Por 4 votos a 1, Primeira Turma do Supremo considerou ex-presidente culpado de liderar organização criminosa para se manter ilegalmente no poder. Outros sete réus, incluindo militares, também foram condenados.O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (11/09) o ex-presidente Jair Bolsonaro por golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

A dosimetria da pena, que pode passar de 30 anos de prisão, segue em discussão. Voto do ministro Cristiano Zanin consolidou a decisão inédita na história do judiciário brasileiro, que ocorre dois anos e oito meses após uma turba de manifestantes invadir e depredar a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Quatro ministros da Primeira Turma do STF entenderam que Bolsonaro foi responsável não apenas por insuflar seus apoiadores a rejeitarem o resultado das urnas, mas também por liderar um plano orquestrado para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades, propagar desinformação sobre o sistema eleitoral, instituir uma intervenção militar e se manter no poder após sua derrota na eleição presidencial de 2022.

Votaram pela condenação Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Isolado, Luiz Fux apresentou divergência, pediu nulidade do processo e inocentou Bolsonaro.

A defesa do presidente ainda pode apresentar embargos de declaração acusando contradição ou omissão dos magistrados. O recurso é avaliado pela mesma Primeira Turma e raramente leva à extinção da condenação.

A decisão poderia subir ao Plenário da Corte se houvesse mais de dois votos divergentes do relator, o que não ocorreu. Juristas discutem, porém, a possibilidade de a defesa questionar a dosimetria da pena no colegiado de 11 ministros.

Apenas após o trânsito em julgado a pena pode ser executada. Bolsonaro segue recluso em prisão domiciliar, investigado por tentativa de obstrução da Justiça.

Outros sete réus que compõem o “núcleo crucial” da trama golpista foram condenados pelos mesmos crimes.

Oito réus condenados, incluindo militares

Além de Bolsonaro, também foram condenados o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022; Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, General Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.

Para os magistrados, eles articularam o plano Punhal Verde e Amarelo, fomentaram manifestações antidemocráticas, cooptaram as Forças Armadas e órgãos de inteligência e usaram sua posição no governo para minar o exercício dos poderes constitucionais.

Como votou cada magistrado

Relator do processo, Moraes concluiu que os réus “praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-Geral da República”. Segundo ele, as investigações apontaram “não haver nenhuma dúvida de que houve tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito” liderada por Bolsonaro.

“Jair Bolsonaro exerceu o papel de líder da organização criminosa, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação do projeto autoritário de poder”, declarou.

Em sua manifestação, Dino também acatou a tese da PGR na íntegra, detalhou a participação de todos os acusados e se manifestou pela condenação dos oito réus. Para o ministro, houve atos executórios para realização da tentativa golpista.

“Não se cuidou de mera cogitação. Não se cuidou de meras reflexões, que foram indevidamente postas em agendas, cadernos e folhas”, afirmou.

A ministra Cármen Lúcia endossou a posição de que Bolsonaro praticou tais crimes na condição de líder da organização criminosa. “Diferente do alegado, ele não foi tragado para o cenário das insurgências. Ele é o causador, ele é o líder de uma organização”, disse.

Fux foi o único a divergir dos demais colegas do órgão. Ele pediu a nulidade do processo e a absolvição de Jair Bolsonaro de todos os crimes, afirmando que não há provas para aceitar acusações contra o ex-presidente.

Para o ministro, a PGR “adotou uma narrativa desprendida dos fatos”. Fux classificou como “ilações” da PGR a afirmação de que teria havido uma ligação de Bolsonaro com os golpistas que depredaram a sede do Supremo, o Congresso e o Palácio do Planalto. O ministro também discordou da acusação de que o ex-presidente foi responsável pela propagação de ataques ao sistema eleitoral.

Por outro lado, pediu a condenação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e do general da reserva Walter Braga Netto.

Último a votar, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, acredita que a trama não se concluiu na cogitação do golpe, mas em ações voltadas para a permanência de Bolsonaro no poder.

“Primeiro, pela tentativa frustrada de coatar a atuação do Judiciário e de interferir nas eleições. Depois, por meio de atos de força que viabilizassem como estopim a deflagração de uma resposta institucional armada com apoio das Forças Armadas e manutenção do grupo no poder”, afirmou.

“Compreendo que a PGR teve êxito em demonstrar que os discursos públicos do ex-presidente não representaram exercício regular do direito de crítica, mas uma estratégia de corrosão progressiva da confiança pública nas instituições democráticas como afirmado na peça ministerial”, continuou.

Dos ataques às urnas à condenação

Os magistrados acataram a tese da Procuradoria-Geral da República (PGR) e o voto do relator Alexandre de Moraes de que a ação criminosa do ex-presidente e de outros sete réus – o núcleo crucial da trama golpista – se iniciou já em julho de 2021, quando Bolsonaro realizou uma live para questionar o sistema eleitoral brasileiro e acusar fraude no pleito em que ele mesmo saiu vencedor.

Na ocasião, apoiadores de Bolsonaro já pediam intervenção militar no país. Naquele ano, além de inaugurar ataques diretos às urnas eletrônicas, o ex-presidente subiu o tom em suas críticas contra o STF e sugeriu que Alexandre de Moraes deveria “se enquadrar ou pedir para sair”.

A queda de braço entre bolsonaristas e ministros do Supremo já havia ganhado fôlego nos dois anos anteriores, quando foram abertos os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que miraram ataques ao Judiciário e pedidos de intervenção militar.

Em julho de 2022, durante uma reunião ministerial, Bolsonaro instou seus ministros a agirem antes da eleição presidencial daquele ano para evitar um cenário caótico no Brasil.

No mesmo mês, convocou embaixadores ao Palácio do Alvorada, exaltou as Forças Armadas e repetiu clamores contra as urnas eletrônicas. Para Moraes, tais situações estabeleceram o interesse público de Bolsonaro de subverter o futuro resultado da eleição, caso não saísse vencedor.

As consequentes investigações iniciadas após o ataque à Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, e a delação premiada do ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, mostraram que um círculo de militares e assessores do ex-presidente articularam um golpe de Estado, desdobrado em diversos núcleos.

O plano envolvia o descrédito ao sistema eleitoral, o financiamento de manifestações antidemocráticas, a minuta de um decreto de um estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a prisão ou assassinato de autoridades, entenderam os magistrados. A Agência Brasileira de Inteligência também foi usada para investigar desafetos de Bolsonaro;

Diversas reuniões e trocas de mensagens entre os membros do núcleo crucial da trama golpista indicam que a articulação chegou a ser colocada em prática, mas esbarrou em resistências dentro das Forças Armadas.

“A organização criminosa já iniciava os atos executórios para se manter no poder independentemente de qualquer coisa e para afastar o controle judicial previsto constitucionalmente. […] A reunião ministerial agravou a atuação contra o Estado Democrático de Direito. Tudo isso constou da minuta do golpe. Prisões, fechamento do TSE, gabinete pós-golpe”, disse Moraes em seu voto.

gq/ (DW, OTS)