A adultização também vem se manifestando na figura de coaches e empreendedores mirins nas redes que produzem conteúdo contra escolas e professores. Mas a culpa não é deles, e sim dos adultos por trás.”Não quero fazer faculdade. Vamos supor que eu seja médico. Aí vou estar lá, o cara morrendo e eu vou falar o quê? ‘Ei! Acho que a raiz quadrada de oito é igual a cinco’. E o cara vai morrer. Não dá. Por que vou querer saber quem foi Aristóteles? Não vai ajudar em nada na minha vida.”

Assistindo ao vídeo do Felca sobre a adultização tive a oportunidade de ver ouvir dois trechos de um podcast de crianças empreendedoras. A fala acima foi proferida por um deles. O outro, trouxe a pérola: “A escola complica a vida do empreendedor”.

Fiquei pensando no quanto a adultização tem inúmeros efeitos negativos. Ela está também construindo uma geração com total desrespeito e repulsa pela educação, que menospreza os professores e culpabiliza os indivíduos pela própria pobreza. Que desastre.

Quem é o culpado?

A culpa não é dessas crianças. A criança que desrespeitou a medicina e a filosofia não deve ter nem 12 anos. Nem sabe o que está falando. A culpa é dos adultos por trás.

Seria muito interessante dizer que estamos aqui diante de um projeto de desmonte e de desvalorização proposital da educação, mas temo que o caso seja mais tedioso e simples do que isso.

Estamos, na verdade, diante de adultos sem qualquer tipo de apreço pela educação e que vislumbram em seus filhos a oportunidade de ganhar dinheiro e obter fama e sucesso. A consequência de corroborar para a desvalorização da educação é um efeito colateral.

Total desserviço

É fato: esses minicoaches e empreendedores mirins prestam um verdadeiro desserviço contra a educação nas redes sociais.

Outra criança disse: “O que mais existe é gente mimizenta que dá desculpa para o fracasso que tem. Se você está na m… hoje, a culpa é sua”.

Que frase absurda. Que desserviço esses pais estão fazendo com a criação. A criança muito provavelmente não é de baixa renda. Não sabe o que é passar fome ou frio. Não sabe o que é ter o leque de possibilidades limitado simplesmente por ter nascido onde nasceu.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Como podemos culpar alguém que não vive, mas apenas sobrevive, pela própria situação? Temo que ela nunca aprenderá sobre questões sociais, pois, para ela, a escola é “perda de tempo”.

Como será o futuro?

São apenas crianças na linha de frente, mas temo que os efeitos possam ser graves. Hoje em dia, as crianças consomem muito as redes sociais. Ou seja, estamos diante de gerações que terão a personalidade e a forma de enxergarem o mundo e as possibilidades de ascensão quase que totalmente através das referências de influenciadores que seguem.

Quais exemplos e modelos elas terão? De um lado, alguém que as culpabiliza pela própria pobreza. De outro, alguém que debocha da formação acadêmica, da filosofia e diz que faturou R$ 6 mil com a internet durante um culto.

Poxa, o que a educação do Brasil não precisa mais é de inimigos e de influenciadores que a desvalorizam. O fato de serem crianças é ainda mais absurdo.

O assunto é especialmente delicado, pois os influenciadores mirins nem têm a maturidade necessária para entenderem a gravidade das palavras que dizem, mas, ao mesmo tempo, têm um impacto absurdo nos jovens e crianças que consomem esse conteúdo.

Reforço que a culpa não é deles, mas sim dos adultos irresponsáveis por trás desses projetos de minicoaches. Adultos esses que não têm nenhum tipo de responsabilidade com o desenvolvimento do país e tampouco qualquer tipo de respeito pela nossa educação.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.