02/10/2025 - 19:38
Investigação da DW mostra que fundições acusadas de processarem minerais extraídos de regiões de conflitos armados integram cadeia de suprimentos da montadora alemã.O tântalo, o estanho, o tungstênio e o ouro, grupo de metais conhecidos pela sigla 3TG, tornaram-se extremamente importantes para a indústria automobilística em meio ao processo de transição dos motores de combustão para os veículos elétricos e têm uma alta demanda entre montadoras de automóveis em todo o mundo.
Duráveis, resistentes à corrosão e excelentes para conduzir eletricidade, esses metais são extremamente importantes para a construção de sistemas de suspensão, fiação, iluminação e displays eletrônicos.
Mas, como a mineração deles costuma ocorrer em regiões onde há conflitos armados e violações dos direitos humanos, eles também são chamados de minerais de conflitos.
A República Democrática do Congo (RDC) possui alguns dos maiores depósitos minerais desses metais, e explorá-los pode ser uma fonte de prosperidade para o país na África Central. Mas hoje a mineração dos 3TG ajuda a alimentar um conflito violento no país.
Uma investigação da DW e da revista holandesa De Groene Amsterdammer revelou ser muito provável que os 3TG tenham sido usados nos veículos elétricos da maior montadora da Europa, a Volkswagen (VW).
Com base no Relatório de Matérias-Primas Responsáveis da própria VW, a DW descobriu que pelo menos seis fornecedores, que foram associados a minerais de conflito pela República Democrática do Congo e pela União Europeia (UE), fazem parte da cadeia de suprimentos da empresa alemã.
Um outro fornecedor, uma refinaria de ouro no Sudão, era até recentemente controlada por um grupo armado que os Estados Unidos acusam de genocídio.
Numa declaração por e-mail, um porta-voz da VW não confirmou nem descartou “com absoluta certeza” que os fornecedores estejam envolvidos na cadeia de fornecimento da montadora. “O Grupo Volkswagen não tem um relacionamento comercial direto com nenhuma das empresas ou minas mencionadas”, afirmou a montadora, que responsabilizou a “complexidade das cadeias globais de fornecimento” por eventuais irregularidades.
Os fornecedores identificados pela DW incluem as fundições de estanho Malaysia Smelting Corporation, da Malásia, Thaisarco, da Tailândia, e Yunnan Tin Company, da China, e a fundição de tântalo Ningxia Orient Tantalum Industry, também da China. No caso do ouro, são as refinarias Gasabo Gold Refinery, em Ruanda, e African Gold Refinery, em Uganda.
A Volkswagen é a única grande montadora europeia que fornece informações sobre a origem dos metais 3TG por ela usados. É essa transparência que tornou a investigação da DW possível. Outras montadoras, como Mercedes-Benz, BMW, Renault e Stellantis, não divulgam a origem dos metais 3TG usados em seus carros.
O consultor Sasha Lezhnev, da ONG investigativa The Sentry, dos EUA, afirmou que a indústria automobilística não está prestando atenção suficiente ao que está acontecendo na República Democrática do Congo. “Empresas como a Volkswagen precisam se esforçar ao máximo e prestar atenção à guerra”, declarou.
Cadeia de suprimentos contaminada
A Volkswagen, maior fabricante de automóveis da Europa, quer que, até 2030, no mínimo 70% dos carros que ela vende na Europa sejam elétricos. Isso significa mais eletrônicos, mais fiação e mais metais 3TG.
Na outra ponta da cadeia de suprimentos está a República Democrática do Congo, um país abalado pela violência, principalmente no leste, na fronteira com Ruanda, uma região que é rica em recursos naturais.
Minerais são contrabandeados do leste do Congo para Ruanda, onde são misturados à produção local e exportados para todo o mundo, afirmam especialistas das Nações Unidas. Segundo eles, o grupo rebelde M23, apoiado por Ruanda, fatura cerca de 800 mil dólares por mês com esse comércio.
Para expor esse sistema, a República Democrática do Congo entrou com ações criminais contra a Apple, uma usuária de minerais 3TG, em um caso histórico em 2024. O país africano acusou a empresa americana de cumplicidade no comércio de minerais de conflito. A Apple negou as acusações.
A DW descobriu que quatro fundições de estanho e tântalo, mencionadas na queixa criminal da República Democrática do Congo na Bélgica por suas ligações com minerais contrabandeados, também aparecem na lista de fornecedores de 3TG da VW. São elas a Malaysia Smelting Corporation, a Thaisarco, a Yunnan Tin Company e a Ningxia Orient Tantalum Industry.
A cadeia de suprimentos da VW também inclui ouro da refinaria Gasabo Gold Refinery, em Ruanda, e da African Gold Refinery, em Uganda, que processaram ouro contrabandeado do Congo, segundo a UE. A refinaria ugandesa foi sancionada pela UE no início de 2025.
Em 2023 e 2024, a cadeia de suprimentos da Volkswagen incluiu ouro da refinaria Sudan Gold Refinery, em Cartum, que na época era controlada pelo grupo paramilitar sudanês Forças de Apoio Rápido (RSF), acusado de genocídio pelos EUA.
“Isso significa que a cadeia de suprimentos da Volkswagen está contaminada com ouro de conflitos, e há um enorme risco de que ela esteja indiretamente financiando esses conflitos”, diz o pesquisador de matérias-primas Marc Hummel, da organização sem fins lucrativos Swissaid, da Suíça. “É muito surpreendente e decepcionante que um grupo desse porte tenha algumas das piores e mais mal-afamadas fundições do mundo em sua cadeia de suprimentos”, comentou.
Certificação inconsistente
Empresas que usam os metais 3TG recorrem a alianças empresariais como a Iniciativa de Minerais Responsáveis (RMI) para avaliar sua política de fornecimento. As fundições têm seus processos verificados por agências de auditoria independentes e, se tudo estiver em ordem, recebem uma avaliação positiva da RMI.
A Volkswagen também é membro da RMI. Em seu código de conduta, ela afirma que seus fornecedores só podem utilizar matérias-primas de fundições e refinarias que tiverem sido auditadas.
Mas nem todos os fornecedores aderem a essa regra. Das 344 entidades que forneceram metais 3TG à Volkswagen em 2024, apenas 61% foram avaliadas pela RMI. Esse número vem diminuindo. Alguns fornecedores não apresentam nenhum certificado.
A VW afirma que é seu objetivo trabalhar com fundições verificadas pela RMI e que incentiva e apoia os seus fornecedores na conclusão da auditoria.
A UE criou regras para monitorar as importações de metais 3TG em 2021, mas até agora elas não trouxeram qualquer mudança para a República Democrática do Congo, de acordo com um estudo da própria Comissão Europeia.
Somente os importadores das matérias-primas precisam observar as regras, que não valem para empresas como a Volkswagen, que não importam elas mesmas os materiais.
Na Alemanha, os partidos conservadores CDU e CSU e o partido de centro-esquerda SPD se comprometeram, em seu acordo de coalizão de 2025, a evitar “regulamentações excessivas” sobre minerais de conflito pela UE.
Esta investigação teve o apoio do Journalismfund Europe.