18/08/2025 - 10:17
Plano Clima pretende reduzir emissões de gases poluentes – mas não prevê afastamento dos combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural.Para cumprir o Acordo de Paris, o Brasil apresentou, em 2024, sua meta para enfrentar as mudanças climáticas. Agora, o país está finalizando o planejamento de como atingir o objetivo. Mas, apesar de importantes propostas e ações previstas, o Plano Clima, lançado em julho pelo governo federal, tem um elefante na sala: não prevê o afastamento dos combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural.
A Estratégia Nacional de Mitigação (ENM) do Plano Clima e seus sete planos setoriais indicam o caminho que o Brasil pretende seguir para atingir a meta climática. O objetivo é reduzir entre 59% e 67% as emissões de gases do efeito estufa até 2035, em comparação com os níveis de 2005.
Os documentos estão em consulta pública até esta segunda-feira (18/08). Depois, o plano vai ser submetido ao Subcomitê-Executivo do Conselho Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) para ser analisado, aprovado e implementado. Ainda não há data oficial para o lançamento.
O Plano Setorial de Energia é um dos que mais chama a atenção. No melhor cenário, prevê manutenção das emissões até 2035 em comparação com os dados de 2022; no pior, projeta um aumento de até 44%.
“Quando você pega o plano do setor de energia, a primeira pergunta é: cadê a transição para longe dos combustíveis fósseis? Não há”, avaliou Marta Salomon, especialista sênior no Instituto Talanoa, organização dedicada à política climática. “Não há nenhuma indicação de que vamos reduzir a produção de petróleo.”
“O plano do setor de energia é pouco ambicioso”, analisou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC). “Ele não menciona um phaseout (eliminação gradual) dos combustíveis fósseis. Não menciona um cronograma de redução da produção e do consumo. Não tem nada claro nesse sentido, pelo menos como objetivo destacado.”
A DW questionou o Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pelo plano setorial de energia, sobre as críticas ao documento, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
O peso dos combustíveis fósseis no Brasil
A meta do Brasil faz parte do Acordo de Paris, firmado em 2015 na COP21, a Conferência do Clima das Nações Unidas. Neste ano, os países devem apresentar a revisão de seus objetivos, chamados de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Espera-se que isso ocorra até setembro, antes da COP30, que será realizada em novembro, em Belém (PA).
O Plano Clima está sendo desenvolvido desde 2023, em um trabalho interministerial comandado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Foi dividido em duas partes: Adaptação, com medidas para evitar ou diminuir os impactos das mudanças climáticas; e Mitigação, que busca mostrar onde e como vai cortar as emissões de gases do efeito estufa.
O primeiro já passou por consulta pública, enquanto o segundo está recebendo contribuições na plataforma Brasil Participativo. O Plano Clima Mitigação foi dividido em sete planos setoriais: Conservação da Natureza, Agropecuária, Indústria, Transportes, Cidades, Resíduos e Energia.
O Plano de Conservação da Natureza e da Agropecuária são os que mais vão contribuir para as metas, principalmente com a redução do desmatamento. São os setores com mais emissões no Brasil – ao contrário de outros grandes poluidores, como Estados Unidos, União Europeia e China, cujas principais emissões estão atreladas aos combustíveis fósseis.
Ainda assim, os combustíveis fósseis têm seu peso na matriz energética, metade dela formada por fontes não renováveis. O petróleo e seus derivados, inclusive, representam o maior item individual, com 34%.
O destino da produção brasileira de combustíveis fósseis
Outros planos setoriais possuem metas para diminuir o uso dos combustíveis fósseis. O de Transportes, por exemplo, altamente dependente de diesel, um subproduto do petróleo, pretende aumentar o uso de biocombustíveis – uma meta importante, segundo os especialistas ouvidos pela DW.
Não é o caso do Plano Setorial de Energia. Das nove ações impactantes propostas, três estão relacionadas aos combustíveis fósseis. Mas não tratam de reduzir a produção, mas sim a “intensidade de emissões” na exploração, refino e movimentação.
O Brasil tem feito movimentos para expandir a produção de petróleo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já afirmou que o país pretende se tornar o quarto maior produtor do mundo – atualmente é o oitavo.
