13/09/2018 - 12:33
Entre as doenças que mais matam no mundo hoje há um fator em comum que pouco preocupa a população em geral: o sedentarismo. Não que a prática de atividade física cure doenças ou substitua tratamentos médicos. Mas a falta dela está sendo encarada pela medicina moderna como um grande problema de saúde pública e uma das principais causas de morte ou de baixa qualidade de vida no mundo hoje.
As campanhas de marketing das academias costumam explorar a beleza de corpos magros, torneados, esculpidos ou musculosos para conquistar clientes, mas poderiam considerar a situação de epidemia clínica representada pelo sedentarismo para convencer o público. Ser sedentário significa estar mais sujeito à incidência de doenças cardiovasculares, colesterol alto, diabetes tipo 2, osteoporose, atrofia muscular, ter menor imunidade e envelhecimento das células mais acelerado e estar mais suscetível a alguns tipos de câncer, como o de intestino.
Já ser ativo, além de evitar problemas de saúde no corpo, colabora para a saúde mental, pois a liberação de endorfina (o hormônio do bem-estar) que a atividade física provoca ajuda a reduzir o estresse e a ansiedade, colaborando na redução de dores e quadros de depressão e de demência senil.
A atividade física influencia ainda na produção de outros hormônios, como o cortisol, que ajuda a regular o sono, a pressão e processos inflamatórios do corpo. “Pessoas sedentárias costumam ter um descompasso muito grande no cortisol, ficam mais desanimadas, sonolentas, ‘lentificadas’, sem dinamismo”, explica Roberto Rached, médico fisiatra no Hospital das Clínicas em São Paulo. Conforme a pessoa se exercita, a liberação do cortisol a ajuda a ter ainda mais disposição para se movimentar.
A conta de uma vida sedentária geralmente chega quando o envelhecimento se acentua. Segundo Rached, porém, a sarcopenia – o processo de perda muscular ao longo dos anos, comum em idosos e que tem seu pico por volta da sétima década de vida – tem aparecido mais cedo nos exames de ressonância magnética. “As musculaturas de coluna estão virando gorduras na coluna.”
Perdas espalhadas
Por conta da perda muscular, temos também perdas nos tendões, que ficam mais fracos, menos nutridos, menos hidratados e causam mais lesões por enfraquecimento. “Estamos vendo com mais frequência esse quadro em pacientes jovens e de escritório, ou que estão sempre sentados em linha de produção”, observa Rached. “A musculatura do pescoço também se mostra mais enfraquecida e ocorrem alterações de articulações, principalmente em joelhos e quadris.”
O impacto da musculação e da corrida e caminhada fortalece os ossos. Nas pessoas que ficam sentadas ou deitadas o dia todo, eles se enfraquecem, e com isso o risco de fratura aumenta, sobretudo na terceira idade. Há também um aumento nos casos de mulheres com osteopenia e osteoporose.
Atividades físicas habituais podem até mesmo alterar características celulares. Um estudo liderado pela Universidade Stanford (EUA) que analisou dados de saúde de mais de 500 mil pessoas apontou que tanto homens como mulheres com herança genética de doenças cardíacas, porém com melhor condicionamento físico e capacidade aeróbica, reduziram pela metade a probabilidade de terem problemas cardiovasculares. Outra pesquisa, da Universidade da Califórnia, mostrou que mulheres sedentárias podem ser biologicamente oito anos mais velhas do que aquelas que se exercitam. A explicação estaria no processo de renovação celular impulsionado pelas atividades físicas.
“Temos milhões de motivos para nos exercitar”, afirma Ricardo Munir Nahas, coordenador do Centro de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital Nove de Julho, em São Paulo.
A inatividade física responde por mais de 5 milhões de mortes no mundo, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que já considera o impacto do sedentarismo tão maléfico quanto o fumo.
A última pesquisa sobre o tema feita pelo Ministério do Esporte do Brasil não é animadora: 45% dos entrevistados não praticam qualquer atividade física, mesmo sabendo dos riscos de uma vida sedentária. Esse comportamento, aliado a uma alimentação rica em calorias – geralmente extrapolando os limites de gordura, sal e açúcar – e ao tabagismo, é como uma bomba-relógio. A boa notícia é que ela pode ser desarmada a qualquer momento da vida – quanto antes, porém, melhor.
Culpa da evolução
“Em um período de 100 anos contrariamos uma lógica evolutiva de milhares de anos”, explica Paulo Camiz, clínico geral e geriatra do Hospital das Clínicas de São Paulo e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Quando surgiram na Terra, há cerca de 180 mil anos, os humanos precisavam conservar energia (calorias) para suportar períodos de alimentação mais escassa, já que conseguir comida não era algo fácil. A fisiologia humana ainda funciona de forma a priorizar o armazenamento de gordura. Também se destacaram nesse processo evolutivo aqueles que tinham o melhor preparo físico, fazendo do corpo humano “uma máquina extremamente inteligente”, ressalta Camiz. “É só dar um comando que ele [corpo] responde. E responde melhorando o funcionamento. Mas, quando sedentário, é como se o corpo interpretasse não ter necessidade de funcionar no melhor de suas possibilidades de desempenho, e aí começa a eliminar os excessos, como músculos, e a armazenar energia, ou gordura”, explica.
