18/08/2025 - 8:44
No Rio de Janeiro, Nobel da Paz cobra transição energética, denuncia poder da indústria fóssil e vê no Brasil anfitrião-chave para mudar o rumo climático na COP 30.Antes de se tornar vice-presidente dos Estados Unidos no governo de Bill Clinton (1993 – 2001), o então senador Al Gore veio ao Rio de Janeiro participar da Eco-92, convenção que abriu caminho para as Conferências da ONU sobre o Clima (COPs).
“Havia um famoso lobista do carvão dos EUA, Don Pearlman, que junto com a Arábia Saudita basicamente ‘viciou’ o processo, dando poder de veto aos petroestados”, recorda. “Vemos isso há 33 anos, e é hora de mudar.”
A menos de 100 dias da COP30 no Brasil, em novembro, Al Gore esteve no Rio para liderar um treinamento de novas lideranças climáticas de sua organização, The Climate Reality Project. Sua atuação em defesa do clima foi reconhecida com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007. “Dedico meu tempo a fortalecer movimentos de base para recuperar o controle humano sobre nosso destino”, comenta. Ante o cenário climático desafiador, Al Gore enxerga um horizonte otimista.
“Não quero vender ‘ilusão de esperança’, mas gosto da Lei de Dornbusch: as coisas demoram mais para acontecer do que pensamos, mas depois acontecem mais rápido do que imaginávamos. Isso se aplicou a tecnologias limpas e também a lutas morais, como a abolição da escravidão ou o voto feminino. Pareciam impossíveis – até se tornarem inevitáveis. Creio que estamos próximos desse ponto no clima”, diz.
O ex-vice-presidente dos EUA sustenta a projeção com base nos impactos da eletrificação automotiva e industrial, além de inovações tecnológicas como o aço verde e a agricultura regenerativa.
“O mundo ainda queima muitos fósseis, mas pode estar no pico. A China começou a reduzir emissões, o que deve se refletir globalmente. Mais de 20% dos carros novos vendidos no mundo já são elétricos. Na China, próximo a 82%. A Agência Internacional de Energia diz que já temos tecnologia para reduzir emissões em 65% em 10 anos. Se chegarmos ao zero líquido, a temperatura para de subir imediatamente”, argumenta.
O impasse dos fósseis
Apesar da visão otimista, Al Gore eleva o tom e demonstra indignação quando fala da negligência que observa nas negociações climáticas com o tema dos combustíveis fósseis. “Foram necessários 28 encontros para que a expressão ‘combustível fóssil’ fosse sequer mencionada, quando a crise climática é essencialmente uma crise dos fósseis. Mais de 80% do problema vem da queima de carvão, petróleo e gás”, critica.
O fracasso das negociações sobre plásticos em Genebra, neste mês, foi lembrado como um sinal preocupante. “Mostra o poder que a indústria fóssil ganhou – a ponto de ditar o que o mundo pode ou não fazer. É absurdo falarmos em triplicar a produção de plásticos, quando já vemos microplásticos no sangue, no leite materno, nas placentas. Estudos mostram efeitos semelhantes ao Alzheimer em animais. E mesmo assim os poluidores conseguem impor sua agenda”, criticou.
“Não podemos permitir que os poluidores escrevam as regras. Isso não vai durar: o amor pela liberdade é mais forte, e acredito que veremos a queda desse poder hegemônico”, disse.
Brasil sob pressão
Em junho, durante a chamada “pré-COP”, em Bonn, o Brasil foi pressionado a defender um plano de eliminação dos combustíveis fósseis, como anfitrião da conferência. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, recebeu uma carta assinada por mais de 250 cientistas de 27 países com cobranças por uma liderança mais enfática do Brasil no chamado “phase-out” do petróleo.
Climatologistas brasileiros como Carlos Nobre, Mercedes Bustamante e Paulo Artaxo assinam o documento. Na carta, registram que “o mundo ultrapassou 1,5 ºC de aquecimento em um único ano pela primeira vez registrada, com impactos climáticos crescentes em todos os continentes”. Segundo os cientistas, “a causa preponderante é nossa contínua dependência de combustíveis fósseis”.
