17/04/2025 - 8:20
Desde a posse, republicano vem minando o Estado de direito nos EUA. De cortes de verbas à difamação pública, qualquer meio parece válido contra universidades, imprensa, juízes e outras entidades não alinhadas.Faz pouco mais de três meses que Donald Trump voltou a ocupar a Casa Branca. Neste meio temo, não só os Estados Unidos estão internamente conturbados e desestabilizados, mas os fundamentos da própria democracia foram também abalados.
O Instituto Brookings, de Washington, constatou “fissuras perigosas nos pilares da democracia americana”, e em diversos níveis. A seguir, alguns exemplos.
Cruzada contra as universidades
“Harvard é uma piada, ensina ódio e burrice, e não deve mais receber subvenções”, postou Trump nesta quarta-feira (16/04) em sua plataforma Truth Social, na mais recente escalada da confrontação entre o governo e as universidades de elite.
O estopim foi a acusação de que Harvard e outras instituições de ensino privadas supostamente não estariam se opondo com o rigor necessário aos protestos pró-palestinos no contexto da guerra na Faixa de Gaza, colocando assim em perigo os estudantes judeus.
Na realidade, o alvo é a tendência política geral das universidades de elite, que o regime trumpista considera excessivamente de esquerda. Para que elas sigam sendo financiadas com verbas federais, seria necessário avaliar o posicionamento político de docentes e discentes, e disponibilizar para o governo os dados de admissão de todos os estudantes, exige a Casa Branca.
Porém o presidente da Harvard, Alan Garber, se opõe a tais exigências. Afirmando que a instituição não está disposta a desistir nem de sua independência, nem de seus direitos garantidos pela Constituição, ele vê a liberdade científica em perigo: “Nenhum governo – independente de qual partido esteja no poder – deveria prescrever o que as universidades particulares podem ensinar, quem matricular ou contratar, e a quais campos de estudo e pesquisa pode se dedicar.”
Jogo duplo com a Justiça
Estado de direito e respeito às deliberações judiciais são os pilares das democracias ocidentais. Porém justamente eles têm estado cada vez mais na berlinda nos EUA. Por um lado, a administração Trump já ignorou diversos veredictos e realizou deportações contra as ordens dos tribunais.
Entre os casos mais notórios está o de Kilmar Armando Abrego-Garcia, erroneamente deportado para o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), de alta segurança, em El Salvador. O Supremo Tribunal urgiu Washington a cuidar para que o salvadorenho de 29 anos seja rapidamente devolvido aos EUA, mas até agora nada aconteceu, critica a juíza federal Paula Xinis.
Juízes como James Boasberg, que se opõem ao governo e bloqueiam as deportações planejadas, são difamados publicamente como “radicais de esquerda lunáticos”. Trump ameaça com processos de demoção do cargo e flerta com a substituição desses juristas por outros mais coniventes.
Ao mesmo tempo, o republicano nova-iorquino instrumentaliza o Departamento de Justiça contra seus críticos. Já em suas primeiras semanas como presidente, ele mandou despedir ou transferir, como medida punitiva, diversos funcionários da pasta envolvidos em inquéritos contra ele.
Em fevereiro, por exemplo, ordenou a demissão de todos os procuradores estaduais ainda da época de Joe Biden, enquanto colocava seus próprios advogados em cargos governamentais altos. Um deles, Todd Wallace Blanche, é o atual procurador-geral adjunto dos EUA. À frente do Departamento de Justiça, está a republicana Pam Bondi, trumpista incondicional. Além disso, concedeu indulto presidencial a quase todos os 1.600 condenados pela invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021.
Primeiras restrições à liberdade de imprensa
Há muito o jornalismo crítico incomoda Trump. “Elas são corruptas e ilegais”, vociferou, num discurso no Departamento de Justiça em meados de março, contra as grandes emissoras como a CNN e MSBC, que teriam noticiado “97,6%” contra ele e representariam “o braço político do Partido Democrata”.
Ainda durante a campanha eleitoral, ameaçou cassar a licença dos veículos malquistos, já tendo cortado inteiramente o financiamento das emissoras internacionais Voz da América e Radio Liberty, as quais estão prestes a fechar.
Foi ainda retirado o credenciamento da agência de notícias AP para a sala de imprensa da Casa Branco, por ter se recusado a referir-se ao Golfo do México como “Golfo da América”, segundo Trump ordenara. Mais uma vez, um tribunal declarou a medida ilegal, e mais uma vez a deliberação judicial foi ignorada: os repórteres da AP continuam tendo ingresso vedado.
“Limpeza política” do aparato estatal
Quando, em seu discurso no Congresso, Trump anunciou o fim dos “tempos de burocratas não eleitos no poder”, os democratas presentes riram com escárnio. Afinal, é justamente Elon Musk, consultor presidencial nunca legitimado democraticamente, que – à frente do assim chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge) –, desde janeiro se propõe a agilizar as repartições públicas do país e cortar gastos desnecessários – por tabela alinhando todo o aparato estatal aos desígnios trumpistas.
“Eles não vão contra as repartições e departamentos que fazem coisas de que eles gostam, mas sim contra as instituições públicas com que não estão de acordo”, criticava, já em fevereiro, o republicano Douglas Holtz-Eakin, ex-diretor do Escritório de Orçamento do Congresso.
Houve demissões em massa nas agências da receita federal, meio ambiente e saúde, entre outras. Tachados de “desperdício esquerdista woke de impostos”, programas de diversidade e inclusão foram eliminados; exigências ambientais, retiradas; gastos sociais e com saúde, drasticamente reduzidos. A agência para o desenvolvimento Usaid e outras foram duramente penalizadas – contrariando a concepção legal vigente de que tais medidas precisam primeiro passar pelo Congresso.
Além disso, o Doge está sob suspeita de espionar funcionários do governo usando inteligência artificial (IA). Em pelo menos uma agência, a comunicação interna teria sido monitorada – sob o pretexto de poder filtrar e despedir quem faça observações desleais a respeito de Trump. Para os críticos, trata-se até de uma “limpeza política” do aparato estatal.