Medo é de ter visto cancelado ou ir parar na prisão. Liberdades estão sendo sufocadas em clima de pressão crescente sobre as instituições de ensino superior. Harvard, até agora, tem resistido a ofensiva.À medida que o confronto entre a universidade mais rica do mundo e o homem mais poderoso do planeta se intensifica, Harvard continua sendo, até agora, a instituição mais proeminente a enfrentar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e sua administração.

Em 11 de abril, o governo americano enviou a Harvard uma lista de exigências, incluindo o “fechamento de todos os programas de diversidade, equidade e inclusão” e a realização de uma auditoria externa, aprovada pelo governo, para averiguar a “diversidade de pontos de vista” entre estudantes e funcionários.

Algumas das exigências visavam especificamente o tratamento que Harvard dá aos estudantes internacionais. Entre elas estavam a reforma do processo seletivo para “impedir a admissão de estudantes hostis aos valores americanos” e o dever da universidade de relatar qualquer violação de conduta de alunos estrangeiros a autoridades federais, como o Departamento de Segurança Interna e o Departamento de Estado.

Harvard bateu o pé, e a Casa Branca retaliou rapidamente, congelando 2,2 bilhões de dólares (R$ 14,6 bilhões) em verbas federais. O ato de resistência marca um momento crucial na batalha entre o governo e as universidades privadas dos EUA, com Trump tentando impor mais controle ideológico sobre o ensino superior.

O governo cita os protestos pró-palestinos que eclodiram em universidades em 2024 como justificativa para punir as instituições, sob a alegação de que elas estariam tolerando antissemitismo e falhando em proteger estudantes judeus.

Um grupo se destaca como particularmente vulnerável nessa cruzada de Trump contra as universidades: os estudantes internacionais. Muitos temem que a repressão ameace o status dessas instituições – não só como centros de liberdade acadêmica, mas também como destino para os melhores e mais brilhantes acadêmicos do mundo.

“Achei que estivéssemos no país das liberdades”

Para um estudante estrangeiro da American University, uma instituição particular em Washington DC, Trump está mirando as universidades para silenciar o debate e o livre fluxo de ideias. Ele falou sob condição de anonimato, por temer perder o visto.

“Sou calouro e vim para os EUA esperando oportunidades e desafios – desafios que não comprometessem minhas liberdades como indivíduo e minha liberdade de pensamento. Achei que estávamos no tal ‘país das liberdades'”, afirma.

Ele atua como jornalista estudantil e diz que agora se sente compelido a se autocensurar, especialmente após receber uma carta da universidade advertindo-o a não criticar as políticas do governo Trump.

“No meu país, ser jornalista não é seguro. Agora sinto que me sentia mais seguro no meu país do que escrevendo nos EUA. É difícil até colocar isso em palavras.”

Estudantes temem viajar ao exterior

E não é só a liberdade de expressão que os estudantes estrangeiros veem sendo restringida. Rohan Kapur, vice-presidente da Associação de Estudantes Internacionais da George Washington University, em Washington DC, diz que seu grupo tem organizado eventos informativos para estudantes que desejam permanecer nos EUA com segurança para estudar ou trabalhar.

Segundo ele, muitos temem viajar e ter seus vistos revogados repentinamente. “Sei de muito mais estudantes internacionais que, em geral, não vão viajar para casa neste verão. Eles estão ficando aqui porque não querem correr o risco.”

Risco de perder o visto é real

Em 27 de março, o secretário de Estado Marco Rubio disse que o governo Trump já havia cancelado “talvez mais de 300” vistos de estudantes. “Fazemos isso todos os dias, toda vez que encontro um desses lunáticos”, afirmou, referindo-se a manifestantes pró-palestinos.

A Nafsa, uma organização americana sem fins lucrativos com foco na educação internacional e em intercâmbio, tem monitorado o cenário. De meados de março a meados de abril, a entidade registrou quase 1,3 mil relatos de estudantes e pesquisadores internacionais que tiveram seus vistos revogados ou seus registros apagados do Sevis, um banco de dados do governo que reúne informações sobre estudantes e intercambistas não imigrantes nos EUA.

“Ainda não há transparência sobre o embasamento dessas revogações, tampouco um processo claro para determinar quais são as acusações contra os estudantes”, consta de texto publicado no site da Nafsa.

Os riscos vão além da revogação de vistos, com relatos de detenção de alguns estudantes estrangeiros. Foi o caso de Mahmoud Khalil, um ativista palestino da Universidade Columbia, em Nova York, e Rumeysa Ozturk, doutoranda na Universidade Tufts, em Massachusetts, detida por agentes da imigração após publicar um artigo de opinião num jornal estudantil criticando a resposta da universidade às violações de direitos humanos em Gaza.

“Governo quer controlar como pensamos”, critica democrata

O ataque do governo Trump às universidades gerou preocupação além da comunidade acadêmica.

Para o ex-deputado democrata Jamaal Bowman, a postura da Casa Branca em relação à educação e aos acadêmicos internacionais parece fazer parte de uma estratégia política mais ampla.

“Quanto mais deseducadas as pessoas forem, mais elas podem ser controladas”, afirma Bowman. “O governo Trump e a iniciativa Projeto 2025 […] querem controlar o que lemos, como pensamos, como nos engajamos, porque isso lhes dá mais poder e tira nosso poder.”

Quando a DW pediu uma resposta da Casa Branca às declarações de Bowman, a assessoria de imprensa enviou apenas a imagem de um alarme de incêndio, em referência a um episódio de 2023 em que o ex-deputado acionou um alarme antes de uma votação da Câmara sobre um projeto de financiamento. Questionada mais uma vez, a Casa Branca respondeu: “Bowman não é uma pessoa séria. Ele não merece uma resposta séria.”

Ao participar de um protesto estudantil em 4 de abril em Washington DC, Bowman incentivou os estudantes a irem às ruas e pressionarem a classe política. “Precisamos que nossos jovens se organizem em todo o país”, disse. “Estamos vendo jovens sendo arrancados das ruas e desaparecendo simplesmente por exercerem seus direitos da Primeira Emenda. Isso é inaceitável. E precisamos que todos lutem com cada fibra do nosso ser, porque nossa democracia e nossa humanidade estão sob ataque.”

Com informações de Janelle Dumalaon.