Após sequência de desastres fatais em países como Gana, Quênia e Maláui, especialistas alertam para problemas como supervisão deficiente, negligência e caos climático.Uma série de acidentes aéreos fatais na África nos últimos meses levantaram questões sobre treinamento de pilotos, fiscalização, padrões de manutenção, preparação para condições climáticas adversas e outras questões importantes relacionadas à segurança da indústria da aviação do continente.

Em 6 de agosto, um helicóptero militar Harbin Z-9EH, usado pela força aérea de Gana, colidiu contra uma encosta coberta de vegetação na região de Ashanti. Os oito passageiros a bordo morreram, incluindo os ministros da Defesa, Edward Omane Boamah, do Meio Ambiente e Ciência, Ibrahim Murtala Muhammed, e outras autoridades.

Apenas um dia depois, uma ambulância aérea Cessna caiu em uma área residencial no Quênia, perto da capital, Nairóbi, logo após a decolagem, ceifando seis vidas — quatro a bordo e duas em solo.

Em janeiro, um Beechcraft 1900D fretado, transportando trabalhadores da indústria petrolífera do estado de Unity, no Sudão do Sul, para a capital, Juba, caiu poucos minutos após a decolagem, matando todos os 21 a bordo.

Em junho de 2024, o Maláui perdeu o vice-presidente Saulos Chilima e a ex-primeira-dama Patricia Shanil Muluzi em outro acidente, quando um avião Dornier 228 da Força de Defesa do país caiu na Reserva Florestal de Chikangawa a caminho da cidade de Mzuzu, causando nove mortes.

Relatos crescentes de incidentes graves de turbulência, que deixaram vários passageiros feridos durante voos civis, também fizeram acender o alerta sobre a segurança da aviação africana.

Erro humano e tempo imprevisível

Especialistas do setor afirmam que as máquinas em si não são o problema, enfatizando que erro humano, negligência sistêmica, uma cultura de segurança insuficiente e padrões climáticos cada vez mais imprevisíveis pesam mais para esse histórico preocupante.

“Aviões são máquinas fiéis. São construídos para servir. São tão bem construídos que [são] carregados com muitos componentes redundantes, de tal forma que, antes que algo dê errado, o avião avisa os pilotos e engenheiros a cada instante”, disse o consultor de aviação nigeriano Godwin Ike à DW.

Em sua opinião, as aeronaves normalmente só “caem do céu porque os operadores humanos podem ser muito infiéis e, na maioria das vezes, terrivelmente desonestos”.

Segundo Ike, existe um certo elemento de orgulho humano que ainda pode atrapalhar aeronaves perfeitamente operacionais. Ike insiste que ações simples como recusar a decolagem quando sistemas automatizados detectam uma falha podem fazer toda a diferença entre a vida e a morte, acrescentando que cumprir os cronogramas de manutenção também é importante.

Cuidado com o clima

Para Felicity Ahafianyo, chefe do Escritório Central de Análise e Previsão de Gana, o maior perigo está menos na preparação e na reação em terra, mas sim nos céus. Ela alerta que as mudanças climáticas afetaram os padrões climáticos nas camadas mais altas da atmosfera em todo o mundo, tornando certos perigos menos previsíveis.

“Quando se trata da indústria da aviação, o clima é um fator fundamental. A primeira parte tem a ver com as atividades convectivas — isto é, a formação de nuvens de tempestade. Outro aspecto está relacionado à visibilidade. Outro, à cisalha [mudanças bruscas] do vento. E há ainda regiões que estão recebendo mais chuvas do que o habitual”, explicou.

“Além das atividades convectivas que afetam as operações das aeronaves, há a turbulência de tempo claro ou turbulência de ar limpo, que também afeta as operações das aeronaves.”

A equipe de Ahafianyo fornece aos helicópteros diversas informações cruciais para a operação segura e adequada das aeronaves. Isso inclui “o perfil vertical da atmosfera desde o nível de voo 600 até 12.000 pés de altura no céu, a localização das fronteiras tropicais para o dia” e “se pode haver alguma cisalha que possa atrapalhar suas operações”.

Mas nem todo piloto ouve as instruções, diz ela: “Eu já fui meteorologista de aviação e percebi que alguns pilotos não se importam com o tempo”.

Quando confrontados com problemas climáticos persistentes, argumentou Ike, os pilotos deverm ir para “o aeroporto mais próximo e anunciar que desejam fazer um pouso de emergência”.

Os pilotos, contudo, muitas vezes decidem seguir esse protocolo padrão tarde demais — especialmente ao transportar ministros do governo e outros líderes influentes, cujo tempo pode parecer precioso demais para um pouso de emergência e a interrupção da viagem.

Negligência com padrões internacionais

Os dois analistas ouvidos pela DW destacaram que os acidentes recentes também expuseram falhas políticas e regulatórias mais profundas.

A fraca supervisão governamental, uma cultura de segurança inconsistente e as crescentes pressões econômicas decorrentes do aumento dos preços dos combustíveis, bem como o alto custo de obtenção de peças de reposição, contribuem para riscos cada vez maiores.

Ike também afirmou que, embora a questão do erro humano na cabine de comando deva ser abordada, o problema da negligência humana em solo pode ser ainda maior.

Até que a indústria da aviação africana alcance os mais altos padrões de tráfego aéreo, disse ele, os pilotos devem ser orientados a tratar cada alerta mecânico e cada aviso meteorológico como uma instrução, não como uma sugestão.

Enquanto isso, órgãos internacionais de aviação também têm instado repetidamente os governos africanos a reforçar a aplicação de seus padrões de segurança e a se adaptarem melhor à crescente volatilidade climática.