14/07/2025 - 19:03
Morte de dois jovens, incluindo um palestino-americano, foi o mais recente ataque em território palestino sob ocupação israelense; famílias relatam sinais de tortura e bloqueio de ajuda médica.O pátio de uma escola em Al Mazra’a Al Sharqiya, cidade na Cisjordânia ocupada por Israel, atraiu centenas de pessoas no domingo (13/07) para o funeral de dois jovens, vítimas do que suas famílias descrevem como o mais recente ataque de colonos israelenses.
Sayfollah Musallet, 20 anos, cidadão americano, foi espancado até a morte, e Mohammed al-Shalabi, 23 anos, baleado, segundo relataram suas famílias. Moradores afirmam que os colonos bloquearam os esforços para ajudar os jovens, agredindo médicos que tentaram atendê-los.
Razek Hassan Al Shalabi, pai de Mohammad, sentou-se entre os moradores da cidade e parentes presentes na cerimônia fúnebre. “De manhã, ele havia me dito que queria se casar”, disse à DW. “Ele falou sobre começar uma família e agora vamos enterrá-lo.”
Do outro lado da rua, na casa dos Musallet, mulheres se reuniram para apoiar a família em seu luto. Saif, como Sayfollah era apelidado, havia chegado em junho de sua cidade natal, Tampa, na Flórida, para passar o verão com parentes na cidade, que fica cerca de 20 quilômetros a nordeste de Ramallah.
“Ele era como um irmão mais novo”, disse à DW Diana Halum, prima que assumiu a função de porta-voz da família. “Viajávamos juntos, indo e voltando dos Estados Unidos para a Palestina. Ele veio aqui para visitar seus primos, seus amigos.”
“Nunca imaginamos que algo tão trágico aconteceria”, disse Halum. “E é também a maneira como o mataram. Quero dizer, ele foi linchado por colonos israelenses agressivos e ilegais e deixado lá por horas.”
Na sexta-feira (11/07), a família informou, por comunicado, que médicos tentaram socorrer Musallet por três horas antes que seu irmão conseguisse levá-lo para uma ambulância, onde morreu antes de chegar ao hospital. “Este é um pesadelo inimaginável e uma injustiça que nenhuma família deveria ter que enfrentar”, disse a família. “Exigimos que o Departamento de Estado dos EUA conduza uma investigação imediata e responsabilize os colonos israelenses que mataram Saif por seus crimes.”
O Departamento de Estado afirma estar ciente das notícias sobre a morte de um cidadão americano na Cisjordânia. As autoridades se recusaram a comentar mais “por respeito à privacidade da família”, mas afirmaram que o departamento está pronto “para prestar serviços consulares”.
“Realidade cotidiana” na Cisjordânia
O ataque ocorreu na sexta, quando os jovens participavam de uma manifestação contra a violência de colonos israelenses nos territórios palestinos ocupados e suas tentativas de confisco de terras.
Em uma declaração inicial após o ataque, as Forças de Defesa de Israel (IDF) alegaram que “terroristas atiraram pedras em civis israelenses”, levando a um “confronto violento” que incluiu “vandalismo de propriedades palestinas, incêndio criminoso, confrontos físicos e arremesso de pedras”. As IDF admitiram que pelo menos um palestino foi morto e vários feridos e afirmaram que o incidente seria “investigado”. As famílias afirmam que os corpos dos jovens apresentavam sinais de tortura.
Em resposta a uma consulta da DW, as IDF referiram-se à sua declaração anterior e acrescentaram que “após o incidente, foi lançada uma investigação conjunta pela Polícia de Israel e pela Divisão de Investigação Criminal da Polícia Militar”.
Este foi apenas o mais recente ato de violência contra palestinos na Cisjordânia. Desde os ataques liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, no sul de Israel, e a guerra subsequente em Gaza, ataques se tornaram “uma realidade diária” também para os palestinos na Cisjordânia ocupada. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários (Ocha), entre janeiro de 2024 e maio de 2025, houve mais de 2.070 ataques de colonos, resultando em vítimas e danos materiais.
