06/04/2025 - 13:35
Cinco meses após o colapso de uma marquise na estação de Novi Sad, que levou à eclosão de protestos, a crise política na Sérvia continua a se arrastar. Membros do governo e estudantes analisam próximos passos.Mais de cinco meses após o colapso da marquise na estação ferroviária de Novi Sad ter causado a morte de 16 pessoas, os protestos na Sérvia entraram em uma fase de manobras estratégicas, enquanto persiste a queda de braço entre o governo e o movimento estudantil.
Apesar de um protesto maciço em Belgrado em 15 de março, que levou mais de 300.000 pessoas às ruas, as demandas dos estudantes por responsabilização criminal e política pelo colapso da estrutura ainda não foram atendidas. Em vez disso, o governo vem respondendo com repressão a manifestantes.
“Estamos atualmente em uma fase em que ambos os lados estão jogando o jogo da paciência, esperando que alguém dê um passo em falso nesse jogo de nervos, ao mesmo tempo em que reavaliam as decisões que precisam ser tomadas”, disse Bojan Klacar, diretor-executivo do Centro para Eleições Livres e Democracia (CeSID), à DW.
Governo tenta contrabalancear protestos
Klacar acredita que o governo concluirá essa fase com a nomeação de um novo gabinete, após a renúncia do primeiro-ministro Milos Vucevic em 28 de janeiro.
As consultas para a formação do novo governo já começaram, e a presidente do Parlamento, Ana Brnabic, anunciou que, se não houver acordo até 18 de abril, novas eleições serão convocadas para o início de junho.
Enquanto isso, o presidente Aleksandar Vucic jogou mais uma vez a cartada de agitar sua base política com a formação de uma versão repaginada do seu “Movimento Popular pelo Estado”.
“É hora de canalizar a grande força de nosso povo e unir toda a sabedoria e patriotismo de nossos cidadãos para que possamos moldar o futuro que todos queremos”, disse Vucic no Instagram após uma reunião sobre a formação do novo movimento.
O movimento será lançado oficialmente em Belgrado de 11 a 13 de abril. De acordo com Brnabic, o evento terá uma atmosfera de festival e contará com comida, bebida, apresentações culturais e uma mostra do potencial turístico da Sérvia.
Os cidadãos também poderão participar oficialmente do movimento, escrever cartas para o presidente Vucic e até mesmo “enviar críticas a funcionários de todos os níveis do governo”.
Repressão a oponentes
Enquanto oferece otimismo aos seus apoiadores, o governo mostra uma face mais feroz contra os manifestantes.
Depois de suspender os salários dos professores do ensino fundamental e médio que participaram de greves, as autoridades agora estão mirando os professores universitários.
O professor Vladimir Mihic, da Faculdade de Filosofia da Universidade de Novi Sad, disse à DW que recebeu apenas 23 dinares (20 centavos de dólar) na segunda parcela de seu salário de fevereiro.
“Depois de 15 de março, o governo simplesmente começou a perder o controle. Como não conseguiu provocar um derramamento de sangue, impor um estado de emergência e, como disse o presidente, ‘acabar com os protestos’, a próxima fase é a repressão aberta a qualquer um que se oponha a ele”, disse ele.
Além dos cortes salariais, Mihic diz que a repressão ainda inclui a prisão de estudantes e ativistas, a apresentação de acusações criminais contra reitores e até mesmo ataques físicos.
Ataques
A atmosfera no país em geral permanece tensa. Na última quinta-feira (03/04), um grupo de estudantes foi atacado em Novi Sad. Dois sofreram ferimentos leves, enquanto um ficou gravemente ferido e foi hospitalizado.
Dois dias depois, Natalija Jovanovic, reitora da Faculdade de Filosofia em Nis, foi atacada com uma faca. Vídeos que circulam nas mídias sociais mostraram o agressor ameaçando Jovanovic, dizendo: “Quero matar você” e acusando-a de “arruinar a vida de sua neta”.
Jovanovic foi uma das primeiras líderes universitárias da Sérvia a apoiar os protestos estudantis. Desde então, ela tem sido alvo de ataques em tabloides pró-governo, que a rotularam como “instigadora de uma gangue de bandidos e fascistas” e a acusaram de “incitar tumultos”.
Um passo mais perto de exigir um governo de transição
Mas os manifestantes também estão mantendo a pressão.
Todas as tentativas de membros do partido governista de aparecer em público foram recebidas com manifestações, assobios e, em alguns casos, ovos atirados contra membros do Partido Progressista Sérvio (SNS).
As assembleias estudantis, porém, não endossam essas táticas e, em vez disso, incentivam os cidadãos a se organizarem em reuniões comunitárias locais.
Embora os estudantes tenham evitado até agora pedir abertamente a mudança de regime, as discussões sobre expandir os objetivos dos protestos e articular demandas políticas específicas se tornaram mais frequentes desde a manifestação de Belgrado em 15 de março.
Relatos da mídia indicam que algumas assembleias já votaram em uma proposta para um “governo de especialistas”, embora um plano não deva ser divulgado até que se chegue a um consenso entre todas as faculdades que aderiram aos protestos.
Uma proposta semelhante já foi apresentada pelos partidos de oposição e pela iniciativa não partidária Proglas.
Os dias do governo estão contados?
Embora Klacar acredite que essa medida seja necessária, ele se preocupa com o fato de que ela chegue tarde demais. Segundo ele, ela deveria sido tomada quando os protestos estavam no auge.
“Não tenho certeza de que o governo queira fazer mais do que já fez com relação às demandas”, disse Klacar. “É provável que faça concessões indiretas para acalmar os protestos, talvez mudando o pessoal do governo, alterando certas políticas e nomeando figuras com diferentes históricos profissionais.”
O professor Mihic, entretanto, acredita que os dias do SNS estão contados.
“Os regimes autocráticos sempre se tornam cada vez mais repressivos e agressivos no final de seu governo. Essa repressão deveria, na verdade, nos encorajar. Ela mostra que esse regime está em seus estertores finais. Acredito que ele não sobreviverá aos próximos meses”, disse ele à DW.
De bicicleta até Estrasburgo
Os estudantes estão agora, pela primeira vez, buscando aliados também no restante da Europa. Oitenta estudantes começaram na quinta-feira uma “pedalada” até Estrasburgo, na França, onde planejam apresentar suas demandas ao Conselho da Europa – principal organização de defesa dos direitos humanos no continente – e destacar a falta de resposta das instituições sérvias.
A viagem de 1.300 quilômetros de bicicleta deve durar cerca de 12 dias. Os estudantes devem passar por Budapeste, na Hungria; Viena, Linz e Salzburgo, na Áustria; e Munique, Augsburgo, Ulm e Stuttgart, na Alemanha.
Klacar acredita que a viagem pode aumentar a conscientização em certos círculos europeus sobre a crise política da Sérvia, o que poderia minar a legitimidade internacional do governo.
“Mas não tenho certeza se essa ação será um ponto de virada para os protestos ou se mudará a posição da UE em relação à Sérvia”, disse ele.
“A União Europeia tem sido muito clara e precisa em seus relatórios oficiais sobre a situação na Sérvia, especialmente no Relatório de Progresso”, acrescentou. “Mas não é realista esperar que a UE tome posições radicais contra seus parceiros. A Sérvia é, afinal de contas, um parceiro da UE, especialmente quando ainda não surgiu uma alternativa política clara no país.”
E, de acordo com Klacar, a formação dessa alternativa política na Sérvia ainda está muito distante.