Ex-presidente, condenado a 27 anos de prisão, ainda pode apresentar recursos contra a decisão, mas Corte deve avaliar apenas dosimetria da pena. Prisão ocorre após trânsito em julgado.A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, inédita no Judiciário brasileiro, abre uma nova cadeia de decisões a serem tomadas pela Justiça sobre a execução de sua pena.

Por 4 votos a 1, Bolsonaro foi condenado a 27 anos e três meses de prisão, pena que somou também os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Contudo, a execução da prisão não é imediata, pois ainda há prazos regimentais a serem cumpridos, entre eles a possibilidade de recurso. No Congresso, aliados articulam uma tentativa de anistiar os condenados por atos antidemocráticos a despeito da decisão do Supremo.

Julgamento pode subir ao Plenário?

Primeiro, a Corte precisa publicar o acórdão de sua decisão, o que pode ocorrer em até 60 dias da votação. A expectativa, porém, é que a oficialização do despacho seja protocolada anteriormente. A partir disso, a defesa do ex-presidente tem cinco dias para apresentar embargos declaratórios e 15 para embargos infringentes.

Os embargos declaratórios são recursos interpostos quando há divergência no voto dos magistrados que indiquem “obscuridade, dúvida, contradição ou omissão” que devam ser sanadas. São exemplos ambiguidades apresentadas pelos próprios magistrados ou teses da defesa que não foram acatadas ou desqualificadas nos votos.

Neste caso, a divergência aberta pelo ministro Luiz Fux quanto à competência da Primeira Turma para julgar o processo e seu voto pela absolvição de Bolsonaro podem ser usadas pela defesa como justificativa recursal.

Estes embargos, porém, se limitam a corrigir inexatidão dos votos, e comumente levam apenas a mudanças na pena, por exemplo. Raramente o recurso é usado para extinguir uma condenação. Ele é apreciado pelo relator, neste caso, o ministro Alexandre de Moraes, e julgado pela mesma Primeira Turma que condenou o ex-presidente.

Já os embargos infringentes atacam o mérito do julgamento e levam o recurso ao Plenário. Eles foram estabelecidos como possibilidade de recurso quando o STF julgava este tipo de processo exclusivamente no órgão colegiado com os 11 ministros. O objetivo seria corrigir divergências substanciais no acórdão, ou seja, quando ao menos quatro magistrados tomam decisão contrária ao relator.

Desde que as turmas da Corte passaram a também julgar ações penais, mudança ocorrida em 2014 após o julgamento do Mensalão, ficou entendido por jurisprudência que os embargos infringentes só podem ser usados para levar um julgamento ao Plenário quando ao menos dois ministros divergem da tese principal. Neste caso, apenas Fux votou pela absolvição do ex-presidente, o que tornaria nula esta possibilidade recursal.

A decisão que permitiu as turmas analisarem ações contra autoridades com foro privilegiado sofreu mudanças ao longo do tempo, mas ficou consolidada em 2023 diante de uma alteração no regimento proposta pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

Contudo, há uma discussão sobre se seria possível usar o embargo infringente não apenas em casos de mérito, mas também no despacho sobre a dosimetria da pena. Nesta quinta-feira, não houve divergências substanciais na somatória e tipo de pena aplicada ao ex-presidente. Fux se absteve de fixar pena.

A tese de que a decisão sobre a pena possa subir de forma inédita ao Plenário, porém, é majoritariamente rejeitada. Se ocorrer, a execução da prisão de Bolsonaro dependeria da análise dos 11 ministros, que podem decidir por pena mais branda ou mesmo pedir vista, atrasando o processo.

Em nota, a defesa do ex-presidente disse que entrará com os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional.

Onde Bolsonaro será preso?

Antes de esgotados os recursos, o STF pode pedir a prisão preventiva de Bolsonaro, se acreditar que há risco de fuga ou embaraço do processo, por exemplo.

No entanto, o ex-presidente já cumpre prisão domiciliar desde 4 de agosto. A decisão foi imposta por Alexandre de Moraes com base no indiciamento de Bolsonaro por obstrução da Justiça. O juiz entendeu que o ex-presidente violou medida cautelar ao utilizar redes sociais de terceiros.

Se a pena de 27 anos for mantida após o trânsito em julgado, o ex-presidente deverá iniciar sua reclusão em regime fechado, uma vez que a condenação ultrapassa oito anos, conforme estabelecido no artigo 33 do Código Penal.

Ainda não está claro em que local a prisão pode ser executada. Analistas avaliam que o STF pode definir o Complexo da Papuda, em Brasília, como destino. Há também a possibilidade de Bolsonaro ser levado a um quartel militar, uma vez que é ex-militar e tem esta prerrogativa.

A alternativa, porém, é vista com temor devido ao risco de atrair apoiadores à porta de um quartel do Exército, revivendo os acampamentos que culminaram na invasão da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.

Outra possibilidade já aventada é que a pena seja cumprida em isonomia à estabelecida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018, que ficou recluso em uma sala na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O mais provável é que Bolsonaro seja inicialmente levado à sede da corporação em Brasília.

Prisão domiciliar é possível?

Moraes abriu um precedente em maio deste ano quando autorizou o ex-presidente Fernando Collor de Mello a cumprir pena em prisão domiciliar por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Na ocasião, Moraes concedeu “prisão domiciliar humanitária” a Collor devido à idade avançada do réu e diversos problemas de saúde apresentados pela sua defesa.

A decisão foi tomada como exceção, pois o Código do Processo Penal permite a reclusão domiciliar em caso de doença grave apenas para réus maiores de 80 anos.

Bolsonaro, aos 70 anos de idade, vem realizando repetidas cirurgias abdominais como consequência do atentado a faca sofrido em 2022. Sua defesa já afirmous que ele está com a saúde debilitada após ter crises de soluços e vômitos. Sua idade já foi usada como atenuante para diminuição do cálculo da pena.

Se o benefício for estendido a Bolsonaro, ele ainda assim deverá iniciar sua pena em regime fechado, assim como fez Collor, antes de ser transferido à prisão domiciliar.

Congresso pode passar anistia?

No Congresso Nacional, bolsonaristas articulam a apresentação de um projeto de lei que conceda anistia ampla aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. A proposta, porém, pode se estender a Jair Bolsonaro e a outros réus da tentativa de golpe.

O tema ganhou força após a votação no STF. Líderes da oposição na Câmara defenderam à imprensa que a Casa aprove um perdão total, rejeitando a chamada “anistia light” – termo usado para designar um projeto que excluiria Bolsonaro. Apoiadores prometem trabalhar apenas por uma versão de perdão irrestrito.

A discussão também se conecta às sanções impostas pelos Estados Unidos, já que o deputado Eduardo Bolsonaro vinculou o fim das barreiras tarifárias impostas pela Casa Branca à aprovação da anistia no Congresso.

Segundo o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a oposição já reúne votos necessários para aprovar o projeto no Congresso. Mesmo que avance, o texto ainda precisa passar pelo Senado e pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se chegar a essa etapa, Lula pode vetar a proposta, mas a Constituição permite que o Congresso derrube o veto. A medida, no entanto, ainda poderia ser questionada no STF, última instância provável de análise.

gq/cn (OTS)