18/09/2018 - 16:03
Esqueça aquelas viagens em que tudo se passa pela janela do ônibus. O melhor upgrade que você pode dar às suas férias envolve turismo ativo, que interage com a população local, conhece os costumes da região, movimenta a economia do destino visitado e permite que você renove sua bagagem cultural. Embarque nessa ideia, chamada mundo afora de turismo responsável.
“Fazer lugares melhores para as pessoas viverem e para as pessoas visitarem” é a missão do turismo responsável. Para isso, é preciso que operadores de turismo, hotéis, governos, população local e cada turista tomem para si a responsabilidade de fazer um turismo mais sustentável, que impacte o destino da forma mais positiva possível.
“É responsabilidade tanto de quem está oferecendo o serviço ou produto quanto de quem está consumindo. O turista precisa ser um consumidor consciente. Suas escolhas e atitudes vão fazer toda a diferença no destino visitado”, afirma Paula Arantes, coordenadora do Fórum Interamericano de Turismo Sustentável (Fits) – evento paralelo à Adventure Sports Fair – e responsável por projetos e prospecção de parcerias na ONG Garupa.
Não importa se o destino é uma praia paradisíaca, a floresta, o campo ou uma grande cidade. Também independe de estilo – luxo, econômico, aventureiro ou outra alternativa. A sustentabilidade abrange tanto o pilar ambiental como o sociocultural e o econômico – todos com a mesma importância.
“Na área de alimentação e da moda, por exemplo, a proposta do consumo mais sustentável já está mais clara, mas no setor de viagens ainda não”, afirma Ana Duék, jornalista criadora do blog Viajar Verde e embaixadora do Green Destinations. Segundo ela, o Brasil ainda está na fase da quantidade, de lotar os destinos, porque as pessoas estão descobrindo que podem viajar.
No exterior, sobretudo na Europa, já existe uma compreensão melhor das consequências do turismo de massa – e até já surgiu o ódio ao excesso de turistas (a “turismofobia”). Preferem-se visitantes que cuidem do destino e respeitem a cultura local, porque está provado que sai mais caro reverter o estrago causado pelo turismo descontrolado.
Drama veneziano.
Veneza é um exemplo do impacto negativo extremo que a atividade turística pode causar na vida de uma comunidade. Nos últimos 30 anos, a cidade italiana perdeu mais de 50% dos seus moradores, devido à especulação imobiliária, aos preços praticados no comércio e à superlotação que inviabiliza o cotidiano.
Os cerca de 55 mil habitantes atuais recebem 30 milhões de visitantes por ano – a maioria vinda de navios de cruzeiro gigantes, que ameaçam as estruturas da cidade. A beleza veneziana permanece nas fachadas vistas dos canais. Mas a cidade hoje é mais cenográfica – a riqueza humana que habitava ali foi esvaziada.
Para evitar consequências como essas, está surgindo o chamado “turismo de base comunitária”, desenvolvido a partir dos desejos da comunidade local. “Não chegamos lá dizendo o que fazer. Ajudamos a desenhar o que eles querem. E nos tornamos um parceiro de comercialização do plano que eles decidirem oferecer”, explica Marianne Costa, turismóloga e fundadora da agência Vivejar.
Nesses casos, é fundamental que a atividade de receber visitantes seja conciliada com tradições e costumes daquela população e traga uma fonte a mais de renda para a identidade cultural ser mantida. Os roteiros da Vivejar oferecem aos turistas a possibilidade de vivenciar o dia a dia de uma comunidade tradicional da forma mais autêntica possível.
No roteiro “Do barro à arte”, desenvolvido no Vale do Jequitinhonha (MG), por exemplo, os visitantes se hospedam em casa de família, aprendem a fazer a cerâmica que caracteriza a comunidade (tradição passada de mãe para filha) e têm a oportunidade de ouvir as histórias daquela gente. “No turismo sustentável, o olhar é apreciativo. O Vale é economicamente muito pobre, mas a visita mostra como essas mulheres são criativas, quanto podem fazer com muito pouco. É uma questão de respeito e de resgate de valores.”
Troca justa
Marianne frisa que é preciso questionar toda proposta de turismo comunitário para se descobrir se ela de fato pretende deixar uma marca positiva no visitante e no visitado. No caso de um passeio a favelas cariocas: ele está incentivando uma relação respeitosa entre turista e comunidade? Os turistas são estimulados a sair do carro, interagir com os moradores e deixar renda no local? Ou estão vendo a pobreza como algo bizarro, com um olhar depreciativo?
