Escritor sofreu 206 vetos em todo o país. Segundo organização, obras de 2,6 mil autores, incluindo um brasileiro, que tratam de temas de sexualidade, racismo e gênero são as mais proibidas em escolas dos EUA.O escritor americano Stephen King, dono de best sellers de terror, suspense e fantasia, é o autor mais censurado em escolas americanas, segundo levantamento publicado nesta quarta-feira (01/10) pela organização Pen America, que defende a liberdade de expressão no meio literário.

Conhecido por obras como O Iluminado, o autor sofreu 206 vetos de 87 diferentes títulos. Seus livros mais mirados são a coleção À Espera de um Milagre, além de Belas Adormecidas, Tripulação de Esqueletos e A Coisa, proibidos em cinco distritos cada.

Os vetos não se restringem a livros de terror. Escritores de fantasia como J. K. Rowling, George Martin e Neil Gaiman também estão na lista, além de autores que exploram temas como racismo, identidade e gênero, como a poeta Rupi Kaur e a vencedora do Nobel de Literatura Toni Morrison.

No total, mais de 6.870 vetos foram contabilizados pela organização, incidindo sobre 2.589 autores, o que inclui também ilustradores e tradutores. Foram consideras as proibições formalizadas por estados e distritos americanos durante o ano letivo de 2024/2025, que exigiram a retirada das obras em bibliotecas escolares ou proibiram sua compra.

Racismo e gênero na mira

“A maioria dos autores cujos livros são alvo de críticas frequentemente exploram temas relacionados com raça e racismo, identidade de gênero e sexualidade, ou retratam violência sexual nas suas obras”, diz o relatório.

A tendência de proibir obras com estes temas, segundo a Pen America, se intensificou: milhares de livros foram retirados das prateleiras antecipando a pressão comunitária, política ou legal sobre a narrativa.

“Isso funciona como uma forma de ‘obedecer à ordem'”, diz o relatório, “enraizada no medo ou simplesmente no desejo de evitar temas que possam ser considerados controversos”.

Mesmo livros voltados ao público infantojuvenil, como obras da escritora Ellen Hopkins, proibidas 167 vezes, têm sido alvo dos vetos. “Em 2022, alertamos que a proibição de livros e ameaças relacionadas à liberdade de expressão não deveriam ser ignoradas, que esse ataque à liberdade de leitura dos alunos é um terreno escorregadio; e que a censura estatal dessa natureza, uma vez desencadeada, teria um efeito bola de neve”, diz a organização.

“Hoje, essa escalada não é mais hipotética. Para muitos alunos, famílias, educadores, bibliotecários e distritos escolares, a proibição de livros é um novo normal”, conclui a Pen America.

“Laranja Mecânica” é a obra mais proibida

A obra que sofreu mais proibições foi o clássico distópico de Anthony Burgess da década de 1960, Laranja Mecânica, que foi retirado das escolas de 23 distritos. Outros livros e autores que enfrentam restrições significativas incluem Sold, sem edição brasileira, censurado 20 vezes. Escrito pela jornalista americana Patricia McCormick, que também é coautora de Eu Sou Malala, a obra conta a história de uma adolescente vítima de tráfico sexual.

Forever, de Judy Blume, de 1975 é outra obra frequentemente vetada. O livro é considerado controverso por abordar de forma explícita questões de sexualidade vividas por adolescentes e foi adaptado recentemente para a Netflix, na série Para Sempre.

Outro livro voltado ao público infantojuvenil que trata de sexualidade, Breathless, de Jennifer Niven, bem como várias obras de Sarah Maas e Jodi Picoult também estão entre os mais proibidos.

A obra Você tem a vida inteira, do autor brasileiro Lucas Rocha também figura na lista de vetos com uma proibição. O título teve edição em inglês publicada nos Estados Unidos e narra a história de três jovens gays que lidam com o diagnóstico do HIV no Brasil.

“Uma história de dois países”

Para a Pen America, o resultado mostra um país dividido entre estados que restringem ativamente algumas obras e aqueles que atuam para eliminar as proibições.nFlórida, Texas e Tennessee, por exemplo, concentram 80% das proibições, cujos distritos promulgaram leis que exigem a retirada de livros considerados questionáveis das bibliotecas escolares.

“Cada vez mais, trata-se de uma história de dois países”, afirma Kasey Meehan, diretora do programa Liberdade para Ler da Pen e autora do relatório divulgado na quarta-feira. Segundo a organização, as censuras são parte de uma “campanha enganosa” usada como “arma para diminuir os direitos dos alunos”.

“E não se trata apenas de estados republicanos e democratas. Na Flórida, nem todos os distritos escolares responderam aos pedidos de proibição de livros. É possível encontrar diferenças entre eles”, afirmou Meehan.

A Flórida, onde mais de 2 mil livros foram proibidos ou restringidos, liderou a retirada de títulos de Stephen King, como parte de uma revisão para determinar se estavam em conformidade com as leis estaduais. “Seus livros costumam ser retirados das prateleiras quando se busca retirar títulos ‘para adultos’ ou livros com ‘conteúdo sexual’. Essas proibições restringem de forma esmagadora o conteúdo LGBTQ+ e livros sobre raça, racismo, mas também afetam títulos como os livros de Stephen King”, afirma Meehan.

As proibições ganharam fôlego sob a gestão do presidente americano Donald Trump após o Departamento de Educação encerrar iniciativa do governo do ex-presidente Joe Biden para investigar a legalidade das proibições .

Os números da Pen America também incluem a retirada pelo Departamento de Defesa de centenas de livros das bibliotecas escolares do ensino fundamental e médio de escolas voltadas a filhos de militares, como parte de uma campanha geral contra as iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) e o suposto pensamento “antiamericano”.

gq/cn (DW, AP, OTS)