Muitas federações esportivas agora excluem mulheres transgêneros de competições femininas, o que tem gerado debate intenso. Pesquisadores analisam um tema emocional e pleno de contradições.A controvérsia sobre atletas transgêneros em esportes competitivos já transcorre há anos. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump assinou em fevereiro um decreto proibindo a participação trans em nível nacional.

Muitas federações endureceram suas regras de participação, e mudanças também podem estar à vista para os Jogos Olímpicos, com a recém-eleita presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Kirsty Coventry, que se manifestou a favor de restrições mais rígidas para a categoria feminina.

Há diferenças no desempenho físico?

Homens e mulheres são avaliados separadamente na maioria dos esportes. Em 2023, cientistas fizeram uma declaração conjunta que consolidou esse entendimento: “Em eventos atléticos e esportes que dependem de resistência, força muscular, velocidade e potência, os homens normalmente superam as mulheres devido a diferenças sexuais fundamentais ditadas por seus cromossomos sexuais e hormônios sexuais na puberdade, em particular a testosterona”.

Mulheres trans – designadas como do sexo masculino ao nascer, mas que se identificam como mulheres – também contam com essas vantagens. Se forem submetidas a terapia hormonal, as diferenças em relação às mulheres cisgênero são reduzidas. Mas mesmo assim ainda têm vantagens.

Além disso, a identidade trans é muito confundida no debate público com a intersexualidade. No caso das pessoas intersexuais, elas têm características sexuais masculinas e femininas desde o nascimento – que não é o caso das trans.

Num estudo de 2024, publicado na revista científica British Journal of Sports Medicine (BJSM), a força absoluta de preensão manual de 23 atletas trans analisados (que haviam passado por pelo menos um ano de terapia hormonal) foi menor do que a dos 19 homens cis participantes, mas maior do que a das 21 mulheres cis. A força de preensão manual é considerada um indicador da força muscular geral.

As mulheres trans que participaram também tiveram uma vantagem em parâmetros como o índice de massa magra e o consumo máximo absoluto de oxigênio (VO2 max), uma medida de condicionamento físico.

Em algumas modalidades, no entanto, tiveram desempenho pior do que as mulheres cis, por exemplo no salto vertical por estocada (chamado também de salto de contramovimento absoluto). De acordo com os autores do estudo, isso mostra a complexidade da fisiologia das atletas trans. Os pesquisadores alertam contra uma exclusão preventiva.

“As mulheres trans, como grupo populacional, são mais altas, maiores e, num sentido absoluto, mais fortes do que as mulheres cis”, explica Joanna Harper, física médica da Universidade de Loughborough, no Reino Unido. “No entanto, depois de passar pela terapia hormonal, seus corpos se movem com capacidade aeróbica e massa muscular reduzidas.”

Isso pode implicar desvantagens em termos de velocidade, recuperação e resistência. Pessoas trans enfrentam ainda uma carga de preconceito, violência e discriminação que pode afetar sua saúde mental e não deve ser subestimado como componente do desempenho atlético, destacam os pesquisadores.

Vantagens trans mesmo após terapia hormonal

Um estudo de 2020 realizado pelo médico Timothy Roberts e colegas da Universidade de Missouri-Kansas City examinou militares dos EUA que se submeteram a cirurgia de afirmação de gênero.

Após um ano de terapia hormonal, as trans tiveram melhor desempenho nos esportes do que as cis. Depois de dois anos, o desempenho praticamente se igualou. De acordo com os autores do estudo, isso seria uma indicação de que é breve demais o período de um ano de terapia hormonal, prescrito por algumas associações esportivas como pré-requisito para participação.

Em 2021, Alun Williams e outros pesquisadores da Associação Britânica de Ciências do Esporte e Exercícios concluíram, com base nos indícios científicos disponíveis, que a terapia hormonal só elimina uma parte da vantagem masculina, mesmo após dois anos. Não há, portanto, uma unanimidade sobre o tema entre pesquisadores.

Cromossomos, diferenças sexuais e puberdade

Antes da puberdade, meninos e meninas são fisiologicamente muito mais parecidos em termos de desempenho atlético. As diferenças se tornam particularmente claras quando o nível de testosterona se multiplica nos meninos, por volta dos 11 anos de idade. Entretanto, algumas pesquisas sobre os primeiros anos de vida mostram que as diferenças antes da puberdade são maiores do que se supunha anteriormente.