“A gente ainda está educando o mercado. Eu brinco, para simplificar, que somos os orgânicos das viagens, só que dez anos atrás, quando as pessoas ainda se perguntavam ‘O que é isso?’, ‘Faz bem?’, ‘Por que vou pagar três vezes mais?’”, afirma a turismóloga. A analogia facilita o entendimento, mas as pessoas só percebem que o valor é justificado depois de vivenciarem essa proposta. “O benefício de experimentar uma viagem com mais significado é intangível, difícil de calcular na ponta do lápis”, afirma.
O turismo de massa – convencional, passivo e sazonal – sem dúvida é mais barato. A lei desse mercado é pagar o mínimo e ter ganho de escala para gerar mais lucro a quem está intermediando a viagem. Nessa relação, o cliente é quem mais perde. No fim, fica a sensação de que até se viu algo interessante, mas não deu para sentir o espírito do lugar.
Viver causa impacto, mas é possível escolher que marca você deixará nos lugares visitados. A contribuição de cada um é importante. Afinal, apenas em 2017, desembarcaram em destinos internacionais 1,3 milhão de turistas, segundo dados da Organização Mundial do Turismo. Isso sem contar as viagens dentro de cada país. E o número de viajantes deve continuar a crescer. Em 1950 houve 25 milhões de chegadas internacionais, número que em 1980 subiu para 674 milhões.
A indústria do turismo gera hoje um de cada 10 empregos no planeta. Segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), em 2017 ela movimentou US$ 8,3 trilhões, ou 10,4% do produto interno bruto mundial.
Pelo mais recente levantamento, o setor de turismo emite 8% dos gases de efeito estufa do mundo, bem acima dos 3% de cálculos anteriores. O estudo, divulgado em maio pela revista “Nature Climate Change”, foi feito pela Universidade de Sydney (Austrália) e envolveu dados de 160 países, de 2009 a 2013. Ele contabilizou todo o ciclo de vida do setor de viagens: funcionamento de hotéis, produção da alimentação e até de suvenires e, claro, emissões dos voos (principal emissor).
Paraísos sob ameaça
Ilhas pequenas e paradisíacas, como Maldivas e Seychelles, vivem um grande dilema: principal indústria local, o turismo responde por até 80% das emissões anuais (na medição de emissões per capita), mas essas terras são as mais vulneráveis aos efeitos da elevação dos mares causada pela mudança climática.
Além disso, tais destinos não usufruem da renda gerada com o turista. Como estão dominados por cadeias internacionais – sobretudo em hotelaria e alimentação –, os empregos oferecidos para a população são de baixa hierarquia, os insumos são comprados no exterior (porque a culinária e as cortesias são internacionais) e os turistas não são estimulados a conhecer sabores, costumes e a realidade local. Além disso, grande parte do que os hóspedes pagam é remetida para as sedes das empresas, no exterior.
Diante disso, a ONU declarou 2017 o Ano do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento, o que estimulou debates e iniciativas nesse sentido mundo afora. Para o brasileiro, que costuma atrelar sustentabilidade apenas a questões ambientais, esse movimento representou uma bela oportunidade de expandir horizontes. “O enfoque da ONU foi muito mais social: promoção da cultura de paz, geração de empregos, fomentação da tolerância por meio da diversidade e do conhecimento de outras culturas”, destaca Paula, da Fits.
Outra decisão de 2017 que trouxe avanços no comportamento dos turistas brasileiros foi a imposição de limites restritos de bagagem nos voos. “Agora, para economizarem na tarifa, começaram a viajar mais leves – o que é muito sustentável, porque quanto menos peso transportado, menor a emissão do avião”, explica Paula. Ela lamenta que poucas companhias aéreas trabalhem de modo consistente na compensação de carbono e que as falcatruas no uso das verbas destinadas à compensação tenham desestimulado muitas iniciativas.
Separar joio e trigo
As armações e o marketing falso são práticas comuns também no setor do turismo e da sustentabilidade. Para ajudar a separar o joio do trigo e livrar o turista de furadas, há premiações, selos, certificações e sites que reúnem propostas realmente responsáveis e éticas (veja quadro na página ao lado). Mas Paula lembra que sustentabilidade depende de uma melhoria contínua, não é uma fotografia de um único momento.
Por isso, a norma de certificação sustentável para hotéis ISO 21401, concluída em maio e inspirada na norma brasileira, é um programa de gestão e prevê um monitoramento permanente. O objetivo é ajudar as empresas de hospedagem a serem mais competitivas (gerando economia e eficiência na operação), mais justas socialmente, impactarem menos o meio ambiente e melhorarem a experiência dos hóspedes. “Ser sustentável é uma abordagem nova e moderna para os negócios”, afirma Alexandre Garrido, líder do processo de criação da norma (conheça mais sobre ela no quadro da página ao lado).