A indústria dos combustíveis fósseis responde por cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Somada à dependência dessas fontes na matriz energética global, o peso econômico do setor emperra o processo de transição. Adiá-lo, todavia, pode custar caro: projeções apontam que a inação frente as mudanças climáticas poderia consumir 18% do PIB mundial até 2040.
Nos países do G20, que respondem por mais de 80% do consumo de energia do mundo, a dependência dos fósseis é da ordem de 70% de sua energia primária. A exceção é justamente o Brasil, com 50% de participação no consumo de energia primária fóssil.
“Vocês são o que os outros países do G20 querem ser quando se tornarem adultos”, brinca Al Gore, em referência à matriz energética brasileira. Para o prêmio Nobel da Paz, o Brasil reúne condições únicas para liderar a agenda climática global: “abundância de renováveis, biodiversidade incomparável e um histórico de engajamento na diplomacia ambiental. Essa liderança será ainda mais necessária na COP30”.
Diplomacia climática em teste
Ainda que se destaque no uso de fontes renováveis, o Brasil irá sediar a COP em um momento político delicado. Apesar da resistência da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o governo deseja avançar com o projeto de exploração de petróleo na Foz do Amazonas e outras áreas ambientalmente sensíveis.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou seguidas vezes a demora do Ibama na autorização para a exploração na região, também conhecida como Margem Equatorial, que funciona como berçário da biodiversidade marinha e abriga o Grande Sistema de Recifes da Amazônia, descoberto em 2016 e pouco estudado pela ciência. Lula defende que o Brasil continue a explorar suas reservas de óleo e gás para financiar a transição energética.
Apesar dos sinais contrários emitidos pelo governo, Al Gore demonstra confiança na capacidade de liderança do Brasil à frente da COP30. “Precisamos da transição, como já se reconheceu na COP28. Estou animado que o Brasil, como anfitrião da COP30, reafirme esse compromisso”, defende.
Durante o evento no Rio, Al Gore participou de uma conversa com o embaixador Corrêa do Lago. Em meio a elogios sobre a atuação do governo brasileiro na diplomacia climática, o ex-vice-presidente dos EUA perguntou se a COP30 poderia reavivar o compromisso de saída dos combustíveis fósseis assumido há dois anos.
O presidente da COP30 argumentou que o Brasil listou a transição como um dos temas-chave a serem debatidos na Agenda de Ação, fóruns que incluem cientistas, ONGs, governos subnacionais e empresas. Corrêa do Lago causou surpresa ao argumentar que “a Arábia Saudita tem capacidades incríveis e vai contribuir muito para o movimento de transição” com projetos de renováveis. “É sério?”, interpelou Al Gore.
Ao lado de Corrêa do Lago, Al Gore disse ainda ter certeza que o governo brasileiro irá encontrar uma solução para a crise de hospedagens em Belém, sede do evento. “É claro que haverá desafios de acomodação, mas não se deixem desencorajar. Estar em Belém, no coração da floresta, envia uma mensagem mais poderosa do que qualquer comunicado oficial poderia transmitir.”
Trump, Europa e China
Durante um evento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), na última terça-feira (12/07), Al Gore havia pedido desculpas pela postura do presidente americano, Donald Trump, na ofensiva tarifária contra o Brasil.
“Considero ofensivo que ele minta dizendo que temos déficit comercial com o Brasil, quando na verdade temos superávit. Ele mente dizendo que a Ucrânia começou a guerra, que o carvão é limpo, que moinhos de vento causam câncer. E se declara honesto! São mentiras”, afirmou a jornalistas, durante o evento de sua organização.
O ex-vice-presidente lamenta a relação oscilante dos EUA com a crise climática ao longo de governos democratas e republicanos. “É lamentável que tenha havido uma abordagem tão esquizofrênica à crise climática. Minha esperança é que os EUA retomem sua liderança histórica a partir das mudanças políticas no Congresso já no próximo ano, quando haverá eleições para a Câmara dos Representantes”, projeta.
Al Gore elogia o histórico de liderança da União Europeia no tema e se diz impressionado com a unidade criada por Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. “Não creio que o mundo seguiria a China, porque não é um país livre, apesar de seus avanços”, conclui.