08/05/2025 - 4:48
Devastada por seis anos de guerra que então terminavam, a Alemanha de maio de 1945 se via diante de um desafio de reconstrução. Era necessário não apenas reerguer a infraestrutura destruída na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como também abrir espaço para uma nova era política fundamentada sobre valores democráticos, e não mais sobre o terror nazista.
Assim emergiu a “Hora Zero”, termo usado para se referir à guinada iniciada em 8 de maio daquele ano, há exatas oito décadas, quando os nazistas assinaram a rendição alemã. Símbolo de uma renovação radical, essa ideia de um recomeço do zero carrega consigo até hoje o mito de que o país teria inaugurado repentinamente um tempo livre do nazismo.
Dividida no pós-guerra, a Alemanha viveu, na verdade, um longo processo de desnazificação e democratização, com reformas implementadas em vários níveis da vida em sociedade, incluindo nas escolas, na cultura e no serviço de comunicação.
“No que diz respeito à sociedade e às atitudes políticas, não pode ter havido uma ‘Hora Zero’. Seria uma ideia totalmente absurda que as pessoas acreditassem no antigo regime até 7 de maio de 1945 e, a partir de 8 de maio, passassem a acreditar em algo diferente”, explica Irmgard Zündorf, pesquisadora do Centro Leibniz de História Contemporânea em Potsdam.
Entre esperança e esquecimento
Em vez disso, a mudança no pensamento político aconteceria lentamente. Cunhado antes mesmo antes do fim da guerra, o termo “Hora Zero” representava, por um lado, a esperança de um novo tempo e, por outro, uma saída para quem queria “esquecer” os horrores da guerra, incluindo o assassinato de 6 milhões de judeus no Holocausto. No total, 60 milhões de pessoas morreram durante a Segunda Guerra Mundial.
À época do fim da guerra, estava claro para os Aliados, vencedores do conflito, que a democracia tinha que ser aprendida pela sociedade alemã. O seu projeto de desnazificar, democratizar e desmilitarizar a Alemanha, acordado na Conferência de Potsdam, passava por substituir as elites políticas e alterar a mente das pessoas, não por meio da obediência, mas pelo questionamento da sua maneira de pensar e das suas ações.
Os vitoriosos implementaram um programa de reeducação a fim de alcançar o objetivo de democratização. Cinemas passaram a exibir, por exemplo, filmes com o objetivo de expor as atrocidades cometidas durante a guerra, como Die Todesmühlen (Moinhos da Morte, em tradução livre), um filme que retrata a visita de alemães ao campo de concentração de Buchenwald.
Mas muitos alemães queriam simplesmente colocar um ponto final no passado, sem lidar com sentimentos de culpa, e seguir adiante com sua nova vida. “Na sociedade em geral, o termo ‘Hora Zero’ se tornou um código para poder esconder o passado sob um manto de esquecimento”, diz Bernhard Gotto, pesquisador do Instituto para História Contemporânea Munique-Berlim.
Banco dos réus
O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), que congregava os nazistas, tinha cerca de 8,5 milhões de membros no fim da guerra. De 1945 a 1946, o Tribunal de Nurembergue foi outra peça-chave do processo de reeducação, ao levar 21 oficiais nazistas de alto escalão ao banco dos réus e jogar luz sobre os crimes cometidos pelo regime nazista. No decorrer dos julgamentos, os alemães foram confrontados com toda a extensão do fanatismo de Adolf Hitler e suas terríveis consequências.
Mas o país viu surgirem reações ambivalentes aos 12 outros julgamentos de oficiais de nível hierárquico inferior, que se estenderiam até 1949. Para parte da população, tratava-se de uma justiça desenhada pelos vitoriosos, que não processava alegados crimes de guerra cometidos pelos Aliados, como o bombardeamento de cidades alemãs.
“O julgamento dos principais criminosos de guerra em Nurembergue foi amplamente apoiado, mas foi aí que o problema começou. Quando eles foram condenados, a maioria dos alemães pensou: agora temos os verdadeiros culpados e pronto”, continua Gotto, explicando que os julgamentos posteriores teriam como réus membros das elites, como advogados, médicos, diplomatas e empresários. “Esses julgamentos são muito mais sensíveis para muitos alemães, porque colocam imediatamente a questão de até onde vai a responsabilidade pelos crimes nazistas.”
Substituição das elites políticas
Os Aliados concordaram desde o início que os principais cargos políticos e sociais precisavam ser ocupados por pessoas comprometidas com as regras democráticas ou que, pelo menos, as aceitassem. Mas o projeto de desnazificação assumiria formas variadas na Alemanha Oriental e na Alemanha Ocidental.
Já em 1946, o Conselho de Controle dos Aliados, a autoridade suprema de ocupação, emitiu a primeira diretriz de desnazificação, incluindo sobre como os nazistas ativos, bem como ajudantes e beneficiários do regime, deveriam ser tratados. Cada poder de ocupação, entretanto, procedeu com graus variados de severidade.
Os EUA implementaram uma desnazificação burocrática em sua zona de ocupação. Todos os adultos receberam questionários com 131 perguntas. Eles foram usados para classificar os alemães em cinco categorias: principais culpados, pessoas incriminadas (geralmente oficiais ou militares com laços estreitos com o regime), menor culpabilidade, colaboradores e exonerados.
“Apenas cerca de 1,5% foram classificados como principais culpados e pessoas incriminadas. A maioria dos alemães foi exonerada”, explica Stefanie Palm, também pesquisadora do Instituto para História Contemporânea Munique-Berlim. “Como resultado do impopular programa de desnazificação, que exonerou a maioria, muitos ex-funcionários nazistas puderam assumir novos cargos e evitar maior escrutínio. Durante muito tempo, a desnazificação impediu que as pessoas que haviam apoiado a ditadura fossem punidas.”
Enquanto na Alemanha Ocidental os ex-membros do NSDAP puderam retomar suas carreiras em agências e ministérios do governo alemão, a desnazificação tomou um rumo diferente no Leste ocupado pelos soviéticos: 80% dos juízes foram demitidos por terem sido membros do partido nazista.
Mas eles eram frequentemente substituídos pelos chamados “juízes do povo”, moradores locais leais ao regime, que tinham pouco conhecimento jurídico e frequentemente proferiam sentenças injustas em nome da chamada “legalidade socialista”.
Fator econômico
Os rumos da economia nos lados Oriental e Ocidental também marcariam uma divisão na reconstrução da sociedade e da política para a sociedade alemã.
Na Alemanha Oriental, a economia demorou a decolar. O recém-fundado Estado comunista teve de pagar reparações, e sua indústria foi amplamente desmantelada pelos soviéticos: ferrovias, trens e até mesmo fábricas inteiras foram destruídas.
Já no Ocidente, a recuperação econômica, o apoio do Plano Marshall e o fortalecimento da sociedade civil acompanharam a adoção da democracia liberal pelos alemães.
“O boom e o rápido desenvolvimento da economia contribuíram naturalmente para a aceitação e a satisfação com o novo Estado, mas acredito que outros fatores – uma sociedade civil ativa, o cenário da mídia, o Judiciário independente e órgãos de supervisão como o Tribunal Constitucional Federal – foram muito mais importantes em termos de democratização”, argumenta Palm. “E o que ainda é importante hoje é o processo contínuo de confrontar o passado e o amplo entendimento da população sobre os crimes dos nazistas. Ainda não concluímos isso.”