22/09/2025 - 19:45
Novo relatório das Nações Unidas afirma que a vida dentro do regime norte-coreano piorou na última década. Pyongyang usa leis severas e acesso a alimentos para manter a população sob controle.A população da Coreia do Norte sofre a repressão mais severa do mundo, com a pena de morte supostamente sendo aplicada para casos de compartilhamento de conteúdos de mídia estrangeiros, incluindo programas populares da televisão sul-coreana, afirma um novo relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (Acnudh).
O documento de 14 páginas detalha como a vida do cidadão norte-coreano comum se tornou significativamente mais difícil na última década.
O relatório foi baseado em entrevistas com cerca de 300 pessoas que conseguiram desertar da Coreia do Norte, em meio à recusa de Pyongyang em conceder acesso aos investigadores da ONU. O governo norte-coreano rejeitou as conclusões do documento.
O relatório constatou, entre outras coisas, que o regime “continuou a exercer controle total sobre a população e restringiu severamente o gozo dos direitos e liberdades fundamentais, deixando as pessoas incapazes de tomar suas próprias decisões políticas, sociais ou econômicas”.
Leis draconianas sobre conteúdo externo
O relatório também identifica três leis “que criminalizam o acesso a informações estrangeiras não autorizadas e proíbem o consumo ou a disseminação de informações [por exemplo, por meio de publicações, músicas e filmes] de nações ‘hostis’ e o uso de expressões linguísticas que não estejam em conformidade com a ideologia e a cultura socialistas prescritas”.
“Essas leis levantam sérias preocupações sobre restrições ilegais ao direito à liberdade de opinião e expressão”, diz o documento. “Elas também preveem punições severas, incluindo a pena de morte, para discursos protegidos.”
O uso da pena de morte para assistir a filmes estrangeiros ou ouvir música da Coreia do Sul é mais severo do que assassinato e “contrário ao direito à vida”, afirma o relatório.
James Heenan, chefe do escritório de direitos humanos da ONU para a Coreia do Norte, disse que um número não especificado de pessoas já foi executado sob as novas leis por distribuir séries de TV estrangeiras, incluindo os populares K-Dramas de seu vizinho ao sul.
“Sessões de autocrítica”
As eleições são em grande parte simbólicas, afirma o relatório, acrescentando que os cidadãos são obrigados a participar de frequentes “sessões de autocrítica”, além de passar por constante doutrinação. O relatório também observa que a liberdade de movimento está cada vez mais restrita, e os desertores relatam tortura e maus-tratos nos centros de detenção.
“Muitos relataram ter testemunhado mortes na prisão, principalmente como resultado de tortura e maus-tratos, excesso de trabalho, desnutrição e suicídio”, constatou, além de grave falta de alimentação e assistência médica nos centros de detenção.
Kim Eujin fugiu da Coreia do Norte com sua mãe na década de 1990 e agora trabalha com organizações de desertores em Seul. Após várias conversas com recém-chegados – cujo número diminuiu nos últimos anos devido à maior vigilância do governo norte-coreano contra possíveis fugitivos – ela concorda que a situação que já era terrível no Norte está piorando.
“O governo controla todas as partes da vida das pessoas, é assim que as controla”, disse Kim à DW.
“O governo alterou a lei recentemente, tornando ilegal para pessoas comuns venderem arroz, milho ou outros alimentos básicos no mercado”, contou. “Agora, a única maneira de obter essas necessidades básicas é ir às lojas do governo, onde os preços são mais altos.”
Controle total da população
“Tanto o povo quanto o governo sabem que, se o regime controlar os alimentos, poderá tornar a vida ainda mais difícil para quem não seguir suas regras”, disse ela.
As mudanças mais draconianas, porém, ocorreram em torno de influências estrangeiras na vida das pessoas, disse Kim.
“Pessoas podem ser executadas por assistir a conteúdo do exterior ou compartilhá-lo com outras pessoas”, afirmou. “Existem tantas leis que podem ser usadas para punir as pessoas. É um controle total.”
Além da proibição total de filmes, programas de televisão e músicas estrangeiros, a repressão se estendeu a cortes de cabelo que não estão na lista de estilos aprovados pelo Estado, roupas que parecem estrangeiras ou são usadas em um estilo que pode ser considerado estrangeiro, ou o uso de palavras ou termos usados no Sul.
“As leis são muito mais rigorosas agora, mas acho que isso significa apenas que as anteriores não funcionaram, e a introdução de novas leis mostra que [o líder norte coreano] Kim Jong-un está com medo do que acontecerá se mais pessoas de seu país virem como se vive fora da Coreia do Norte”, disse Kim Eujin.
Outros grupos que têm feito campanha pelos direitos humanos no Norte concordam com o relatório da ONU. No entanto, Song Young-Chae, acadêmico sul-coreano e ativista da Coalizão Mundial para pôr fim ao Genocídio na Coreia do Norte, disse que palavras por si só não conseguem descrever as dificuldades que os cidadãos do Estado mais recluso do mundo vivenciam.
“A situação dos direitos humanos no Norte definitivamente piorou e não gosto de pensar na maneira como as pessoas de lá estão vivendo”, disse ele. Por outro lado, segundo afirmou, podemos ver essas repressões sobre o que as pessoas assistem ou ouvem e a forma como o acesso à comida é limitado como um sinal de fraqueza do regime.
“Se a liderança sentisse que tinha controle total sobre o povo e a sociedade, não precisaria aumentar a pressão sobre as pessoas comuns”, afirmou Song.
Ele, porém, admite que é difícil encontrar uma solução para os desafios de direitos humanos na Coreia do Norte, com alguns sugerindo que uma oferta maior de assistência por parte do mundo exterior poderia elevar o padrão de vida da população e “fazer com que o regime se sentisse mais seguro, já que as pessoas estariam mais satisfeitas”.
Laços mais estreitos com Rússia e China
Song, no entanto, concorda que o aprofundamento dos laços comerciais e de segurança de Pyongyang com a Rússia e a China sugere que o país não precisa mais de assistência de outros lugares e que continuará no caminho do regime autoritário.
Kim Eujin também está dividida entre cooperar com Pyongyang para ajudar o povo de sua terra natal e manter a pressão sobre o regime.
“Estou muito decepcionada com as políticas do novo governo da Coreia do Sul, que interrompeu todas as transmissões de rádio para o Norte”, disse. “Essas transmissões eram uma das únicas maneiras pelas quais as pessoas ali poderiam obter informações sobre o que estava acontecendo no mundo exterior.”
“Me preocupo que este governo tente resolver seus problemas com o Norte sendo apenas gentil”, disse. “Mas isso é ser gentil com o regime, não com o povo.”
O relatório da ONU também encontrou algumas melhorias limitadas, como a redução do uso de violência por guardas em centros de detenção e novas leis que parecem fortalecer as garantias de julgamentos justos.