17/04/2025 - 9:10
Quem quiser dirigir na Alemanha precisa de ter dinheiro de sobra. Custando R$ 20 mil ou mais, obtenção da carteira de habilitação passou a ser considerado um “artigo de luxo”. País discute como baratear processo.Hoje em dia, quem quiser aprender a dirigir na Alemanha não precisa de apenas nervos de aço, mas também de muito dinheiro. De acordo com a associação de automobilismo alemã ADAC, o processo para conseguir uma carteira de motorista no país custa entre 2.500 (R$ 16,7 mil) e 3.500 euros (R$ 23 mil). Em alguns casos, até significativamente mais. Para os jovens que estão em formação ou estudando, a carteira de motorista está se tornando cada vez mais um artigo de luxo.
Embora uma carteira de motorista obtida na Europa possa ser usada em todo o continente, o caminho para ober a habilitação difere em cada país. Cada país tem seus próprios conceitos de autoescola, que por sua vez determinam o preço.
Na Alemanha, o treinamento em autoescolas é abrangente e regulamentado por lei. Um aprendiz de motorista deve completar pelo menos 14 aulas duplas de teoria e 12 sessões práticas de direção. Em comparação, na vizinha Polônia, o treinamento de motoristas é muito mais compacto e menos regulamentado. Os interessados pagam entre 600 e 900 euros por uma carteira de habilitação.
Diante desse quadro, alguns políticos alemães, como Florian Müller, especialista em política de transportes do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), estão reivindicando uma “formação de condutores” mais acessível e que também leve em consideração as condições atuais do trânsito. Porque, segundo ele, o carro “ainda é o meio de transporte número um” na Alemanha, e muitas pessoas ainda dependem da carteira de motorista.
“Dirigir na Alemanha é privilégio de poucos”
Varsha Iyer, que veio da Índia para estudar na Alemanha em 2018, conta que teve um caminho difícil para tirar a carteira de motorista, tanto do ponto de vista financeiro quanto emocional. Ao mesmo tempo, ela disse que tinha que obter o documento, por causa da complicada conexão de transporte público entre sua casa, em Kronenberg, até a faculdade, em Wuppertal.
Para poder financiar as aulas de direção enquanto estudava, ela trabalhou em uma padaria. Embora tenha passado no exame teórico na primeira tentativa, teve que fazer o exame prático um total de cinco vezes.
“O principal problema foram as condições rigorosas dos exames”, disse Iyer. “Eu entendo a importância de testes rigorosos, mas, na minha opinião, eles não refletem verdadeiramente como as pessoas dirigem na vida real.”
No total, a carteira de motorista custou a ela mais de 5 mil euros (R$ 33 mil) – e levou todas as suas economias.
Particularmente difícil é a situação para migrantes como ela, que enfrentam barreiras linguísticas e vêm de países com sistemas de trânsito diferentes. “Dirigir na Alemanha claramente ainda é um privilégio. Pouquíssimas pessoas têm recursos ilimitados para pagar por esse tipo de treinamento para motoristas”, diz Iyer.
No caso dos brasileiros residentes na Alemanha, a CNH emitida no país sul-americano só tem validade reconhecida por seis meses. Em casos excepcionais, as autoridades podem prorrogar o prazo de validade por até mais seis meses. Depois disso, resta aos residentes tirar uma carteira alemã ou em outro país europeu.
Ir para o exterior também não é opção
Vários estrangeiros ou até mesmo alemães chegam a considerar tirar a carteira de motorista em países vizinhos, como a Polônia, onde o processo é mais barato.
Mas esse atalho não é tão fácil assim, segundo a porta-voz do ADAC, Katharina Lucà. “Muitas pessoas esquecem que é preciso ter vivido no país por mais de meio ano, mais exatamente 185 dias. E depois há os custos de acomodação e viagem”, explica. Por isso, ela afirma serem necessárias soluções de longo prazo para tornar as carteiras de motorista mais baratas na Alemanha e para reformar o sistema de autoescolas.
Para o especialista em trânsito da CDU, Florian Müller, o processo de treinamento constitui uma barreira adicional. “Observamos que o caminho para que os aprendizes de motoristas passem no teste de direção se tornou significativamente mais longo”, sublinha. De acordo com a organização certificadora alemã TÜV, a taxa de reprovação no teste teórico está em um nível recorde: quase um em cada dois candidatos é reprovado. Enquanto isso, no exame prático, o número é superior a um terço.
Aulas práticas encarecem o processo
Os secretários de Transporte dos estados federais alemães estão pedindo, entre outras coisas, que a parte teórica do treinamento para a carteira de motorista seja simplificada. No entanto, Kurt Bartels, presidente da Associação de Instrutores de Condução da Renânia do Norte, duvida que isso tornará as carteiras de motorista mais baratas.
Isso porque a inscrição para o teste teórico custa apenas 25 euros. “O que realmente torna a carteira de motorista cara é o aumento do número de aulas de direção”, explica.
“Nossa clientela mudou. Os jovens não olham mais para a rua, mas para seus smartphones. Eles vêm até nós e não têm mais noção do trânsito”, diz Bartels.
Ele diz que a situação do trânsito também se tornou significativamente mais complexa nos últimos anos. Bartels ressalta ser importante que atualmente os alunos de direção saibam lidar com os novos integrantes do trânsito e que, por conta disso, o treinamento leve em consideração coisas patinetes elétricos ou os novos sistemas eletrônicos de assistência ao motorista. Isso custa dinheiro, segundo o especialista. Além disso, ele argumenta que as autoescolas alemãs estão enfrentando custos mais altos com aluguel e veículos, além de uma crescente escassez de instrutores de direção.
Em outros países europeus, como a França, os simuladores de direção já são parte integrante do treinamento de motoristas. Na Alemanha, estes equipamentos ainda aguardam reconhecimento.
Kurt Bartels, no entanto, permanece cético. “Se um simulador for usado, ele deve ser supervisionado por um instrutor de direção. Além disso, o simulador nunca poderá substituir as autoescolas no trânsito real, especialmente quando se trata da prática em rodovias ou durante a noite.”
Contraste entre exigência e realidade
Uma proposta de Florian Müller para uma carteira de motorista mais acessível foi rejeitada recentemente no Bundestag, o Parlamento alemão. A pressão para agir é grande: desde 2020, os custos com autoescolas e exames aumentaram 38% – significativamente mais do que a inflação.
“Talvez nosso treinamento para motoristas seja caro, mas também é particularmente completo”, diz a porta-voz do ADAC, Katharina Lucà. “Ao mesmo tempo, também vemos que em outros países com preços mais baratos para carteiras de motorista, o número de acidentes não é automaticamente maior.”
Na Áustria, por exemplo, é possível preencher parte das horas obrigatórias de aulas práticas treinando com parentes ou amigos – sob certas condições estipuladas pelas autoridades. Isso pode reduzir bastante os custos. Na Alemanha, no entanto, a carteira de motorista continua sendo “um privilégio que traz consigo outros privilégios”, diz Varsha Iyer.
Aqueles que podem pagar estão em vantagem. Para todos os outros, o volante permanece algo fora de alcance.