Os colonos invadem regularmente aldeias ou instalam postos avançados ilegais, ocupados por ativistas extremistas, para agredir e ameaçar palestinos, muitas vezes na presença de soldados ou policiais israelenses que não interferem. Na atual ofensiva israelensedesde o início da guerra, já foram criados cerca de 80 novos postos avançados, considerados os principais impulsionadores da violência contra os palestinos por grupos de direitos humanos israelenses e palestinos. Eles relatam que os colonos foram recrutados como reservistas.
Pequenas apropriações ilegais de terras são toleradas e até mesmo incentivadas por Israel, que ao longo dos anos converteu muitos postos avançados em assentamentos autorizados, avançando seu domínio sobre o território.
Choque, tristeza, resignação
Razek Hassan Al Shalabi disse que acreditava que seu filho Mohammed estava sob custódia das Forças de Defesa de Israel horas depois do ataque. Quando ele descobriu, naquela noite, que a informação estava incorreta, os moradores locais foram à procura de Mohammed. De acordo com a família e o Ministério da Saúde palestino, eles o encontraram gravemente espancado e baleado nas costas.
Amigos dos dois jovens se reuniram na escola no sábado, em choque. Iyad, que se recusou a dar seu sobrenome, disse que seu primo Saif e Mohammed faziam parte do mesmo grupo de amigos e costumavam sair juntos. “Eles eram sempre aqueles que animavam todo mundo, nunca deixavam ninguém triste, se você precisasse deles, eles estavam sempre lá”, disse Iyad à DW.
Iyad, que também é palestino-americano, acredita que a violência de colonos israelenses é amparada por um senso de impunidade. Ele disse que os Estados Unidos raramente intervêm em nome das vítimas desses ataques ou de suas famílias.
“Infelizmente, isso só chamou a atenção porque Saif tem cidadania americana. Não é a primeira vez que isso acontece, vários cidadãos americanos foram mortos por cidadãos israelenses ou soldados israelenses e acho que definitivamente deveria haver uma mudança nisso e eles [o governo dos EUA] deveriam fazer algo a respeito, porque, honestamente… estou sem palavras.”
Iyad, que é da Califórnia, também estava visitando o país durante o verão. “É triste que as pessoas tenham que ser cautelosas em sua própria terra, é triste que toda vez que um palestino saia de casa corra risco”, disse ele.
Outros três jovens palestino-americanos foram mortos na Cisjordânia ocupada desde que Israel lançou sua guerra contra Gaza em outubro de 2023. Seus casos, que envolveram soldados e colonos israelenses, continuam sem solução. “Isso faz você se sentir desesperado, faz você ficar triste. Aqui na aldeia, lidamos com isso diariamente”, disse Hafeth Abdel Jabbar à DW sobre os últimos assassinatos. Seu filho de 17 anos, Tawfiq, cidadão americano da Louisiana, foi baleado e morto em 2024 perto da cidade e, até agora, ninguém foi indiciado pelo crime.
“O mais louco é que nosso governo [americano] está apoiando um regime com racistas e extremistas que apoiam esses colonos, e acham normal fazer isso conosco, nos tratam como se não fôssemos seres humanos. É isso que te deixa louco”, disse Abdel Jabbar.
Embora o governo anterior dos EUA tenha imposto sanções a alguns colonos radicais, elas foram revogadas pelo presidente Donald Trump logo após assumir o cargo.
Razek Hassan Al Shalabi não acredita que, algum dia, suas muitas perguntas sobre a morte de Mohammed serão respondidas pelas autoridades israelenses. “Não éramos apenas pai e filho”, disse ele. “Éramos amigos…” Tomado pela tristeza, ele não conseguiu concluir seu pensamento.