02/10/2025 - 10:38
Iniciativa Rios da Onça-Pintada propõe unir áreas ecológicas na bacia do rio Paraná, para proteger, restaurar e reconectar uma área de 2,5 milhões de km2 entre Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai.”Se queres ir rápido, vai sozinho; se queres ir longe, vai acompanhado”, diz o conhecido provérbio africano. Com base nessa premissa, quatro organizações de Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai uniram forças para lançar um projeto ambicioso. A Iniciativa Rios da Onça-Pintada (Iniciativa Ríos del Yaguareté, em espanhol) propõe a criação de um corredor de proteção da vida selvagem em escala continental ao longo da bacia do rio Paraná, com o objetivo de proteger, restaurar e reconectar uma área de 2,5 milhões de quilômetros quadrados ao longo de 20 anos.
A bacia do rio Paraná é a segunda maior bacia de água doce da América do Sul e se estende pela Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai, conectando as ecorregiões de Yungas, Gran Chaco, Mata Atlântica e Pantanal, que reúnem uma diversidade de ecossistemas que vão desde bosques ribeirinhos e florestas subtropicais até savanas e áreas úmidas.
“A biodiversidade que abriga é extraordinária: onças, ariranhas, antas, veados-do-pantanal, queixadas, tamanduás e inúmeras aves aquáticas. Espécies-chave, como dourados e outras espécies pesqueiras importantes, vivem em seus rios”, disse Matías López Bertram, otimizador de processos da organização boliviana Nativa.
Apresentada na Semana do Clima em Nova York, a iniciativa, que envolve a Fundação Rewilding (Argentina), Onçafari (Brasil), Nativa (Bolívia) e Fundação Moisés Bertoni (Paraguai), baseia-se no papel dos rios como corredores de vida selvagem.
“Entendemos que esta é a única maneira de a vida selvagem se deslocar de um lugar para outro e ocupar o território que ocupava anteriormente, já que não é mais possível se deslocar em terra”, disse Marisi López, coordenadora argentina da Rios da Onça-Pintada, destacando a fragmentação do território e o fato de que a vida selvagem não conhece fronteiras.
“A bacia do rio Paraná é composta por grandes rios de cada país participante da iniciativa. Esses rios fornecem refúgio e um meio para muitas espécies percorrerem longas distâncias com segurança”, disse Diego Giménez, biólogo da Fundação Moisés Bertoni, no Paraguai, destacando a onça-pintada e a ariranha.
Onça-pintada como emblema
A iniciativa leva o nome da onça-pintada por vários motivos. “Devido à sua influência nos ecossistemas onde está distribuída, é uma espécie-chave para impactar positivamente outras espécies e habitats onde está distribuída”, explica Giménez. “Sua capacidade de percorrer longas distâncias, ocupar vastos territórios e regular espécies de presas a torna uma espécie emblemática para canalizar nossos objetivos e ações da iniciativa”, acrescenta o paraguaio.
No entanto, há apenas uma pequena população vivendo em áreas isoladas dos rios Paraná, Bermejo e Pilcomayo, pois “elas estão praticamente em extinção em toda a América do Sul”, lamenta Mário Haberfeld, fundador da organização brasileira Onçafari.
Daí o esforço coletivo para reconectar as populações existentes através dos rios Paraguai e Iguaçu. “No Pantanal, parte da Amazônia, é onde se encontra o maior número de onças-pintadas”, enfatiza o fundador da organização brasileira. Depois de criar um par de corredores no norte e no sul do Pantanal, eles estão trabalhando na região das Cataratas do Iguaçu, “onde precisamos de onças para dispersar a população” destes animais. “A premissa é que, se houver uma boa área protegida a cada 150 quilômetros, é suficiente para os animais intercambiarem seus genes”, acrescenta.
Conservação com envolvimento comunitário
Para atingir o objetivo da iniciativa, além dos rios, são necessárias “arcas”, zonas de amortecimento e “trampolins”.
“São como as arcas de Noé, onde espécies extintas retornaram e onde o número de indivíduos em cada população aumentou, permitindo que chegassem a outras regiões que ainda não as possuem ou onde têm uma representatividade muito baixa”, explica Marisi López, coordenadora argentina da iniciativa. Essas arcas, que são áreas protegidas, são cercadas pelas chamadas zonas de amortecimento, onde atividades econômicas sustentáveis promovem a coexistência com a vida selvagem.
“Queremos trabalhar em estreita colaboração com as comunidades, a população local da área, e a ideia é que elas se beneficiem da natureza, por exemplo, trabalhando com ecoturismo, obtendo empregos mais bem remunerados, trabalhando pela natureza e não contra ela”, ressalta Haberfeld.
Nesse sentido, outra possibilidade para as comunidades é “se tornarem produtoras de algum elemento que a própria floresta oferece, como a alfarrobeira da Impenetrable, [na província argentina] do Chaco, ou outro tipo de produção que apoie a conservação dessa floresta”, acrescenta López.
Da mesma forma, para os “trampolins”, que são pontos intermediários, compostos por grandes extensões de terra, “serão realizadas ações ativas de conservação com os proprietários, que envolverão pesquisa e convivência entre humanos e fauna local”, enfatiza Giménez.
Plano ambicioso que requer financiamento
Nos primeiros cinco anos, os esforços se concentrarão na consolidação das reservas e nas ações iniciais em zonas de amortecimento. Isso incluirá “aquisição e proteção de terras e a redução de ameaças como incêndios, caça ilegal e pecuária”, afirmou López Bertram, acrescentando outras medidas, como o “início de programas de reintrodução e suplementação de espécies”.
Enquanto os próximos cinco anos verão a expansão das áreas de amortecimento e pontos intermediários, os últimos dez anos se concentrarão na restauração de rios em larga escala e na recuperação de espécies como a onça-pintada, a ariranha e o cervo-do-pantanal.
“Trabalhar em conjunto entre quatro países da região nos permite abordar as diferentes ameaças na escala adequada; caso contrário, é muito difícil enfrentar grandes ameaças que não reconhecem fronteiras”, disse Iván Arnold, diretor executivo da Nativa.
Dessa forma, essas ações em larga escala contribuirão para o enfrentamento de problemas como poluição de rios, grandes incêndios e a crise climática, e serão complementadas pelas medidas específicas que cada organização planejou implementar em seu país.
No entanto, a iniciativa, que se estenderá por 20 anos, requer um total de 400 milhões de dólares (R$ 2,1 bilhões). Para os primeiros três anos, são necessários 78 milhões de dólares. Até o momento, 26 milhões de dólares foram arrecadados, mas será necessário o apoio de doadores privados, grandes fundações, setor privado, governos e organizações multilaterais para atingir essa meta.