30/09/2025 - 17:03
Após vários países asiáticos terem passado por transformações políticas lideradas por uma geração nascida na era digital, manifestações do tipo chegam ao Peru e Paraguai, sob forte repressão policial.Uma fúria juvenil tem percorrido diversos lugares do mundo. Do Nepal à Indonésia, passando pelas Filipinas, Bangladesh e Sri Lanka, vários países asiáticos viram seus jovens irem às ruas manifestar seu descontentamento com a corrupção e a desigualdade – e serem reprimidos com violência. Nas últimas semanas, os protestos chegaram também à América Latina.
No Peru, os jovens estão no centro das recentes mobilizações de repúdio à presidente Dina Boluarte, seu governo e o Congresso, sob o lema “O povo se levanta, dia do despertar peruano”.
Os protestos eclodiram em 20 de setembro, após reformas no sistema de pensões do país que exigem que todos os peruanos com mais de 18 anos se filiem a um fundo de pensão. No último sábado, mais manifestações ocorreram, acompanhadas de forte reação policial, que deixou dezenas de feridos.
O movimento também foi insuflado pela raiva de longa data contra Boluarte e o Congresso, alimentada por escândalos de corrupção, instabilidade econômica e aumento da criminalidade.
Pesa ainda a impunidade em relação às dezenas de manifestantes mortos pelas forças de segurança peruanas quando a presidente assumiu o poder, no fim de 2022, após o ex-presidente Pedro Castillo ter sido destituído do cargo e preso preventivamente. Ele é acusado de ter organizado um golpe de Estado, ao tentar dissolver o Congresso e governar por decreto.
Alvo de uma dezena de investigações – por repressão policial e omissão em declarar joias e relógios de luxo que ganhou de presente, para citar dois exemplos –, Boluarte está entre os governantes mais impopulares do mundo. Sua taxa de aprovação é de apenas 2,5%, segundo relatório de julho do Instituto de Estudos Peruanos. O Congresso conta com 3% de aprovação.
Juventude ativa no Paraguai
No domingo (28/09) foi a vez do Paraguai, um dos países mais corruptos da América Latina, de acordo com o Índice de Percepção da Corrupção 2024 elaborado pela Transparência Internacional.
Os manifestantes tomaram o centro de Assunção em resposta a um chamado divulgado nas redes sociais. A concentração aconteceu em frente ao Congresso, e uma marcha seguiu pelas ruas da capital. O lema do protesto foi “Somos 99,9%. Não queremos corrupção”.
“Há muito cansaço por parte dos jovens diante da corrupção estatal, da má gestão do Estado, do nepotismo descarado. Todos os dias vemos que parentes e pessoas relacionadas a políticos entram no setor público. Isso causa muita frustração e muita raiva, assim como a ausência de políticas adequadas. Enquanto o partido do governo se dedica à sobrevivência partidária, não há suprimentos nos hospitais. Há uma raiva muito grande diante da cooptação da política do Estado por parte do narcotráfico”, disse à DW Lilian Soto, médica, política e ativista feminista.
“One Piece”
Um símbolo está presente em toda essa leva de manifestações: uma caveira com um chapéu de palha, do popular mangá japonês “One Piece”, sobre piratas caçadores de tesouros.
No anime de 1997, a bandeira é carregada por um bando de piratas de chapéu de palha que enfrentam governantes corruptos e repressivos. A imagem acabou se tornando um emblema de rebeldia e esperança para os manifestantes da geração Z em toda a Ásia, e além.
Na Indonésia, a bandeira é vista pendurada do lado de fora de casas e carros. No Nepal, foi colocada nos portões dourados do palácio que abriga o parlamento – em chamas –, enquanto os jovens derrubavam o governo. Agora ela tem sido vista no Peru e no Paraguai.
Leonardo Munoz é um dos manifestantes em Lima que abraçou o símbolo.
“O personagem principal, Luffy, viaja de cidade em cidade libertando pessoas de governantes tirânicos e corruptos em cidades de escravos”, disse Munoz à agência de notícias Reuters. “Isso representa o que está acontecendo em vários países. É o que está acontecendo agora no Peru.”
Os protestos estão ocorrendo em um contexto mais amplo, no qual as democracias em todo o mundo estão sob pressão, e seguem os esforços do governo para enfraquecer tribunais, órgãos de fiscalização e promotores, aponta Jo-Marie Burt, professora visitante do programa de estudos latino-americanos da Universidade de Princeton, para a Reuters.
“Isso lembra muito o que aconteceu na década de 1990, durante o governo Fujimori, quando o sistema judiciário foi essencialmente capturado para consolidar o controle autoritário.”
Os protestos anteriores no Peru ajudaram a “impedir que as instituições fossem tomadas” e até derrubaram presidentes, aponta.
Redes e repressão
“Há informação e comunicação sobre o que acontece em outros lugares. O que é novo neste protesto dos jovens no Paraguai é a forma de se organizar”, ressalta Lilian Soto.
As redes sociais fervilharam após os protestos em Assunção, denunciando uma repressão violenta por parte das forças de segurança, com mais de 30 prisões. “Entre 500 e 1.000 pessoas participaram e houve um destacamento de mais de 3.000 policiais, que perseguiram as pessoas uma a uma quando elas já estavam voltando para casa”, denuncia Soto.
“Houve operações policiais de perseguição em batidas nas quais as forças públicas saíram à caça de manifestantes sem ordem judicial, sem autos, sem o devido processo legal, deixando as pessoas detidas por mais de doze horas, sem a presença de um promotor, com claros exemplos de abuso de força”, avalia Leonardo Berniga.
A polícia, por sua vez, defendeu sua atuação, dizendo que as detenções foram por “desordens” ou por “agressões contra agentes”.