Assinatura dos Acordos de Abraão, mediados por Trump em 2020, normalizou relações diplomáticas entre Israel e países árabes. Mas ataque do Hamas, guerra em Gaza e impasse na solução de dois Estados os colocam à prova.Em 15 de setembro de 2020, os ministros do Exterior dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Bahrein e o primeiro-ministro de Israel se reuniram na Casa Branca, acompanhados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, então em seu primeiro mandato, para formalizar os Acordos de Abraão, que marcariam a normalização das relações entre Israel e as duas nações árabes.

Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein foram os primeiros países árabes a normalizarem suas relações diplomáticas com Israel desde a Jordânia, em 1994, e o Egito, em 1979, rompendo um consenso regional de longa data de que a normalização exigia a resolução do conflito israelo-palestino e a implementação da solução de dois Estados.

Os próximos a aderirem aos acordos foram o Marrocos, em dezembro de 2020, e o Sudão, em janeiro de 2021, embora a instabilidade política persistente nesse país tenha atrasado a implementação completa.

“Israel e os países signatários dos Acordos de Abraão se beneficiaram muito desses acordos de paz históricos”, diz o analista Asher Fredman, do think tank israelense Misgav Institute for National Security. Ele destaca as áreas de agricultura inteligente, medicina de precisão, inteligência artificial e cidades inteligentes, bem como o aumento do turismo e do comércio e a cooperação entre serviços de informações.

Ataque terrorista do Hamas mudou tudo

Mas aí ocorreu o ataque do grupo extremista Hamas em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra em Gaza e um elevado número de mortes entre a população palestina. “Com o ataque, surgiu a questão se os Acordos de Abraão sobreviveriam”, diz Fredman.

A expectativa dos Estados Unidos era de que o impulso no comércio e nos investimentos levaria outros Estados árabes, sobretudo à potência regional Arábia Saudita, a mais rica de todos, a aderirem aos acordos.

Mas, desde o ataque de 7 de Outubro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e sua coalizão de ultradireita intensificaram sua rejeição a uma solução de dois Estados, e Riad insiste que não pode haver normalização de relações com Israel sem um caminho claro para a criação de um Estado palestino.

Nesta segunda-feira (15/09), durante uma cúpula de emergência de líderes árabe-islâmicos em Doha, convocada após o ataque de Israel a uma delegação do Hamas na cidade, o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, acusou Israel de se recusar a alcançar a paz com os vizinhos árabes e de “impor seu poder” sobre eles.

Acordos sob pressão

O analista Emily Tasinato, especialista em Golfo Pérsico, diz que os acordos visavam inicialmente não apenas fortalecer os laços com os EUA, mas também conter a influência regional do Irã. “Cinco anos depois, a situação parece ser outra”, observa. “O Irã tornou-se cada vez mais vulnerável e militarmente enfraquecimento, e sua influência regional está sob pressão”, diz. Ele ressalva que a desconfiança continua marcando as relações entre o Irã e os países do Golfo Pérsico, mas Israel parece, cada vez mais, assumir o papel de “vilão”.

No dia 8 de setembro, a representante dos Emirados Árabes Unidos declarou, num fórum em Abu Dhabi, que “a anexação do território palestino por Israel, se continuar, não só fechará a porta à paz e à integração, como trairá o próprio espírito dos Acordos de Abraão”. Ela acrescentou que os acordos, quando assinados, foram uma “declaração de convicção de que a desconfiança pode dar lugar à coexistência” no Oriente Médio. “Hoje essas esperanças estão sendo postas à prova.”

Isso foi um dia antes de Israel realizar ataques aéreos contra a liderança do Hamas em Doha, no Catar. O Hamas é classificado como uma organização terrorista pela Alemanha, União Europeia, Estados Unidos e alguns países árabes. Os ataques mataram cinco oficiais de escalão inferior do Hamas e um oficial de segurança local.

O ataque israelense em Doha, que mirou um grupo de negociadores do Hamas, tornou ainda mais incerto o futuro dos Acordos de Abraão, comenta a analista Burcu Ozcelik, do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI). “Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein enfrentam pressão para defender seu status de signatários e certamente recriminam as autoridades israelenses por colocá-los numa posição tão indesejável”, observa.

Após o ataque, os Emirados Árabes Unidos proibiram empresas de defesa israelenses de participar de um show aéreo em Dubai, alegando temores com a segurança. Autoridades dos EAU também criticaram os planos israelenses de anexar grandes partes da Cisjordânia, o que, segundo eles, poderia comprometer as relações bilaterais e os esforços dos EUA para expandir os acordos de Abraão.

Reconstrução da Faixa de Gaza

Tasinato considera, porém, improvável que os Emirados se retirem totalmente dos acordos. Fredman concorda. “Podemos afirmar com certeza que os Acordos de Abraão sobreviveram e se mostraram resilientes”, destaca.

Ele destaca que o comércio entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, o Marrocos, o Bahrein, o Egito e a Jordânia cresceu significativamente com os acordos, mesmo com o ataque terrorista de outubro de 2023.

Ele apresenta números comparativos que mostram que, entre 2023 e 2024, o comércio de Israel com os Emirados Árabes Unidos aumentou 10%, com o Marrocos, 40%, e com o Bahrein, 843%. Até mesmo com o Egito houve alta, de 31%, e com a Jordânia, de 7%.

Quanto ao primeiro semestre de 2025, o comércio de Israel com Marrocos, Egito e Jordânia continua a crescer, enquanto os negócios com os Emirados Árabes Unidos retornaram ao patamar de 2023.

Fredman diz ainda que os Acordos de Abraão oferecem uma vantagem fundamental no que diz respeito à reconstrução da Faixa de Gaza. “Seja o plano Riviera de Trump, seja o plano de reconstrução egípcio, vastas quantidades de material terão de passar por Israel, o que exigirá uma coordenação estreita”, diz.

Porém, desde que os Acordos de Abraão foram assinados, há cinco anos, nenhum outro país árabe aderiu, embora Trump tenha pressionado por acordos com a Arábia Saudita, o Líbano e a Síria.

“No segundo mandato de Donald Trump, apesar da elevada confiança na Casa Branca de que os acordos serão expandidos sob a combinação certa de incentivo e pressão, a realidade não chegou nem perto disso”, diz Ozcelik.

Para ela há um grande risco de que o atual governo israelense mine o plano, que Trump vê como uma de suas principais conquistas na política externa, já que o “o custo de aderir aos Acordos de Abraão aumentou exponencialmente para qualquer país árabe” diante da “escalada do militarismo israelense e da sufocação da solução de dois Estados”.