Pesquisadores brasileiros participam de uma campanha para trazer de volta ao País o único fóssil de Irritator challengeri, um dinossauro da família dos espinossaurídeos que viveu há 100 milhões de anos, do Museu de História Natural de Stuttgart, na Alemanha. Conforme os paleontólogos, o material teria sido contrabandeado.

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De acordo com Aline Ghilardi, paleontóloga, pesquisadora e professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que integra a campanha para a volta do fóssil, o material deu entrada na Alemanha no início dos anos 90 e foi descrito pela primeira vez em um artigo apenas em 1996.

Na pesquisa, cientistas estrangeiros informaram que o fóssil foi encontrado na Formação Romualdo da Bacia do Araripe, um sítio fossilífero do Nordeste brasileiro. “No artigo eles mencionam que é mais provável que ele [o material] tenha saído do Ceará”, explica a pesquisadora.

Conforme Aline, o crânio do Irritator é um dos mais completos já encontrados dos espinossaurídeos e tem as características dos itens achados na Bacia do Araripe. “Esse é o único fóssil dele já encontrado, o que torna esse material extremamente relevante”.

Desde o Decreto-Lei nº 4.146, de 1942, fósseis encontrados no Brasil são considerados como bens de propriedade da União. Portanto, tais materiais não podem ser vendidos ou comprados. Ainda, todos os exemplares encontrados são considerados como patrimônio cultural brasileiro a partir do artigo 216 da Constituição Federal de 1988.

“Já em 1996 pesquisadores brasileiros notaram que tinha algo estranho em relação a esse material”, comentou Aline, acrescentando que já haviam instrumentos legais para regular a pesquisa de fósseis do País por estrangeiros, mas campanhas para devolução eram mais difíceis por conta da falta das redes sociais.

“A maior parte das discussões em torno de tráfico ilegal de fósseis eram tidas em ambiente acadêmico”, relembra a professora da UFRN.

No artigo que descreveu a espécie, os pesquisadores citavam explicitamente que o fóssil havia sido comprado, aponta Aline. O nome Irritator foi dado ao animal já que os paleontólogos teriam ficado “irritados” ao perceberem que o material foi adulterado por contrabandistas para parecer mais completo.

Campanha por repatriação

O caso voltou à tona em 2023, quando outro artigo publicado sobre o Irritator sugeriu que o material pertenceria à Alemanha, já que todo material cultural importado antes de abril de 2007 é considerado legal no país europeu. “Isso foi extremamente revoltante”, pontua a paleontóloga.

Após a publicação do artigo, Aline integrou uma primeira campanha para a volta do Irritator e escreveu uma carta aberta endereçada a Petra Olschowski, ministra da Ciência, Pesquisa e Artes do estado de Baden-Württemberg, onde está o museu de Stuttgart.

“Alguns autores do artigo de 2023 entraram em contato com alguns paleontólogos brasileiros, eu inclusa, manifestando que, na verdade, eles eram contra aquilo que foi escrito”, pontuou a professora da UFRN, relatando que não recebeu até hoje uma resposta para a carta aberta.

Foi em abril deste ano que os cientistas abriram um abaixo assinado — que conta com 17,9 mil assinaturas no momento de publicação desta reportagem — para a campanha de repatriação do Irritator que será destinado a autoridades do Brasil e da Alemanha.

“Em relação ao Itamaraty, desde a época da primeira manifestação, eles se comunicaram com o ministério alemão, mas não tiveram retorno. Ou seja, o caso tinha ficado parado desde então”, comenta Aline, afirmando que a situação do Irritator foi relembrada ao órgão durante o Colóquio sobre Patrimônio Fossilífero em Santana do Cariri (CE), realizado na última semana.

Para Aline, a campanha é importante para que as instituições brasileiras e alemãs se movam para repatriar o fóssil. “A gente vai continuar fazendo barulho”, declara a paleontóloga.

Outros fósseis contrabandeados

Conforme uma pesquisa que Aline é coautora publicada em 2022, 88% dos fósseis holótipos — aqueles que são únicos — de vertebrados e plantas encontrados na Bacia do Araripe e descritos em artigos estão no exterior. A maior parte dos materiais está em instituições de pesquisa da Alemanha.

Em 2023, foi repatriado o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, que foi levado de forma irregular para a Alemanha e estava em um museu de Karlsruhe, no mesmo estado de Baden-Württemberg.

Um trabalho de Aline que ainda não foi publicado contabilizou que 46,4% dos fósseis holótipos de invertebrados da Bacia do Araripe estão fora do Brasil de forma irregular, a maior parte também na Alemanha.

A paleontóloga explica que o foco no momento é o Irritator para que a população se conscientize sobre o tema, permitindo que outros fósseis sejam repatriados “de carona”.

De acordo com a professora da UFRN, os museus de Stuttgart e Karlsruhe confirmaram, após a campanha para trazer de volta o Irritator, participação em um evento na Alemanha que irá discutir pontes de cooperação científica e repatriações com autoridades brasileiras em junho.

**Estagiário sob supervisão