Remédio injetável aprovado para diabetes ainda não é vendido no Brasil, mas é anunciado no TikTok por usuários com incentivo à automedicação para emagrecimento. Entenda os riscos e efeitos colaterais.Um novo medicamento, ainda não à venda no Brasil, têm aparecido em vídeos do TikTok sobre emagrecimento: o Mounjaro, indicado para pacientes com diabetes tipo 2 e usado também para tratamento contra obesidade e sobrepeso. Com uso em alta na Europa e nos EUA, algumas brasileiras que moram no exterior têm compartilhado na rede relatos sobre os efeitos da droga.

Nos comentários de alguns vídeos, mulheres oferecem o produto de forma ilegal – ele só deve ser usado com prescrição médica. Devido à sua ação rápida na perda de peso, a droga começou a ser alvo de contrabando e está sendo trazida ao Brasil por criminosos.

Na madrugada do último sábado (12/04), a Receita Federal reteve uma carga com 389 doses injetáveis do medicamento, avaliada em cerca de R$ 1 milhão, no Aeroporto Internacional do Recife, em Pernambuco. Três dias depois, outra ação no mesmo aeroporto e contra o mesmo passageiro apreendeu 249 doses injetáveis, avaliadas em cerca de R$ 800 mil.

A corrida pelo remédio se intensificou porque ele ainda não está disponível no Brasil, embora tenha sido aprovado pela Anvisa em setembro de 2023. A Eli Lilly, farmacêutica que produz o medicamento, afirma que ele deve chegar ao país em junho. No Reino Unido, o Mounjaro já é mais popular que o Wegovy nos consultórios particulares, segundo uma reportagem da agência de notícias Reuters.

Apesar do efeito positivo no emagrecimento, especialistas ouvidos pela DW alertam para os riscos do uso sem acompanhamento. “Ele não é recomendado para pessoas que não tenham indicação clínica para o uso da medicação. Todo medicamento tem potenciais benéficos e efeitos adversos”, diz Simone van de Sande Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

“Sabemos que há muito uso inadequado, sem prescrição e sem acompanhamento, o que além de ser um risco para a saúde das pessoas, pode diminuir o acesso de quem faz uso para o tratamento de doenças”, afirma.

Como o medicamento funciona

O Mounjaro é o nome comercial da tirzepatida, um medicamento que age “imitando” a ação dos hormônios GLP-1 e GIP, substâncias produzidas naturalmente pelo organismo que regulam a saciedade e a digestão. Ele estimula os mesmos receptores desses hormônios e é indicado para o tratamento de diabetes tipo 2 e, em alguns países, obesidade.

A aplicação do medicamento é feita por injeção subcutânea no abdômen, coxa ou braço, alternando os pontos da injeção.

A administração é semanal e deve seguir orientação médica. “A dose é ajustada conforme a tolerância e necessidade do paciente. O acompanhamento médico é essencial, assim como o suporte nutricional”, afirma Juliana Saldanha, nutricionista e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

“Canetas emagrecedoras”

A popularização de medicamentos injetáveis como Ozempic, Wegovy e Mounjaro levou ao uso do termo “canetas emagrecedoras” nas redes sociais, por causa do formato do aplicador em que são vendidos — semelhante a uma caneta, para uso subcutâneo semanal. Apesar de amplamente usado pelo público, o termo é criticado por alguns especialistas.

Além disso, é muito comum se deparar com publicações nas redes sociais, onde muitas pessoas mostram a “caneta” como prêmio e até em tom de brincadeira, alegando que adquirir o produto foi uma conquista e um investimento que valeu a pena.

Samara Rodrigues, endocrinologista e nutróloga do Grupo Valsa Saúde, no Rio de Janeiro, afirma que a expressão não é tecnicamente precisa. “A tirzepatida não é um produto exclusivamente destinado à perda de peso, mas, sim, um medicamento que atua no controle do diabetes tipo 2 e que, como efeito secundário, pode resultar em redução de peso”, diz. A substância tem mostrado eficácia tanto no controle da glicemia quanto na redução de peso em pessoas com obesidade ou sobrepeso, segundo ela.

A diretora da SBEM reforça ainda que o termo não é recomendado por entidades médicas. “Ele dá a impressão de que qualquer pessoa que queira emagrecer alguns quilos poderia usar o medicamento, o que não é o caso. A SBEM e a Abeso orientam que se use ‘medicamentos para tratamento da obesidade’, para deixar claro que se trata de uma doença, e não apenas de um sintoma”, afirma.

Os eventos adversos relacionados ao uso desses medicamentos motivaram a Anvisa a anunciar nesta quarta-feira (16/04) um controle mais rigoroso, que passa a exigir a retenção da receita na farmácia para a venda. Segundo a agência, uma análise comparativa apontou “muito mais eventos adversos relacionados ao uso fora das indicações aprovadas pela Anvisa no Brasil do que os dados globais”. A medida vale para todos os medicamentos agonistas do GLP-1.

Riscos à saúde

O uso de Mounjaro sem orientação de um médico pode resultar em sérios riscos à saúde. As especialistas alertam que o tratamento com tirzepatida só deve ser iniciado após uma avaliação clínica completa. “É essencial verificar se há indicação para o uso do medicamento, se existem contraindicações e quais potenciais efeitos adversos podem ocorrer”, explica a diretora da SBEM.

Além disso, a aplicação inadequada e o uso de doses incorretas podem aumentar a probabilidade de reações adversas. Entre os efeitos colaterais mais comuns estão náuseas, vômitos e distúrbios gastrointestinais, que tendem a ser leves a moderados, mas podem se intensificar quando o medicamento é usado de maneira errada.

O uso de medicamentos falsificados ou contrabandeados também eleva os riscos. Embora seja menos comum, a automedicação e o uso sem acompanhamento adequado podem resultar ainda em complicações mais graves, como reações alérgicas ou até à formação de pedras na vesícula, um problema observado também em outros tratamentos para obesidade.

Além dos efeitos imediatos, o tratamento com tirzepatida pode afetar a composição corporal, levando à perda de massa muscular, o que pode ser uma dificuldade para pessoas sem obesidade. “As pessoas com obesidade em geral têm mais massa muscular do que as pessoas sem obesidade, então essa perda na maioria das vezes não é um problema. Inclusive, os estudos mostram que existe melhora da função física com o tratamento, nas pessoas com obesidade. No entanto, em pessoas sem obesidade, essa perda de massa muscular (mesmo que pequena) pode ser um problema”, diz Sande Lee.

O acompanhamento de um profissional de saúde contínuo é importante não só para monitorar os resultados, mas também para ajustar a dose do medicamento e prevenir interações medicamentosas que possam comprometer a saúde do paciente.