Entrada direta dos EUA em campanha aérea israelense levanta temores sobre possível reação iraniana e se Trump pretende expandir participação. Ainda há dúvidas sobre eficácia do ataque e sobre a força do regime de Teerã.Os EUA se juntaram aos israelenses na campanha aérea contra o regime de Teerã, lançando neste fim de semana um ataque contra três instalações nucleares do regime de Teerã.

Os EUA afirmaram que se tratou de uma operação pontual, mas ao mesmo tempo deixaram a porta aberta para novas ações. O ataque imediatamente provocou temor de uma escalada ainda maior nas tensões na região e especulações sobre quais vão ser os próximos passos da teocracia iraniana e sobre a estabilidade do regime. Também permanece em aberto qual será o efeito da ação sobre o futuro do programa nuclear iraniano.

Veja a seguir quatro questões-chave que permaneciam em aberto nas horas seguintes à operação dos EUA.

Como o Irã pode reagir?

Horas após o anúncio do ataque, mísseis iranianos atingiram Israel, deixando pelo menos 23 feridos, de acordo com a imprensa israelense.

O Irã também ameaçou uma retaliação contra os EUA. O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, alertou em um post na rede X que os ataques dos EUA “terão consequências duradouras” e que Teerã “se reserva todas as opções” para retaliar.

Apesar das ameaças verbais, ainda não está claro que curso de ação o Irã pode tomar. Na última semana, diante da ofensiva israelense, o Irã também lançou ataques retaliatórios contra Israel, mas eles tiveram alcance limitado em comparação com as amplas ações aéreas israelenses, provocando danos localizados. Já os ataques israelenses decapitaram parte do alto comando iraniano e atingiram dezenas de instalações militares.

Nos últimos 21 meses, desde a ofensiva terrorista de 7 de Outubro de 2023 do Hamas contra Israel, que foi o pontapé para a atual fase de crise no Oriente Médio, o regime de Teerã também perdeu parte da sua capacidade de retaliação. Israel começou a atacar e enfraquecer grupos apoiados pelo regime de Teerã. O primeiro atingido foi o Hamas, que hoje parece limitado a uma pequena guerrilha e que só mantém algum poder com a manutenção de dezenas de reféns israelenses.

Israel ainda decapitou boa parte da liderança do grupo libanês Hezbollah em bombardeios e uma sofisticada operação de sabotagem que contou com pagers explosivos. Israel também lançou pesados bombardeios contra os rebeldes houthis do Iêmen, embora esse último grupo tenha sofrido menos danos que o Hamas e o Hezbollah. Além disso, o Irã perdeu seu antigo regime aliado na Síria após a queda do ditador Bashar al-Assad.

Especialistas ainda especulam sobre qual pode ser a reação do Irã. Mesmo enfraquecido, o Irã pode adotar ações amplas. Uma das grandes preocupações seja que o país use suas forças navais para bloquear o Estreito de Ormuz, o canal de saída do Golfo Pérsico, por onde circula 20% do petróleo mundial. O Irã ainda poderia lançar ataques, com mísseis ou mílicias aliadas, contra navios bases americanas no Oriente Médio, que no momento são ocupadas por 40 mil soldados dos EUA. Um ataque também poderia ser feito contra aliados dos EUA, como os estados árabes do Golfo.

Ou o Irã pode escolher não fazer nada. Ou se limitar a lançar um ataque simbólico para tentar salvar as aparências. Essa última opção já ocorreu antes. Em 2020, após Trump, em seu primeiro mandato, ordenar um ataque aéreo a um aeroporto do Iraque para matar o general iraniano Qasem Soleimani, o regime de Teerã se limitou a lançar 16 mísseis contra bases americanas no Iraque. O ataque não causou prejuízos significativos e os iranianos avisaram o governo Iraquiano, deixando tempo para que os militares americanos se preparassem. Diante do impacto limitado, os EUA não retaliaram.

Até onde vai o envolvimento dos EUA?

Horas após os ataques, membros do governo americano argumentaram que a operação não representa uma guerra contra o Irã e que se tratou de uma ação militar pontual para frear a capacidade nuclear com o Irã. “Não estamos em guerra com o Irã. Estamos em guerra contra o programa nuclear do Irã”, disse o secretário americano da Defesa, Pete Hegseth.

No entanto, no seu primeiro pronunciamento sobre o ataque, Trump deixou a porta aberta para novos ataques caso o Irã não aceite a imposição de um acordo para encerrar seu programa nuclear. “Haverá paz, ou haverá uma tragédia para o Irã muito maior do que a que testemunhamos nos últimos dias”, disse. “Lembrem-se, ainda há muitos alvos.”

Pontual ou não, a entrada dos EUA na campanha aérea israelense já marcou a quebra de um tabu. Por mais de uma década, diferentes administrações dos EUA – incluindo o primeiro governo Trump – resistiram à pressão israelense e hesitaram em lançar ataques diretos contra alvos nucleares iranianos. O segundo governo Trump mudou isso, apesar das promessas de campanha de adotar uma política mais isolacionista e não voltar a envolver diretamente os EUA em guerras.

