Apesar de ser linda, a cidade do Rio apresenta sinais preocupantes. Muita gente relata falta de segurança e de ânimo com o estado atual da “cidade maravilhosa”.O Rio de Janeiro continua lindo. Faz 12 anos que moro na “cidade maravilhosa”, depois de ter vivido por igual período em São- Paulo. Mas conheci o Rio já antes da minha chegada, pelas coisas que me contava meu pai, que morou aqui entre 1955 e 1963. Ele pegou todos os anos bons do Rio: a onda da Bossa Nova, a esperança da presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a chegada da cultura de massa.

Ele ainda conta dos dias de jogo, quando uma multidão se dirigia ao Maracanã para ver Pelé jogar, e da festa depois do primeiro título mundial em 1958. Fala também como andava a pé do centro para o aeroporto Santos Dumont, para pegar a ponte aérea. Ou como ele, morador do Bairro Laranjeiras, ia para as festas nas favelas próximas, ou para jogar cartas lá. E conta dos bailes chiques no antigo Casino da Urca; todo mundo de terno e gravata. Nas falas dele, tudo naquela época parecia fácil e seguro. De violência, ele não tem lembrança.

Diferente dos tempos de hoje. Escuto muita gente falando de como se sentem inseguras andando pelo Rio. Ou da ansiedade de quem tem filhos adolescentes, que tardam para chegar das festas noturnas. Falam do aumento de pessoas sem teto e de mendigos, e que pensam em ir para outro lugar.

Tudo bem que minha percepção se limita, em grande parte, às áreas asfaltadas da Zona Sul. Mas também escuto de pessoas que vivem ou trabalham na Zona Norte como a falta de segurança atrapalha a vida deles. Preferem fechar os olhos para a existência do crime organizado – se for possível fazer isso, claro.

O sentimento de falta de segurança tem alguma base nas estatísticas. Tanto roubos de veículo como de carga cresceram em 2024. E de celular também. Escuto pessoas que vivem na Zona Sul e no centro relatando o medo de andar com o celular na rua. Quem anda de ônibus prefere ter o “celular do bandido”: um aparelho velho para ser entregue em caso de assalto, enquanto se guarda o celular bom em outro lugar.

Por outro lado, os homicídios dolosos estão no menor patamar deste 1991, enquanto as mortes pela polícia baixaram para o nível de 2015. Mas isso são dados do estado do Rio como um todo, e não apenas da cidade do Rio. Além disso, analistas acreditam que isso se deve, por um lado, à acomodação entre os grupos criminosos. Por outro lado, vale lembrar que, desde a pandemia, a entrada de forças policiais nas favelas tem sido limitada pelo STF, reduzindo os confrontos violentos.

Houve muito ruído quando a economista Zeina Latif, num texto recente no jornal O Globo, chamou a atenção para o baixo crescimento econômico do Rio. Ela apontou para a má distribuição de renda no estado, que só é pior na Paraíba e no Piauí. O que “salva” a economia local é a indústria extrativa, enquanto a construção, o comércio e a indústria de transformação encolheram recentemente. A taxa de ocupação é menor que na média nacional, e a taxa de desemprego, maior.

Latif aponta que o Rio ganha com os royalties de petróleo como nenhum outro estado, mas que isso não se traduz em boas políticas públicas. E, ao mesmo tempo, o estado é o mais endividado de todos. “Chega a dar tristeza a decadência econômica do estado, ainda mais sendo referência no patrimônio histórico e na riqueza artística e cultural”, conclui Latif.

A FecomercioRJ criticou a publicação da economista, listando números positivos sobre a economia do Rio, ao mesmo tempo afirmando que – sim – há problemas. Mas argumentou que “qualificar o Rio, com tanto a mostrar, como decadente é ajudar a manter em nosso estado uma visão fatalista que em nada contribui para darmos os necessários passos à frente, com estabilidade e com consistência”.

Lembro-me do ano de 2009, quando o Brasil foi escolhido como país-sede da Copa de 2014 e, no mesmo ano, o Rio foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Em várias entrevistas que fiz na época, pessoas chamaram essas escolhas de “última chance” para o Rio: se a cidade não achasse seu rumo com todos esses investimentos, nunca o acharia.

Acompanhei o processo de criação das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, nas áreas pobres da cidade. Muito dinheiro investido, mas da população local se ouvia poucas palavras esperançosas. “Quando acabarem os jogos, acabam também esses programas”, foi a profecia deles, na época. E aconteceu mesmo. Foi para “inglês ver”, e alemão também.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.

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