anos 1990, o Brasil emplacou três indicados à categoria: O Quatrilho, de Fábio Barreto (1996), O Que É Isso, Companheiro?, de Bruno Barreto (1998), e Central do Brasil, de Walter Salles (1999). Este último contou ainda com a indicação de Fernanda Montenegro na categoria de melhor atriz.
O Beijo da Mulher-Aranha, de Hector Babenco – uma coprodução Brasil e Estados Unidos, foi indicado nas categorias de melhor filme, roteiro e direção — mas acabou sendo premiado pela atuação de William Hurt. O filme apresenta um diálogo entre dois homens que dividem uma cela numa prisão brasileira durante a ditadura militar.
Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, concorreu em 2004 em quatro categorias: diretor, roteiro adaptado, edição e fotografia.
Os concorrentes
Emilia Pérez
Um dos destaques da premiação deste ano, tanto pelo volume de indicações como pelas controvérsias, Emilia Pérez venceu em apenas duas das 13 categorias em que disputava. Zoe Saldaña recebeu a estatueta de melhor atriz coadjuvante, e o filme foi premiado na categoria Melhor Canção Original, por El Mal.
O musical francês dirigido por Jacques Audiard apresenta a trajetória de Rita, uma advogada que é contratada para ajudar o traficante Manitas a mudar de gênero e abandonar a vida no crime, tornando-se Emilia Pérez.
Karla Sofía Gascón, que dá vida à personagem principal, foi a primeira atriz trans indicada ao Oscar. Inicialmente uma das mais cotadas ao prêmio, ela foi excluída da campanha de promoção do filme depois que posts da atriz com conteúdo racista e preconceituoso foram resgatados.
O musical também gerou críticas por retratar uma realidade mexicana a partir da visão de um cineasta francês, por não contar com nenhuma mexicana entre as atrizes principais e por uma visão estereotipada de uma pessoa transgênero.
Paul Preciado, filósofo espanhol que trata de questões sobre gênero e sexualidade, afirmou, em uma crítica no jornal El País, que “Emilia Pérez perpetua uma visão psicopatológica da transição de gênero baseada em quatro premissas: criminalização, exotização etnográfica, representação médica-cirúrgica da transição de gênero e assassinato. E este último não é um spoiler. Todos os filmes normativos sobre pessoas trans acabam matando o protagonista.”
A Substância
A Substância, filme de terror corporal dirigido pela francesa Coralie Fargeat e estrelado por Demi Moore, Margaret Qualley e Dennis Quaid, acompanha uma atriz veterana que, ao perceber que sua idade a torna irrelevante em Hollywood, recorre a uma droga milagrosa que promete restaurar sua juventude. No entanto, os efeitos colaterais da substância revelam a brutalidade desse culto à beleza eterna.
A performance de Demi Moore foi amplamente elogiada, rendendo-lhe o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme – Musical ou Comédia, além de indicações ao Oscar, Bafta e Screen Actors Guild Awards.
Brutalista
Com dez indicações, O Brutalista apresenta, ao longo de três horas e meia, a história do arquiteto húngaro László Toth, que fugiu da Europa devastada pela Segunda Guerra em busca de um novo começo na América.
A obra levou para casa três dos sete Globos de Ouro aos quais concorria: filme dramático, direção e ator em drama (Adrien Brody), abrindo-lhe o caminho como um dos favoritos para o Oscar.
Em fevereiro, uma revelação levantou discussões sobre a produção do filme. Dávid Jancsó, montador responsável pela edição, admitiu que usou ferramentas de inteligência artificial para aperfeiçoar o sotaque húngaro do inglês falado pelos personagens de Brody e de Felicity Jones, que interpreta a mulher do arquiteto.
Wicked
Indicado em dez categorias e vencedor em Figurino e Design de Produção, Wicked é um musical estrelado por Cynthia Erivo e Ariana Grande.
A produção é a primeira de uma adaptação cinematográfica em duas partes do aclamado musical da Broadway, baseado no romance Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West, de Gregory Maguire. A trama oferece uma perspectiva alternativa do clássico O Mágico de Oz, explorando a complexa relação entre Elphaba (Erivo), a futura Bruxa Má do Oeste, e Glinda (Grande), a Bruxa Boa do Sul, antes da chegada de Dorothy em Oz.
Anora
Vencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, Anora, dirigido por Sean Baker, é uma comédia dramática que mistura realismo social e humor. O filme acompanha Ani (Mikey Madison), uma jovem stripper de Nova York que inesperadamente se casa com o filho de um oligarca russo. O que começa como um conto de fadas moderno logo se transforma em um embate cultural e financeiro, enquanto a família do noivo tenta anular a união a qualquer custo.
O roteiro aborda criticamente aspectos do capitalismo americano e as complexidades das relações humanas.
