16/09/2025 - 11:29
Nem mesmo a princesa de Gales ou artistas consagradas estão livres de ataques misóginos online. E a mídia e as plataformas digitais desempenham um papel importante nessa dinâmica.A internet ficou em polvorosa quando Kate Middleton apareceu com o cabelo alguns tons mais loiro, no início de setembro. Logo brotou uma corrente de comentários depreciativos, alguns especulando se tratar de uma peruca, ou uma tática para esconder os fios brancos. O fato de a princesa de Gales ter sobrevivido ao câncer há menos de um ano quase se perdeu em meio à comoção em torno de suas madeixas.
No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao apresentar em março a nova ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse – a uma plateia essencialmente masculina – que escolheu uma “mulher bonita” para diminuir a distância com os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. A ministra minimizou a gafe, mas a fala infeliz reverberou na internet, com comentários negativos sobre sua aparência.
“Independentemente da posição que as mulheres ocupam, elas são sempre avaliadas primeiro pela aparência, e sempre com o subtexto: ‘Uma mulher forte precisa parecer bonita’. As meninas aprendem isso desde o jardim de infância, quando são elogiadas por um vestido bonito, enquanto os meninos não recebem comentários sobre suas roupas”, diz Maya Götz, diretora do Instituto Central Internacional para Juventude e Televisão Educativa, à DW.
Por trás dessa fixação existe uma estrutura de poder: “Isso causa grandes problemas para meninas e mulheres jovens — e abre oportunidades para que outras pessoas exerçam poder sobre elas.”
A mídia como amplificadora
Outro exemplo recente é da cantora pop Nelly Furtado. Com alguns quilos a mais, ela subiu ao palco com confiança e roupas curtas em sua última turnê, encerrada em agosto com um show em Munique. Prestes a lançar um novo disco, não faltaria assunto sobre a artista – mas uma pesquisa rápida na internet mostra que não é por suas músicas que Nelly tem sido citada.
“Isso se chama sexismo!” afirma sem rodeios Margreth Lünenborg, professora de estudos de mídia na Universidade Livre de Berlim. “As mulheres sofrem muito mais hostilidade agressiva, foco no corpo e vergonha nas redes sociais do que os homens”, disse à DW.
Lünenborg vê ligação entre o alto grau de atenção pública ao corpo das mulheres e a consequente tendência de autoaperfeiçoamento — levando cada vez mais mulheres a buscar procedimentos cirúrgicos. “Ser constantemente observada online leva a ajustes na imagem pessoal massivos, o que significa mudanças e alterações cada vez maiores no corpo.”
Estruturas de poder
A mídia e as plataformas digitais também desempenham um papel importante nessa dinâmica. Lünenborg explica: “Os algoritmos classificam certas imagens corporais no topo, enquanto outras desaparecem na periferia. A mídia intensifica o que é considerado atraente — e rotula os outros como esquisitos ou feios, para que a beleza brilhe ainda mais por contraste”.
A jornalista cultural e escritora Rabea Weihser aponta para padrões históricos: “As mulheres nas sociedades ocidentais são julgadas pela aparência há séculos. Durante o Iluminismo, por exemplo, as mulheres eram definidas como criaturas da natureza e os homens como criaturas da mente”, diz ela à DW. “Esses clichês persistem até hoje.”
Muito esforço em prol da beleza
A forma como a atratividade é definida ainda é um tanto arcaica, diz Weihser. Seu novo livro, “Wie wir so schön wurden” (“Como ficamos tão bonitos”, em tradução livre do alemão), investiga o tema da beleza através das lentes da história cultural, da ciência e da mídia. “É particularmente importante para as mulheres continuarem parecendo jovens e férteis, quer ainda estejam em idade fértil ou tenham mais de 45 anos”, explica ela. “É um grande paradoxo que se espere que as mulheres pareçam ter 25 anos para sempre.”
Para corresponder a essas expectativas, muitas mulheres — e não apenas celebridades — fazem um enorme “trabalho de beleza”. Elas investem tempo e dinheiro para se aproximarem dos padrões de beleza irrealistas da sociedade. Em todo o mundo e em todas as culturas, elas se julgam com base em modelos influentes — grupos ou indivíduos cujas vidas consideram desejáveis.
“No passado, isso costumava ser principalmente a nobreza”, diz Weihser, “enquanto hoje são pessoas como Kim Kardashian, que regularmente define tendências por meio de seu próprio estilo e o usa para comercializar produtos. Isso transmite a mensagem: ‘Se você comprar tudo, será tão bonita quanto eu e terá a chance de ter uma vida igualmente bem-sucedida’. A atratividade é muitas vezes uma falsa promessa de felicidade”.
Rabea Weihser vê um sinal importante na atitude de Nelly Furtado: “Em primeiro lugar, afirmar-se é muito saudável. Mas isso não resolve o problema dos haters compulsivos. Precisamos de mais figuras públicas que defendam o glamour, ao mesmo tempo que mostram que são pessoas reais. Essa impressão às vezes se perde em meio a todos os corpos artificialmente aprimorados e retocados.”
“Para as jovens, é extremamente difícil se afirmarem quando enfrentam assédio online. Elas se veem como o problema. É por isso que os modelos são importantes — mulheres que mostram claramente: você não é o problema — são aqueles que te atacam”, explica Maya Götz.
Influenciadoras como Tara-Louise Wittwer (também conhecida como @wastarasagt) ou Louisa Dellert se mostram incansavelmente para seu público no Instagram, enquanto respondem aos haters com humor e tranquilidade. Todos os dias, elas incentivam milhares de meninas e mulheres a se valorizarem.
Seja por causa dos saltos altos em Manhattan, da cor do cabelo ou das mudanças no corpo, as mulheres são avaliadas com base em critérios que dificilmente se aplicam aos homens. Os pesquisadores concordam: não se trata apenas de fofoca, mas de poder, estruturas e imagens que afetam a vida de meninas e mulheres em todo o mundo.