Em estudo publicado em 2024, o cientista esportivo Gregory Brown, da Universidade de Nebraska, e pesquisadores da Universidade de Essex, no Reino Unido, analisaram o desempenho de crianças com 8 anos ou menos e entre 9 e 10 anos nas provas de corrida de 100, 200, 400, 800 e 1.500 metros, assim como no arremesso de peso, lançamento de dardo e salto em distância.

“Os meninos estavam correndo mais rápido do que as meninas, estavam arremessando mais rápido, saltando mais rápido”, explica Brown. “E, é claro, calculamos a diferença percentual e chegamos à conclusão de que, na corrida, a diferença era de cerca de 3 a 6%, dependendo do evento. No salto em distância, cerca de 5%; para os eventos de arremesso, de 20% a 30%.”

De acordo com Brown, as diferenças pré-pubertárias podem também estar relacionadas à assim chamada minipuberdade dos meninos nos primeiros meses de vida, bem como ao cromossomo Y ou ao gene SRY. O Y é um dos dois cromossomos sexuais. As mulheres geralmente têm dois cromossomos X (XX), e os homens, um X e um Y (XY).

O cromossomo Y carrega muitos genes associados ao desenvolvimento e à reprodução masculina. O gene SRY é particularmente importante para o desenvolvimento sexual masculino, responsável por acionar o desenvolvimento das características físicas masculinas.

Para Brown, a descoberta de uma vantagem contínua, mesmo antes da puberdade, lança ainda mais dúvidas sobre se a terapia hormonal poderia compensar as vantagens físicas de atletas trans e nivelar as condições de competição, pois a vantagem masculina iria além dos hormônios e da puberdade.

Os resultados também lançam dúvidas sobre se seria suficiente, para fins esportivos, não ter passado pela puberdade masculina. A Associação Mundial de Atletismo tem se baseado nesse requisito para a participação em competições femininas desde 2023. Na prática, a regra acaba por excluir atletas trans em geral, já que a grande maioria não toma medidas de redesignação de gênero antes da puberdade.

Em muitos países, bloqueadores de puberdade e cirurgia de mudança de sexo pré-pubertária são controversos, e o acesso a esses procedimentos é restrito.

Vantagem de mulheres trans sobre cis nos esportes é injusta?

As opiniões divergem sobre até que ponto é possível uma competição justa entre atletas trans e cisgêneros do sexo feminino. Mas os especialistas concordam que há grande necessidade de mais estudos sobre o desempenho atlético de pessoas trans em esportes de elite.

Joanna Harper discorda – em contraste com a avaliação de Brown e Williams – que a ciência sugira o banimento de mulheres trans das competições femininas: para ela, a terapia hormonal bastaria.

De qualquer forma, não existe justiça absoluta no esporte, defende a física médica: “Há atletas que são talentosos por natureza e, como se sabe, é justo que atletas menos talentosos tenham que enfrentá-los. Portanto, os esportes são inerentemente injustos.”

“Contudo, o objetivo de subdividir os esportes em categorias é que as diferenças biológicas não suplante aquilo que a gente busca nos esportes. Assim, por exemplo, os boxeadores grandes têm uma vantagem tão enorme sobre os de menor porte, que segregamos esse esporte por categorias de peso, para que os boxeadores pequenos possam ganhar alguma coisa”, argumenta Harper.

O exemplo do boxe mostra como pode ser complexa a busca por categorias de competição que não sejam demasiado, mas suficientemente diferenciadas. A vantagem masculina também tem efeitos distintos no esporte. Embora crie diferenças importantes em modalidades que envolvem força, como levantamento de peso, a situação é diferente em esportes de tiro ou dança.

Por último, mas não menos importante, a questão da equidade não deve tirar de cena a da inclusão. O próprio COI manifesta que “Toda pessoa tem o direito de praticar esportes sem discriminação e de uma forma que respeite sua saúde, segurança e dignidade. Ao mesmo tempo, a credibilidade do esporte competitivo – e particularmente das competições esportivas organizadas de alto nível – depende de uma igualdade de condições.”