Uma análise da organização não-governamental estadunidense Oil Change International mostrou que o Brasil está entre os 10 países que mais devem expandir a produção de petróleo e gás até 2035, superando até mesmo os planos de ampliação da Arábia Saudita.
Esse movimento pode ser observado na Margem Equatorial, onde está localizada a bacia marítima Foz do Amazonas, considerada a nova fronteira de exploração de petróleo e gás natural. Além dos possíveis impactos socioambientais da operação em uma área ambientalmente sensível, a região tem potencial de emitir uma grande quantidade de gases que causam o aquecimento global.
Mas, se o Brasil diminuir o uso, mas não a produção, o que será feito com o petróleo excedente? “A conta não fecha”, frisou Araújo, do Observatório do Clima. Para a especialista, grande parte do combustível deve ser exportada – em 2024, o petróleo já foi o maior produto da exportação brasileira.
Oportunidade para ser referência mundial
Há uma lógica perversa nesse cenário, destacou Ricardo Fujii, especialista em Conservação do WWF-Brasil. “O governo argumenta: a gente está produzindo petróleo, mas se a gente exporta, a responsabilidade em lidar com essas emissões no consumo final, que é a principal emissão do petróleo, do gás natural, não é nossa, é de outro país.”
“Mas à medida que a gente estimula ou perpetua uma indústria fóssil, a própria indústria trabalha para se perpetuar. Então ela vai produzir lobbies e estímulos ou pressão para ter subsídios, seja no consumo, seja na produção, seja no financiamento”, alertou.
Embora participe de diversas instâncias para discutir as mudanças climáticas, como as próprias COPs, o Brasil ainda não inseriu uma discussão “séria de transição energética para descarbonização da economia”, avaliou o especialista do WWF-Brasil.
Na análise de Fujii, o país destaca muito a mudança do uso do solo e o combate ao desmatamento, que é fundamental. Mas faz uma ressalva. “Não existe solução para mudança climática sem uma estratégia e políticas de transição energética em direção à descarbonização.”
Para Fujii, não quer dizer que o Brasil deveria eliminar de uma vez a produção de combustíveis fósseis ou que essa eliminação precisasse ser concluída em cinco ou dez anos. Mas deveria ter uma discussão estruturada nessa direção.
“Não só pelo nosso bem, em termos de combate às mudanças climáticas, mas também como oportunidade, na medida em que o Brasil tem potencial de implementar a transição energética, adotar renováveis, descarbonizar a energia com muito mais facilidade do que outros países. E aí a gente pode ser uma referência e aumentar nossa influência nesse processo em escala global.”
Matriz elétrica menos renovável?
A matriz elétrica brasileira, que, como o nome diz, representa só as fontes de eletricidade, é uma das mais limpas do mundo, sobretudo por conta das hidrelétricas e, mais recentemente, da geração eólica e solar. A meta do plano é “suprir o aumento de demanda com manutenção ou aumento percentual da renovabilidade da matriz elétrica”.
Transformada em números, essa meta diz que a porcentagem de energias renováveis será de 82,7% em 2030 e ficará entre 82,7% e 86,1% em 2035. No entanto, Salomon, do Instituto Talanoa, lembrou que o Balanço Energético Nacional (BEN) mostrou que esse percentual no ano passado foi de 88,2%.
“Está diminuindo o percentual de energia renovável na nossa matriz elétrica. Deixa de ser orgulho nacional? Não. Mas é algo preocupante”, avaliou Salomon. Para a especialista, essa meta deveria ser corrigida.
Segundo o plano, a meta não foi estabelecida a partir da informação de 2024, mas sim de uma média da última década. O documento também argumenta que os eventos climáticos extremos e o uso de combustíveis fósseis são justificativas para não aumentar o percentual.
“A geração hidrelétrica, majoritária entre as fontes renováveis, está sujeita a fortes flutuações sazonais e a eventos climáticos extremos, que exigem maior despacho de termelétricas fósseis. Além disso, marcos legais recentes determinaram a contratação compulsória de termelétricas, o que pressiona a renovabilidade da matriz elétrica nos próximos anos.”