Solução de baixo custo para lidar com escassez de moradias nas cidades da antiga RDA, prédios pré-fabricados de concreto foram ridicularizados pelo estilo monótono. Agora, esse legado cultural volta a gerar interesse.Torres residenciais feitas de lajes pré-fabricadas de concreto foram construídas em várias partes do mundo durante a segunda metade do século 20. No entanto, esse tipo de construção era particularmente popular na antiga República Democrática Alemã (RDA), a Alemanha Oriental, onde ficou conhecido como Plattenbau [termo equivalente a “edifício pré-fabricado”].

As implicações culturais do Plattenbau são tão especificamente alemãs que o nome dos prédios pré-fabricados permanece sem tradução no título em inglês da exposição Wohnkomplex: life and art in Plattenbau (“Conjunto habitacional: vida e arte no Plattenbau”) em exibição no museu Das Minsk, na cidade alemã de Potsdam, até 8 de fevereiro de 2026.

A exposição explora o legado cultural desses prédios “como espaço de moradia, símbolo de utopias sociais e projeção de mudanças sociais”, segundo a apresentação da exposição. “O Plattenbau não é visto apenas como patrimônio arquitetônico, mas também como um espaço cultural de ressonância que levanta questões sobre pertencimento, comunidade e memória.”

O curador da exposição, Kito Nedo, que nasceu em Leipzig, no leste da Alemanha, na década de 1970 – como ele mesmo diz, “durante o auge das construções” desses edifícios – só percebeu mais tarde como esses conjuntos habitacionais serviam como “ambiente de socialização” em sua própria vida. Como tantas pessoas foram alojadas em acomodações semelhantes, grande parte da população alemã compartilha uma “memória coletiva” que se reflete em algumas das obras de arte da exposição, explicou Nedo à DW.

Como os blocos residenciais continuam sendo uma característica definidora – e divisiva – das paisagens urbanas da antiga Alemanha Oriental, o objetivo do curador com a exposição é deixar que as obras de arte falem por si, permitindo que os visitantes revisitem as muitas facetas dos Plattenbau, sem esquecer que os conjuntos habitacionais também serviram como palco de “uma dolorosa transformação” desencadeada pela reunificação alemã.

Escassez de moradias: uma crise sem fim

Encontrar um lugar acessível para morar nas grandes cidades “tem sido uma questão preocupante há pelo menos 200 anos”, aponta o curador. Hoje em dia, a crise imobiliária parece estar se agravando em várias partes do mundo.

A escassez de moradias foi sem dúvida um grande problema após a Segunda Guerra Mundial, que deixou muitas cidades destruídas por bombardeios, enquanto um grande fluxo de refugiados alemães do leste do país agravava a situação no oeste.

Modernizar prédios antigos era muito caro; os apartamentos Altbau (construções antigas do período pré-guerra) eram aquecidos a carvão, muitas vezes não tinham água quente encanada e os banheiros eram compartilhados entre os apartamentos.

Como alternativa, o Comitê Central do Partido da Unidade Socialista lançou seu Programa de Construção de Apartamentos em outubro de 1973, prometendo resolver a crise imobiliária em 20 anos, com as ansiosas para ter acesso a uma das moradias recém-construídas. Os Neubau (“novas construções”) não eram vistos apenas como uma solução moderna para fornecer moradia a um grande número de pessoas, mas também eram promovidos pelo governo da Alemanha Oriental como uma utopia socialista.

Como parte dessa visão idealista, escolas, jardins de infância, zonas comerciais, centros culturais ou clubes de jovens foram integrados aos complexos residenciais. Os aluguéis, subsidiados pelo Estado, eram mantidos extremamente baixos. “É claro que, economicamente, não era viável”, observou Nedo.

“Palco para uma transformação dolorosa”

Então, em 1989, caiu o Muro de Berlim, “e, de repente, a utopia se transformou em uma distopia total”, disse o curador.

Com a reunificação da Alemanha, muitas das indústrias estatais da RDA foram desmanteladas, levando a uma alta taxa de desemprego nos aglomerados urbanos do Leste, que haviam sido desenvolvidos para famílias da classe trabalhadora.

O crescente desespero se manifestou através do extremismo: a era ficou conhecida como “os anos dos bastões”, em referência ao aumento de ataques de neonazistas, que frequentemente usavam esses objetos como armas. O número de crimes violentos de extrema direita disparou, culminando em revoltas xenófobas em cidades como Hoyerswerda e Rostock-Lichtenhagen.

Este aspecto mais sombrio do legado do Plattenbau também é explorado na exposição em Potsdam, inclusive através de uma instalação de Henrike Naumann, artista que também foi selecionada para representar a Alemanha na Bienal de Veneza em 2026.

Em sua instalação de técnica mista Triangular Stories (Amnesia & Terror) (“Histórias triangulares [amnésia e terror]”, em tradução livre), Naumann recria dois cantos de cômodos dos apartamentos de um Plattenbau e retrata, por meio de vídeos, dois grupos de jovens do início dos anos 1990. Um deles é um grupo de ravers drogados; e no outro, três neonazistas se encontram numa versão encenada dos jovens que fundariam a organização terrorista Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU, na sigla em alemão) alguns anos depois.

Arte que permite interpretações pessoais

De modo geral, Nedo tenta deixar as obras de arte falarem por si. Sua seleção se concentra em obras que expressam certa ambivalência e permitem diferentes interpretações.

Entre elas, o artista berlinense Markus Draper recria em sua obra Grauzone (“Zona cinzenta”) os esqueletos de prédios pré-fabricados sem rosto. Mas não são apenas retratos aleatórios. Seus moldes de zinco são uma reprodução dos blocos de apartamentos nos quais os terroristas do grupo guerrilheiro Fração do Exército Vermelho (RAF) se esconderam na década de 1980 com a ajuda da Stasi, a polícia secreta da RDA. O RAF foi responsável por uma série de atos terroristas na Alemanha entre os anos 1970 e 1980.

O curador da exposição também se comove particularmente com uma série de pinturas e desenhos da artista Sabine Moritz. Neles, ela reproduz de memória detalhes de sua infância na década de 1970 em Lobeda, um subúrbio de casas pré-fabricadas em Jena. No leste da Alemanha. Embora o estilo dos desenhos seja infantil, suas lembranças pessoais são muito precisas, refletindo, ao longo do caminho, as memórias de muitas outras pessoas que viveram em áreas semelhantes aos Plattenbau – afinal, quase um quarto da população total da RDA viveu em algum momento nesses conjuntos habitacionais.

Após décadas sendo visto como um resquício problemático dos fracassos da RDA, o Plattenbau está de volta aos holofotes, com diversas exposições revisitando o legado arquitetônico da época, incluindo a recente Planos e sonhos – desenhados na RDA, no Museu de Desenho Arquitetônico de Berlim, o Betonfestival (“Festival de concreto”) em Chemnitz, de 27 de setembro a 9 de outubro; e a Platte Ost/West (“Edifício pré-fabricado Leste/Oeste”) no Stadt Museum de Dresden, de 15 de novembro de 2025 a 14 de agosto de 2026.

Nedo assegura que não se trata de celebrar a Ostalgie – termo em alemão que reúne as palavras “Leste” (Ost) e “nostalgia” (Nostalgie) em alemão que denota um sentimento nostálgico em relação à antiga Alemanha Oriental. Mas, como os bairros do Plattenbau foram negligenciados e esquecidos por grande parte da população, ele vê essas exposições como oportunidades para chamar a atenção para esses lugares, “e talvez como um chamado para lidarmos com eles”.