Na sociedade pós-revolução industrial, exercitar-se passou a ser cada vez menos necessário, enquanto conseguir comida ficou cada vez mais fácil e abundante. E fomos então nos tornando cada vez mais inativos, o que tem trazido consequências diretas para a saúde.
Para romper a inércia, a motivação pelo medo não se sustenta, afirma Renato Zilli, endocrinologista no Hospital Sírio-Libanês: “Tem que ter um gancho positivo. Além disso, as pessoas são muito imediatistas”. Infelizmente (ou não), os cuidados com a saúde em geral têm resultados em longo prazo.
Para piorar, não é fácil ser ativo. A sociedade caminha no sentido de se tornar cada vez mais prática – vide explosão de serviços delivery e outras comodidades virtuais. Ao mesmo tempo, já se tornaram comuns as rotinas cada vez mais pesadas, com muitas horas dedicadas ao trabalho e à educação e qualificação. Mas superar isso não requer grandes esforços – literalmente (veja quadro acima).
A OMS recomenda pelo menos 150 minutos de práticas físicas por semana. “Tem que entrar na nossa agenda diária, como comer, dormir, tomar banho ou escovar os dentes, ou seja, tornar-se um hábito”, frisa o professor Timoteo Araujo, do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (Celafiscs). A recomendação da OMS significa apenas 30 minutos por dia, que podem ser acumulados em uma hora dia sim, dia não, ou em uma hora e meia três a quatro vezes na semana. “É importante manter o estímulo constante do metabolismo”, diz Nahas. “Não tem desculpa para não fazer. Não é para virar um super-herói ou um atleta de ponta, é se mexer o suficiente para não levar uma vida sedentária”.
Misturar exercícios
Atividade física significa atividade moderada ou intensa, com movimentação do corpo que gaste energia e trabalhe músculos. Por isso, o ideal é mesclar exercícios aeróbicos – como caminhar, correr, dançar ou praticar esportes – com atividades que exigem força muscular.
Ao sublinhar as vantagens para o corpo de se exercitar, Zilli se inspira em uma pesquisa britânica que relaciona a atividade física ao funcionamento dos juros compostos: quanto mais se pratica, mais os benefícios são reforçados, tanto físicos como mentais.
O fato de ser ativo nos beneficia até mesmo quando estamos parados: o corpo gasta mais energia para manter 1kg de músculo do que 1kg de gordura. Pesquisas recentes sobre o tema concluem que, mais do que uma atividade física habitual, é preciso se movimentar mais vezes ao longo do dia. Isso vale também para aqueles que já se exercitam rotineiramente. Ao ficarmos sentados muitas horas por dia, prejudicamos a circulação e a postura.
O indicado é se mexer a cada 30 ou 40 minutos. Um estudo da Universidade de Liverpool (Inglaterra) divulgado em abril revelou que, em apenas duas semanas de uma rotina de escritório-sofá, os índices já indicavam aumento do risco de diabetes tipo 2, doenças cardíacas e acidente vascular cerebral (AVC).
A revista britânica “The Lancet” publicou um estudo feito com pessoas acima dos 45 anos, nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Austrália, que passavam cerca de oito horas sentadas. Entre os que não praticavam nenhuma atividade física, a chance de morte prematura aumentou quase 10%. Já entre os que se exercitavam regularmente, esse índice caiu pela metade. “Talvez, se nos exercitássemos como nossos antepassados faziam, hoje não seria preciso usar tantos remédios”, conclui Paulo Camiz.
Pequenas grandes atitudes
• Troque o elevador por escadas tanto para subir como para descer. Se precisar chegar a um ponto muito alto, faça boa parte do caminho pelos degraus.
• Utilize o banheiro mais distante ou em outros andares (e vá de escada, claro).
• Nunca coma sentado à mesa de trabalho.
• Desça antes do seu ponto de ônibus ou estação de metrô ou pare o carro mais longe possível.
• Dispense o carro para curtas distâncias; você vai descobrir que 2km são facilmente caminháveis.
• Encontre uma atividade que seja prazerosa. Se for um sacrifício, as chances de desistir serão grandes.
• Se precisar, estabeleça metas. Pode ser desde se inscrever em uma maratona até objetivos mais modestos e pessoais, como aumentar aos poucos a distância percorrida.
• Para muitas pessoas, encontrar uma parceria para as atividades é fundamental. Faça isso se for ajudar.
• Procure orientação profissional para evitar lesões ou executar as atividades da melhor maneira possível.
• Use a tecnologia a seu favor: há dezenas de aparelhos e aplicativos que ajudam a acompanhar suas práticas físicas e mensurá-las.
• Entenda e se convença de que se exercitar é importante para a saúde. Será preciso força de vontade, assim como parar de fumar.