27/08/2025 - 9:21
Uma pintura do século 17 roubada pelos nazistas em Amsterdã durante a Segunda Guerra Mundial e que estava desaparecida havia décadas foi encontrada numa casa na Argentina, pendurada sobre o sofá da sala de estar de uma das filhas de um ex-oficial nazista, noticiou o jornal holandês Algemeen Dagblad (AD), que localizou o retrato, nesta segunda-feira (25/08).
Nesta terça-feira, a polícia argentina invadiu a casa, na cidade costeira de Mar del Plata, como parte de uma operação de busca pelo retrato que se acredita ter sido saqueado há 80 anos de um colecionador judeu.
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A obra Retrato de Dama, do pintor italiano Giuseppe Vittore Ghislandi (1655-1743), fazia parte da coleção do comerciante judeu Jacques Goudstikker, falecido em 1940 enquanto fugia dos nazistas. As mais de 1.100 peças da galeria dele em Amsterdã, incluindo obras de Rembrandt e Vermeer, foram compradas por valores muito inferiores ao real por altos funcionários do regime nazista, entre eles Hermann Göring.
A pintura a óleo sobre tela acabou nas mãos de Friedrich Kadgien, um oficial nazista próximo a Göring e membro da organização paramilitar nazista Schutzstaffel (SS), que fugiu primeiro para a Suíça e depois para a América do Sul, estabelecendo-se na Argentina e falecendo em 1978 em Buenos Aires. Documentos de época indicam que ele acumulou diamantes e obras de arte por meio de extorsão em Amsterdã.
O banco de dados oficial holandês de arte desaparecida da Segunda Guerra Mundial, mantido pela Agência do Patrimônio Cultural da Holanda, identifica Retrato de Dama como pertencente ao negociante de arte Jacques Goudstikker que antes da invasão nazista, em maio de 1940, possuía uma importante galeria em Amsterdã.
O jornal AD tentou durante anos entrar em contato com as filhas de Kadgien, que sempre evitavam responder a perguntas sobre o passado do pai. Finalmente encontraram a obra quando uma das filhas colocou sua mansão à venda numa imobiliária argentina, e fotos do interior mostraram a pintura pendurada na sala de estar.
Especialistas: não deve ser cópia
Especialistas da Agência do Patrimônio Cultural da Holanda enfatizam que não há razão para acreditar que seja uma cópia, pois as medidas correspondem às informações disponíveis em seus arquivos sobre essa obra, desaparecida desde 1946. Eles observaram que somente um exame do verso poderia fornecer uma confirmação definitiva por meio das marcações ou etiquetas originais da pintura.
A imobiliária Robles Casas & Campos não respondeu a um pedido de comentário. O anúncio da casa ainda estava disponível na noite de terça-feira, mas a imagem do retrato parece ter sido removida.
O promotor federal Carlos Martínez disse à agência de notícias Associated Press que a pintura não foi encontrada na casa, mas que os policiais apreenderam outros itens que podem ser úteis para a investigação, como armas e gravuras. Ele disse que os investigadores estão examinando possíveis acusações de ocultação e contrabando.
Herdeiros lutam pelo legado
Os herdeiros de Goudstikker já anunciaram que reclamarão a pintura. “Minha busca pelas obras do meu sogro começou no final da década de 1990 e não me abandonou até hoje. O objetivo da minha família é recuperar todas as peças roubadas da coleção e restaurar seu legado”, disse Marei von Saher, de 81 anos. Num caso histórico em 2006, o governo holandês concordou em devolver 202 pinturas saqueadas da coleção de Goudstikker a Von Saher após uma prolongada batalha judicial.
A recuperação da pintura agora localizada pode se transformar num processo judicial prolongado se os atuais proprietários se recusarem a entregá-la. “Pode ser uma história complicada”, enfatizam os herdeiros, que notificaram formalmente sua reivindicação após a publicação da reportagem do AD.
Além disso, investigadores da Agência do Patrimônio Cultural da Holanda localizaram outra pintura nas redes sociais das filhas de Kadgien, que também consta como desaparecida: uma natureza-morta floral do artista holandês Abraham Mignon.
Refúgio de nazistas
O caso reabre umcapítulo sombrio na história da Argentina, que abrigou dezenas de nazistas que fugiram da Europa para evitar processos por crimes de guerra após a Segunda Guerra Mundial, incluindo membros de alto escalão do partido e arquitetos notórios do Holocausto, como Adolf Eichmann.
Sob o governo do general argentino Juan Perón, cujo primeiro mandato durou de 1946 até sua deposição em 1955, nazistas fugitivos trouxeram consigo propriedades judaicas saqueadas do outro lado do mundo, incluindo ouro, depósitos bancários, pinturas, esculturas e móveis. O destino desses itens continua a ser notícia décadas depois, enquanto o doloroso processo de restituição se arrasta na Argentina e além.
(Efe, AP)