Para Betina Neves, editora do blog Carpe Mundi, especializado em viagem, o maior movimento de turismo responsável acontece na hotelaria, sobretudo em redes consagradas. Nas suas escapadas pelo mundo, ela procura viajar sempre de forma ética e responsável. “Mas vivo em constante conflito. Há muita coisa obscura, às vezes não dá para saber o que você está consumindo.”
O maior dilema de Betina é com os animais. Ela evita ao máximo atrações que exploram bichos presos. “Eu me pergunto se é justo manter alguns exemplares em cativeiro em benefício de outros, mesmo no Projeto Tamar, que faz um belo trabalho de preservação das tartarugas. É muito polêmico”, avalia.
“É uma via de mão dupla. A gente precisa que os empreendedores deem o bom exemplo. Mas a iniciativa também pode partir do turista”, reflete Paula, da Fits. Quando os negócios percebem uma demanda, procuram se adaptar. Quando uma pessoa vinda de fora se encontra em um ambiente diferente, aprende com a experiência. E pode levar aquela prática para sua vida cotidiana. “O momento da viagem é de muita aprendizagem. Um público consciente não nasce pronto. É questão de amadurecimento.”
Manual do turista responsável iniciante
• Procure deixar seu dinheiro no lugar visitado, por meio da hospedagem, dos passeios e das compras que fizer
• Aplique na viagem a mesma postura sustentável do dia a dia: economize água e energia elétrica, reduza a geração de lixo, separe o reciclável, use transporte público, etc.
• Escolha hospedagem que tenha práticas sustentáveis; dê preferência a hotéis independentes
• Alimente-se em cafeterias e restaurantes com culinária regional e que comprem seus insumos de produtores locais para movimentar a economia daquele destino
• Pesquise na internet sobre as empresas antes de contratá-las (veja quadro à pág. 37). É bacana também olhar a avaliação de turistas que usaram os serviços dessas empresas
• Informe-se sobre a realidade do lugar a ser visitado. Cultura geral nunca é demais e permitirá que você veja tudo com outros olhos
• Aprenda algumas palavras na língua local. Isso é uma forma de respeito e simpatia com os habitantes dali e pode criar oportunidades de diálogo e troca com eles
• Compre em lojas de bairro e diretamente dos produtores tudo o que for possível, em especial artesanatos
• Contrate passeios com guias nativos e empresas comprometidas com responsabilidade socioambiental; os preços são em geral mais altos, mas a experiência costuma ser bem melhor e mais autêntica
• Evite locais que explorem animais ou os mantenham presos
• Opte por transportes de menor emissão de carbono
• Evite os cruzeiros de grande porte, as formas mais poluentes de turismo atualmente
• Questione os guias sobre os costumes e a realidade local. Questione-se sobre se sua postura e seu dinheiro estão de fato ajudando o lugar e seus moradores
Do Brasil para o mundo
Tem origem brasileira a futura norma ISO 21401 de gestão sustentável para meios de hospedagem, aprovada em maio pelo Grupo de Trabalho sobre Turismo Sustentável, o WG 13. Sua base é a norma ABNT NBR 15401, desenvolvida no Brasil em 2006 e atualizada entre 2012 e 2014. “Em 2015, vimos um ambiente favorável na ISO e apresentamos nossa norma ABNT para internacionalização”, diz Alexandre Garrido, coordenador da atualização brasileira e do processo na ISO. O documento estava tão bem estruturado que foi possível finalizar em dois anos um processo que, em geral, leva de três a cinco anos.
A ISO 21401, que deverá ser publicada no segundo semestre, pretende padronizar (e substituir) 140 normas e selos em certificação de sustentabilidade para hotéis.
Ela serve para qualquer porte e estilo de hospedagem, independentemente da sua localização, e cobre os três âmbitos da sustentabilidade – ambiental, sociocultural e econômico. Na mesma reunião de maio, Garrido iniciou os trabalhos de um novo projeto de normatização sobre os princípios e terminologias do turismo sustentável, baseado no documento “7 princípios de sustentabilidade”, produzido pelo Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável (CBTS).
Curadoria de roteiros
Novas plataformas estão surgindo para fazer a ponte entre pessoas que querem viagens diferentes, com mais significado, e quem oferece experiências autênticas ao lado de moradores da região, que estimulam a conservação ambiental e cultural e que movimentam a economia local. Lokaltravel.com, Visit.org e Travelforlocal.com são opções internacionais, com conteúdo em inglês. Tupiniquim.com e Garupa.org.br (Guia Garupa do Brasil Autêntico) oferecem um cardápio nacional. Ainda este ano, a Organização Mundial do Turismo (OMT) deverá lançar um portal para reunir boas práticas do mundo na área da sustentabilidade.