Qual foi efeito do ataque sobre o programa nuclear iraniano?

Ao anunciar o ataque, Trump disse que suas forças haviam “totalmente e completamente obliterado” as três instalações nucleares. Já o comando das Forças Armadas dos EUA foi mais comedido nas afirmações. “Sei que os danos de batalha são de grande interesse. [A avaliação] dos danos finais de batalha levará algum tempo, mas as avaliações iniciais dos danos indicam que os três locais sofreram danos e destruição extremamente graves”, disse o general Dan Caine, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA.]

O regime iraniano tentou minimizar o impacto do ataque e disse que seu conhecimento na área nuclear “não pode ser destruído”. “Eles devem saber que essa indústria tem raízes em nosso país e as raízes dessa indústria nacional não podem ser destruídas”, disse o porta-voz da Organização de Energia Atômica do Irã, Behrouz Kamalvandi. “É claro que sofremos danos, mas essa não é a primeira vez que o setor sofre danos.”

No sábado, após conduzirem uma série de ataques contra outras instalações, os israelenses já haviam dito que acreditavam que haviam atrasado em “pelo menos dois ou três anos” o desenvolvimento de uma bomba atômica pelo Irã. Nos últimos anos, o governo israelense ofereceu diferentes estimativas sobre quão perto os iranianos estariam de produzir uma bomba. No entanto, elas não eram compartilhadas por outros países aliados. Até mesmo a inteligência dos EUA chegou a apontar em março que não havia evidências de que o Irã estivesse perto de fabricar uma arma nuclear.

Com os ataques americanos e israelenses ainda frescos, uma avaliação sobre o impacto não deve ser imediata. Israel já executou ações militares similares no passado contra países hostis da região suspeitos de estar desenvolvendo armas nucleares. A primeira ação desse tipo ocorreu contra um reator no Iraque em 1981. No entanto, alguns especialistas apontam que a ação, longe de atrasar o esforço iraquiano, teve o efeito oposto: levando o regime do então ditador Saddam Hussein a direcionar na próxima década bilhões de dólares para o desenvolvimento das armas.

Antes do ataque ao Irã, países que favoreciam uma saída diplomática afirmavam que a única garantia de longo prazo para que o regime de Teerã não desenvolva armas nucleares é um amplo acordo internacional que inclua inspeções e salvaguardas.

O regime iraniano pode cair?

Impopular entre grandes fatias do povo iraniano, o regime teocrático já sobreviveu a grandes ondas de protestos populares entre 2017 e 2023, sempre reagindo com sangrenta repressão. Nos anos 1980, o regime também conseguiu sobreviver a uma guerra iniciada pelo Iraque de Saddam Hussein.

Mas a campanha aérea israelense representa o maior desafio militar imposto à liderança iraniana em mais de três décadas. Três dias após o início da guerra contra o Irã, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou em entrevista à emissora americana Fox News que uma “mudança de regime” em Teerã “certamente pode ser um desdobramento” da ação das forças de Tel Aviv ali, já que o governo iraniano estava “muito fraco”. Tanto os EUA quanto Israel especularam ainda que poderiam assassinar o “líder supremo” do Irã, Ali Khamenei, de 86 anos.

No exterior, muitos exilados iranianos manifestaram esperança que o odiado regime fundamentalista chegue ao fim após 45 anos. No entanto, especialistas em política externa expressam dúvidas se a oposição interna iraniana, enfraquecida após tantas ondas de repressão, possa excercer um papel decisivo numa mudança de governo. Para piorar, alguns especialistas advertem que existe até o mesmo o risco de algum setor ainda mais linha-dura do regime, como a Guarda Revolucionária, assumir completamente o poder em meio à crise.

Na manhã seguinte aos ataques ao Irã, membros do governo dos EUA tentaram afastar a hipótese que a operação e o envolvimento dos EUA marquem o início de uma ação para “mudança de regime” em Teerã. Mas não está claro se os iranianos vão entender dessa forma.

O tema da “mudança de regime” também é considerado sensível em parte da base republicana de Trump, que diz não desejar a repetição de experiências fracassadas como a ocupação do Iraque e do Afeganistão.

Mesmo as afirmações do governo sobre uma operação área Muammar al-Gaddafi. podem não resistir ao teste do tempo, ainda que tropas terrestres nunca sejam enviadas. Em 2011, uma coalizão de países ocidentais anunciou a criação de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia para impedir que o regime de Gaddafi continuasse a massacrar a população do país. No entanto, dias depois os países da coalizão, incluindo a França e EUA, começaram a falar abertamente em forçar a derrubada de Gaddafi A “mudança de regime” se revelaria um fracasso e o Estado líbio se desintegrou. O país continua até hoje dividido em facções rivais.