06/07/2025 - 16:23
Em declaração conjunta, grupo defende multilateralismo e faz críticas indiretas à política comercial e militar dos EUA. Bloco ainda pede ajuda humanitária a Gaza e reforma no Conselho de Segurança.Líderes do grupo de nações em desenvolvimento Brics condenaram neste domingo (06/07) os ataques ao Irã, à Faixa de Gaza, à Caxemira indiana e à infraestrutura russa durante a cúpula do bloco que acontece no Rio de Janeiro.
Em uma declaração conjunta, os países ainda criticaram o “aumento indiscriminado de tarifas” no comércio internacional e voltaram a pedir uma reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Este é o primeiro documento assinado pela nova formação do bloco de economias emergentes, que no último ano, acatou a adesão de cinco novos países. O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Indonésia teve o desafio de contornar resistências internas para atingir um consenso e conseguir emitir uma declaração conjunta.
A expansão do Brics aumentou o peso diplomático do grupo, que busca representar os países em desenvolvimento do Sul Global e reforçar pedidos por reformas em instituições globais. O texto final posiciona o bloco como um defensor do multilateralismo e crítico indireto das políticas comerciais e militares dos Estados Unidos.
Em seu discurso de abertura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva traçou um paralelo com os países em desenvolvimento que resistiram a se alinhar com qualquer um dos polos da ordem mundial durante a Guerra Fria.
“O Brics é o herdeiro do Movimento dos Não Alinhados”, afirmou Lula. “Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque”, continuou.
“Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século 21, cabe ao Brics contribuir para sua atualização. Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos.”
Declaração blinda Irã, Rússia e Índia em conflitos
Apesar de pressionar por uma postura mais crítica ao Ocidente, Rússia e Irã conseguiram garantir que parte de seus interesses fossem incorporados na declaração final.
Sem acusar diretamente os EUA ou Israel, o bloco afirma que ataques contra a República Islâmica são uma “violação do direito internacional”.
“Expressamos ainda séria preocupação com os ataques deliberados contra infraestruturas civis e instalações nucleares pacíficas sob totais salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)”, diz o texto.
Por outro lado, os negociadores preferiram um tom conciliador e rejeitaram usar uma linguagem mais dura ou condenar diretamente Washington pela ação. Os Estados Unidos não são citados no documento de 38 páginas.
O grupo também expressou “grave preocupação” com a ofensiva israelense em Gaza e com a obstrução à entrada de ajuda humanitária no território.
Ainda repetiu a linguagem adotada pela Índia para tratar o que chamou de “ataque terrorista” na Caxemira indiana. O atentado levou a uma escalada de tensões entre Índia e Paquistão.
No caso da Rússia, o grupo voltou a questionar sanções unilaterais “não autorizadas pelo Conselho de Segurança” e não menciona a agressão de Moscou contra a Ucrânia.
Além disso, avançou na declaração da última cúpula e criticou diretamente ofensivas contra a infraestrutura russa, que foram anteriormente reivindicadas por Kiev. “Condenamos nos termos mais fortes os ataques contra pontes e infraestrutura ferroviária que visaram deliberadamente civis nas regiões de Bryansk, Kursk e Voronezh”, diz o documento.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não participa do encontro devido ao mandado de prisão emitido contra ele pelo Tribunal Penal Internacional.
O presidente chinês, Xi Jinping, também não compareceu ao evento pela primeira vez em seus 12 anos de gestão. A ausência marca a cúpula sob a presidência brasileira em um momento em que a China tenta estabelecer uma postura mais crítica aos EUA no cenário internacional.
Guerra tarifária de Trump gera consenso
Repetindo manifestações anteriores dos líderes do bloco, a declaração foi incisiva quanto à guerra tarifária imposta pelo presidente dos EUA, Donald Trump. O tema é unanimidade entre os países do bloco e gerou pouca disputa nas negociações.
Donos de 40% da economia global, os países alertaram que tarifas “indiscriminadas” representam um risco à economia global e desorganizam as cadeias de suprimento.
“Nesse contexto, reiteramos nosso apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras, aberto, transparente, justo, inclusivo, equitativo, não discriminatório e consensual, com a OMC em seu núcleo, com tratamento especial e diferenciado para seus membros em desenvolvimento”, afirmam os líderes.
Em abril, Trump ameaçou aliados e rivais com uma série de tarifas punitivas, mas adiou a medida até 1º de agosto.
O presidente americano também disse estar pronto para impor barreiras tarifárias aos países do Brics se o bloco seguisse com a proposta de encontrar moedas alternativas ao dólar para o comércio internacional.
O tema, que foi central nas discussões da cúpula de 2024, não aparece na declaração deste ano. Moedas alternativas ao dólar são apenas mencionadas como preferíveis para programas de financiamento local.
Disputa por vaga no Conselho de Segurança
Se no âmbito comercial há consenso, o antigo pleito brasileiro por uma reforma no Conselho de Segurança da ONU agora gera atrito com os novos membros. Desde seu primeiro mandato, Lula pressiona por uma mudança na estrutura do órgão que permita ao Brasil ocupar uma vaga permanente.
O tema precisou ser acordado pelos negociadores para entrar no documento final, já que Egito e Etiópia também têm o mesmo objetivo.
Na declaração, os países concordaram em reconhecer “as aspirações legítimas dos países africanos” de representação no Conselho. Por outro lado, foram mais diretos ao afirmar que China e Rússia, como membros permanentes do órgão, “reiteram seu apoio às aspirações do Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante nas Nações Unidas, incluindo o seu Conselho de Segurança.”
gq (Reuters, ots)