A atuação de Mikey Madison rendeu à atriz de 25 anos a estatueta do Oscar.
O ator russo Yura Borisov, indicado como melhor ator coadjuvante, foi uma das surpresas entre as indicações ao Oscar em 2025. Ele faz o papel de um garoto de recados da máfia russa, que apesar durão e boca fechada, mostra um lado sentimental.
Entre seus trabalhos recentes, ele interpretou um soldado em um filme patrocinado pelo Kremlin que promovia um modelo de tanque soviético. Em outra obra, ele encarnou Mikhail Kalashnikov, o homem que inventou o rifle automático russo.
Depois da invasão russa à Ucrânia em fevereiro de 2022, ele parou de participar de filmes militaristas e conseguiu projetar sua carreira internacionalmente.
O prêmio de melhor ator coadjuvante foi para Kieran Culkin, por sua atuação em A Real Pain (A Verdadeira Dor).
* * *
Confira abaixo a lista completa dos indicados, com os vencedores em negrito:
Melhor filme
Anora
O Brutalista
Um Completo Desconhecido
Conclave
Duna: Parte 2
Emilia Pérez
Ainda Estou Aqui
Nickel Boys
A Substância
Wicked
Melhor filme estrangeiro
Ainda Estou Aqui (Brasil)
A Garota da Agulha (Dinamarca)
Emilia Pérez (France)
A Semente do Fruto Sagrado (Alemanha)
Flow (Letônia)
Melhor diretor
Sean Baker, por Anora
Brady Corbet, por O Brutalista
James Mangold, por Um Completo Desconhecido
Jacques Audiard, por Emilia Pérez
Coralie Fargeat, por A Substância
Melhor atriz
Cynthia Erivo, por Wicked
Karla Sofía Gascón, por Emilia Pérez
Mikey Madison, por Anora
Demi Moore, por A Substância
Fernanda Torres, por Ainda Estou Aqui
Melhor ator
Adrien Brody, por O Brutalista
Timothée Chalamet, por Um Completo Desconhecido
Colman Domingo, por Sing Sing
Ralph Fiennes, por Conclave
Sebastian Stan, por O Aprendiz
Melhor atriz coadjuvante
Monica Barbaro, por Um Completo Desconhecido
Ariana Grande, por Wicked
Felicity Jones, por O Brutalista
Isabella Rossellini, por Conclave
Zoe Saldaña, por Emilia Pérez
Melhor ator coadjuvante
Yura Borisov, por Anora
Kieran Culkin, por A Verdadeira Dor
Edward Norton, por Um Completo Desconhecido
Guy Pearce, por O Brutalista
Jeremy Strong, por O Aprendiz
Melhor roteiro original
Anora
O Brutalista
A Verdadeira Dor
O Atentado de 5 de Setembro
A Substância
Melhor roteiro adaptado
Um Completo Desconhecido
Conclave
Emilia Pérez
Nickel Boys
Sing Sing
Melhor edição
Anora
O Brutalista
Conclave
Emilia Pérez
Wicked
Melhor animação
Flow
Divertida Mente 2
Memórias De Um Caracol
Wallace & Gromit: Avengança
Robô Selvagem
Melhor curta-metragem de animação
Beautiful Men
In the Shadow of the Cypress
Magic Candies
Wander to Wonder
Yuck!
Melhor maquiagem e penteados
Um Homem Diferente
Emilia Pérez
Nosferatu
A Substância
Wicked
Melhor design de produção
O Brutalista
Conclave
Duna: Parte 2
Nosferatu
Wicked
Melhor design de figurino
Um Completo Desconhecido
Conclave
Gladiador 2
Nosferatu
Wicked
Melhores efeitos visuais
Alien: Romulus
Better Man
Duna: Parte 2
O Reino do Planeta dos Macacos
Wicked
Melhor documentário
Diários da Caixa-Preta
No Other Land
Guerra da Porcelana
Trilha Sonora para um Golpe de Estado
Sugarcane
Melhor documentário de curta-metragem
Death by Numbers
Estou Pronto, Guarda
Incident
Instruments of a Beating Heart
A Única Mulher na Orquestra
Melhor fotografia
O Brutalista
Duna: Parte 2
Emilia Pérez
Maria
Nosferatu
Melhor curta-metragem
A Lien
Anuja
Eu Não Sou Um Robô
The Last Ranger
The Man Who Could Not Remain Silent
Melhor som
Um Completo Desconhecido
Duna: Parte 2
Emilia Pérez
Wicked
Robô Selvagem
Melhor trilha sonora original
O Brutalista
Conclave
Emilia Pérez
Wicked
Robô Selvagem
Melhor canção original
El Mal – Emilia Pérez;
The Journey – Batalhão 6888
Like A Bird – Sing Sing
Mi Camino – Emilia Pérez
Never Too Late – Elton John: Never Too Late