05/09/2025 - 17:17
Dez anos após a prisão de cinco ativistas feministas, um marco no movimento pelos direitos das mulheres na China, a conscientização aumentou, mas espaço para vozes feministas diminuiu drasticamente.Na véspera do Dia Internacional da Mulher em 2015, cinco jovens ativistas feministas chinesas — Wang Man, Zheng Churan, Li Maizi, Wei Tingting e Wu Rongrong — foram detidas pela polícia em Pequim e Cantão enquanto protestavam contra o assédio sexual nos transportes públicos.
Elas foram acusadas de “provocar brigas e causar problemas”, uma ofensa vaga frequentemente usada contra ativistas. O caso das “Cinco Feministas” rapidamente se tornou um divisor de águas para o movimento feminista na China, com repercussão internacional.
Uma das cinco, a ativista Li Maizi (também conhecida como Li Tingting), disse à DW que a detenção deixou cicatrizes duradouras: “Por muito tempo, toda vez que ouvia alguém bater na porta, sentia uma sensação avassaladora de medo”.
Mas ela também avalia que as prisões tiveram o efeito positivo de trazer o tema do assédio sexual contra mulheres para a consciência coletiva chinesa.
Dez anos depois, o movimento feminista da China passou por profundas mudanças. Por um lado, a conscientização pública sobre a igualdade de gênero cresceu: mais mulheres e comunidades LGBTQIA+ buscam maneiras de se manifestar sobre violência doméstica, assédio no local de trabalho e discriminação de gênero.
Por outro lado, o espaço para vozes feministas diminuiu drasticamente. As plataformas online se tornaram cada vez mais hostis ao conteúdo feminista, enquanto as autoridades expandiram a censura para silenciar os debates relacionados a gênero.
Silenciamento nas redes
Em 2018, as duas maiores plataformas de mídia social do país, WeChat e Weibo, baniram o meio de comunicaçao feminista mais proeminente da China, o Feminist Voices. A Tencent, proprietária do WeChat, citou violações da Lei de Segurança Cibernética, alegando que o grupo havia “perturbado a ordem social, a segurança pública e a segurança nacional”.
A suposta violação apontada foi uma campanha online contra o assédio para o Dia Internacional da Mulher, intitulada “O Guia do Dia da Mulher Mais Forte”.
Depois que a conta “desapareceu” do Weibo, vários usuários que manifestaram apoio ao Feminist Voices também tiveram suas contas suspensas. A plataforma bloqueou ainda o nome e o logotipo do veículo de mídia em pesquisas e publicações.
Assédio em restaurante
Em março de 2021, a ativista feminista Xiao Meili foi assediada em um restaurante em Chengdu depois de pedir aos homens da mesa vizinha que não fumassem dentro do estabelecimento. Ela foi alvo de insultos sexistas e atingida por um líquido quente jogado contra ela.
O vídeo da agressão viralizou e desencadeou uma onda de comentários de mulheres que viveram experiências semelhantes.
Influenciadores nacionalistas logo contra-atacaram, e passou a circular uma foto de 2014 em que Xiao Meili aparece com um cartaz em defesa da emancipação de Hong Kong – o que foi usado para classificá-la como inimiga do Estado, uma “separatista de Hong Kong”.
Logo depois, sua conta no Weibo foi banida permanentemente, tirando-lhe a capacidade de responder ou se defender.
Depois que Xiao Meili foi “silenciada”, muitas feministas no Weibo manifestaram seu apoio a ela, mas acabaram sendo banidas ou suspensas, incluindo contas com centenas de milhares de seguidores.
Repressão cada vez mais ampla
Essa onda de censura logo se espalhou para contas públicas feministas no WeChat, sob a alegação de incitarem o “confronto de gênero”.
Uma semana depois, os produtos da loja online de Xiao Meili, chamada Taobao, que continham a palavra “feminismo” foram retirados por conterem “informações proibidas”. A Taobao alegou ser uma “plataforma neutra” e, portanto, desencorajou os vendedores a usar o termo “feminismo”.
Pouco depois, mais de uma dúzia de grupos feministas na rede social Douban foram dissolvidos.
Os nomes dos grupos banidos foram imediatamente designados como palavras-chave sensíveis; as publicações que continham esses nomes foram automaticamente excluídas. O Douban justificou a remoção desses grupos alegando que eles continham “conteúdo extremista, político radical e ideológico”.
#MeToo chinês
O movimento #MeToo na China começou no início de 2018, quando Luo Qianqian, formada pela Universidade de Beihang, acusou publicamente seu ex-professor Chen Xiaowu de assédio sexual.
Sua coragem inspirou outras pessoas de diferentes setores a contarem suas histórias. Em pouco tempo, conversas sobre desigualdade no local de trabalho, violência doméstica e direitos reprodutivos se espalharam amplamente pela internet.
