Pesquisa inédita analisou sequenciamento completo do genoma de 2,7 mil brasileiros e encontrou 8,7 milhões de variações genéticas nunca antes catalogadas que resultam da miscigenação entre indígenas, negros e europeus.Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira (15/05) na revista científica Science revelou que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.

O estudo inédito liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisou o sequenciamento completo e em larga escala do genoma de uma amostra de 2.723 brasileiros de comunidades rurais, urbanas, indígenas e ribeirinhas de todas as cinco regiões geográficas do país. A pesquisa encontrou 8,7 milhões de variações genéticas que jamais haviam sido catalogadas.

Segundo os pesquisadores, esse conjunto de dados reflete um grupo diverso de origens étnicas, incluindo afro-brasileiros e descendentes de povos indígenas, e fornece uma representação abrangente da diversidade genômica brasileira.

O estudo conclui que 60% dos brasileiros têm ancestralidade europeia, 27% africana e 13% indígena, em diferentes graus que variam de acordo com as regiões do país.

Mosaico de diversidade genética

“O Brasil é um vasto país continental, lar da maior população da América Latina e ostenta a maior população miscigenada recente do mundo. O processo de colonização trouxe cerca de 5 milhões de europeus para o Brasil, juntamente com a migração forçada de pelo menos 5 milhões de africanos e a dizimação das populações indígenas, que antes incluíam mais de 10 milhões de pessoas que falavam mais de 1.000 línguas. Essa interação histórica distinta moldou um mosaico complexo de diversidade genética, ressaltando a importância de estudos genômicos detalhados”, diz o artigo na Science.

Os cientistas afirmam que a população brasileira, assim como outras do Sul Global, permanece notavelmente subrepresentada na pesquisa genômica, “onde há escassez de estudos que investiguem os efeitos da miscigenação dessa população em sua evolução, diversidade e estado de saúde.”

A pesquisa revela que dentro da extensa diversidade encontrada no Brasil, regiões genômicas ancestrais específicas originárias de diferentes populações estão distribuídas de forma desigual entre as regiões brasileiras e os períodos históricos.

DNA de povos indígenas exterminados

“Essa distribuição demonstra o impacto duradouro das centenas de etnias que chegaram ao país por meio de milhões de europeus e africanos em diferentes épocas, miscigenando-se e substituindo a população indígena original.”

A pesquisa encontrou registros de povos indígenas exterminados durante a colonização, mas que ainda aparecem nas amostras de DNA, assim como combinações de genomas africanos não encontrados na África que só se misturaram no Brasil, para onde foram trazidos como escravos.

Há também sinas claros da violência sexual na colonização, como nos casos em que o cromossomo paterno tem descendência europeia e as linhas maternas são africana ou indígena. A maioria (71%) das linhagens do cromossomo Y, herdado dos homens, era de origem europeia, enquanto a maioria das linhagens mitocondriais, que são herdadas das mulheres, era africana (42%) ou indígena (35%).

Características regionais

O pico da miscigenação ocorreu nos séculos 18 e 19. “Eventos de miscigenação múltiplos ou contínuos entre fontes parentais indígenas americanas, africanas e europeias formaram as populações brasileiras. Esses processos se alinham com os principais eventos históricos que moldaram o Estado brasileiro nos últimos cinco séculos”, afirma o estudo.

Esses padrões revelam tanto a dinâmica violenta da colonização europeia quanto as marcas duradouras desse processo na América do Sul contemporânea.

O processo de miscigenação se intensificou entre 1750 e 1785, com a corrida do ouro, que trouxe milhares de portugueses ao país, e mais tarde, com as excursões dos bandeirantes pelo interior do Brasil.

Perfis genéticos criados pelos pesquisadores com base na ancestralidade local revelam que a região Norte tem a maior proporção de ancestralidade indígena, enquanto o Nordeste é marcado por uma forte ancestralidade africana.

A ancestralidade europeia – principalmente do sul europeu – é predominante na região Sul do Brasil, enquanto no Sudeste e o Centro-Oeste apresentam maior diversidade e uma mescla das três ancestralidades.

“Nossos resultados ressaltam a influência perceptível de diferentes origens ancestrais na saúde e na composição genética de indivíduos mestiços brasileiros. Mostramos que essa paisagem genética tem suas raízes na história evolutiva das comunidades indígenas brasileiras e na intrincada interação demográfica decorrente da imigração histórica, tanto forçada quanto voluntária, para o Brasil”, concluem os pesquisadores.

rc (ots)