O que as manobras de Donald Trump em sua guerra declarada ao narcotráfico na região buscam e quais suas possíveis consequências? Estratégia também mira interesses geopolíticos e comerciais conflitantes.A mobilização de tropas na fronteira com o México e o envio de navios de guerra para a costa da Venezuela são uma mensagem contundente dos Estados Unidos. Não dá para dizer, contudo, se a estratégia é um blefe para intimidar e demonstrar poder ou o prelúdio de uma intervenção direta.

O episódio mais recente de tensão entre os dois países envolveu a circulação de um vídeo que mostraria militares americanos atirando contra uma embarcação no Caribe que teria partido da Venezuela rumo ao território americano carregada de drogas. O presidente Donald Trump declarou que “11 terroristas” foram mortos na operação. O governo venezuelano acusou os EUA de terem fabricado as imagens por meio de inteligência artificial.

Segundo Tamara Lajtman, doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, a política externa dos EUA na área do combate ao narcotráfico na América Latina vem desde a década de 1970, conduzida tanto por governos republicanos como democratas.

Neste segundo mandato, Trump “aprofundou essa narrativa de securitização, que funde migração, narcotráfico e terrorismo sob um único espectro de ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos”, afirmou à DW a pesquisadora brasileira-argentina.

Aníbal García, doutor em estudos latino-americanos pela Universidade Autônoma do México, concorda. “Temos a união da guerra contra o narcotráfico com a do terrorismo. Há um aprofundamento da diplomacia pelo uso da força por parte dos Estados Unidos que reforça essa narrativa do narcoterrorismo a partir de diferentes políticas públicas”, disse à DW.

Um tom mais agressivo

Além de ações concretas, García observa um aprofundamento das relações políticas com a América Latina. Ele aponta que de todas as viagens feitas e anunciadas de Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado, 37% envolvem a América Latina. “Os principais temas em questão são segurança, combate ao narcotráfico e migração, além da China.”

Nos últimos meses, observa Lajtman, a narrativa dos Estados Unidos “se traduz concretamente na militarização das fronteiras, na expansão dos centros de detenção ou na designação de cartéis como organizações terroristas estrangeiras. Eles imprimem um tom muito mais agressivo a estratégias já conhecidas”.

“Mecanismo de pressão”

Em fevereiro de 2025, o Departamento de Estado incluiu a gangue criminosa de origem venezuelana Tren de Aragua, a salvadorenha Mara Salvatrucha e os cartéis mexicanos na lista das organizações terroristas estrangeiras (FTO, na sigla em inglês). E, no início de agosto, os EUA dobraram a recompensa por informações que ajudem na captura do presidente venezuelano Nicolas Maduro, elevando-a para 50 milhões de dólares. Eles o acusam de ser o líder de um suposto grupo criminoso que se chamaria Cartel de los Soles.

A recente publicação do New York Times indicando que Trump teria enviado um decreto ao Pentágono para autorizar o uso da força militar no exterior contra cartéis latino-americanos considerados narcoterroristas poderia abrir as portas para manobras na Venezuela, no México e na América Central.

“Embora uma intervenção direta fosse extremamente cara, a verdade é que o envio da frota para o Caribe é uma realidade. A simples ameaça serve como mecanismo de pressão. O mais provável é que ela se mantenha, combinada com sanções financeiras e outras medidas jurídicas extraterritoriais”, afirma Tamara Lajtman.

Na opinião da pesquisadora da Universidade de Santiago do Chile, trata-se de uma série de normas concebidas como resposta ao terrorismo: “Trump usa essa arquitetura jurídica para reconfigurar e legitimar pressões e ameaças, sobretudo contra a Venezuela. Sem dúvida, o principal objetivo é promover uma mudança de regime, o que não seria algo novo”.

“As pressões também aprofundam as tensões com o México, a Colômbia e o Brasil, reinstalando um clima de guerra fria em uma região que busca disciplinar-se no âmbito de uma competição global com a China e a Rússia”, acrescenta.

Interesses geopolíticos

Uma intervenção é factível? “No histórico da política americana, Trump foi mais longe. Desde a invasão do Panamá em 1989, não havia a possibilidade de uma nova invasão em território latino-americano e caribenho por motivos relacionados ao narcotráfico, que é o que está latente no caso da Venezuela”, aponta Aníbal García.

O pesquisador mexicano identifica, por trás da política cada vez mais intervencionista dos EUA, um interesse geopolítico em frear a presença da China na América Latina e a intenção de “apropriar-se das grandes reservas de petróleo da Venezuela”. Além de grande concorrente comercial, a China figura como um outro alvo na guerra dos EUA contra o narcotráfico, com base nas alegações de que precursores do fentanil viriam da Ásia e, em particular, desse país.

No caso do México, que mantém uma cooperação em termos de controle do narcotráfico, segurança e migração, García também reconhece as pressões do vizinho do norte: “Não tivemos, pelo menos nos últimos 25 anos, um governo tão beligerante como o atual nos Estados Unidos, ainda mais do que o primeiro de Trump”.

Após o envio de tropas das forças armadas para a fronteira e a designação dos cartéis de tráfico de drogas como terroristas, “há a possibilidade de se travar uma guerra em outros países, mas não há evidências que sustentem que isso vá acontecer”, ressalta.

Sobre uma possível intervenção armada na Venezuela, ele adverte: “Esperamos que isso não aconteça, devido à quantidade de problemas que isso geraria e, acima de tudo, pela perda de vidas humanas. Vimos que, após intervenções dos Estados Unidos, seguem-se longos períodos de instabilidade no país invadido e, além disso, as relações internacionais na região são reconfiguradas”.