Vários casos de grande repercussão se seguiram, incluindo a suposta agressão do apresentador de TV Zhu Jun contra a cantora e atriz Zhou Xiaoxuan (também conhecida como Xuanzi) e a acusação da estrela do tênis Peng Shuai de agressão sexual contra o ex-vice-primeiro-ministro chinês Zhang Gaoli. Cada caso despertou enorme interesse público, mas também rápida censura.
Palavras-chave como “#MeToo” ou a homófona “Mi Tu” (que em chinês significa “coelhinho de arroz”), usada por ativistas para contornar os filtros, foram colocadas na lista negra do Weibo.
Postagens expressando apoio a Zhou Xiaoxuan durante suas audiências judiciais foram excluídas e muitas contas foram suspensas. A postagem de Peng Shuai no Weibo desapareceu em poucos minutos, e pesquisas por termos como “tênis”, “vice-primeiro-ministro” ou “o primeiro-ministro e eu” foram bloqueadas.
A repressão não se limitou ao discurso online. Em 2021, Huang Xueqin — jornalista e figura central do movimento #MeToo na China — foi detida. Em 2024, ela foi condenada a cinco anos de prisão por “incitar a subversão do poder estatal”.
Quando as vítimas se tornam “agressoras”
Uma tendência preocupante nos últimos anos é a estigmatização das vítimas como se fossem agressoras. Li Maizi destaca que as mulheres que recorrem à Justiça por casos de assédio muitas vezes enfrentam contra-ações por difamação: “Os custos para buscar justiça são extremamente altos”.
Em julho de 2024, a Universidade Politécnica de Dalian anunciou planos para expulsar uma aluna por ter um “relacionamento impróprio com um estrangeiro”, alegando que sua conduta “prejudicou a reputação da nação e da instituição”.
Os críticos argumentaram que a decisão era discriminatória e violava sua privacidade e direito à educação. Em vez de reconhecer sua autonomia como mulher adulta, a universidade rotulou seu comportamento como “imoral” — um lembrete das normas patriarcais duradouras que julgam o valor das mulheres por meio da castidade e da “honra nacional”.
Feminismo enquadrado como ameaça
O Partido Comunista Chinês há muito tempo encara organizações independentes como uma ameaça à estabilidade. A liderança da China vê cada vez mais o feminismo através das lentes da ideologia.
Grupos e indivíduos feministas têm sido difamados como agentes de “influência estrangeira”. Lü Pin, fundadora da Feminist Voice, disse à DW que “não há mais nenhuma plataforma de mídia social na China que seja favorável às mulheres ou a temas feministas”.
Li Maizi observa que o feminismo na China se tornou altamente politizado. A Federação Nacional das Mulheres da China enquadra o “feminismo” como uma ideologia ocidental, diferenciando-o de sua “perspectiva marxista sobre as mulheres” oficialmente endossada.
Essa estigmatização deixou as feministas fragmentadas e isoladas: “Quando as pessoas são forçadas a se dispersar online, isso enfraquece o poder coletivo do movimento”, explicou Lü.
O feminismo é agora enquadrado como uma ideologia ocidental importada, desconectada das tradições da China. Blogueiros nacionalistas exploram esse enquadramento, atacando feministas sob a bandeira do “patriotismo” enquanto perpetuam a violência de gênero.
Futuro do movimento feminista chinês
Ao mesmo tempo, a China enfrenta um declínio demográfico e uma queda nas taxas de natalidade.
As autoridades têm apelado às mulheres para que regressem aos papéis familiares tradicionais, com o presidente Xi Jinping a exortar, em 2023, a Federação Nacional das Mulheres da China a “orientar os jovens para uma visão correta do casamento e da família”.
Nesse contexto, o feminismo — com sua ênfase na autonomia e nos direitos reprodutivos — é retratado como subversivo.
Li Maizi reconhece que o movimento enfrenta agora condições mais adversas do que nunca. No entanto, ela continua cautelosamente otimista: “O movimento feminista chinês avança em ondas, com contratempos e resistência ao longo do caminho. Mas onde quer que haja opressão, haverá resistência. O feminismo na China não vai parar”.
O feminismo de hoje, argumenta ela, é descentralizado e menos dependente de organizações formais. Ativistas individuais correm riscos elevados, mas as redes de apoio informais permanecem. O movimento, embora fragmentado, continua a desafiar tanto as normas patriarcais quanto as restrições políticas.
Dez anos após as “Cinco Feministas”, o movimento feminista da China vive um paradoxo: cada vez mais visível nos corações e mentes dos cidadãos comuns, mas duramente silenciado na esfera pública. Sua sobrevivência agora depende da resiliência, criatividade e coragem de indivíduos dispostos a se manifestar — mesmo quando suas vozes são rapidamente apagadas.