05/02/2019 - 15:04
*Atualizado em 05/02/19
Quando Luís Antônio Soares Botelho da Cunha saiu pedalando de São Paulo em 13 de janeiro de 2016, com R$ 12,00 no bolso, não imaginava que estaria até hoje percorrendo as Américas de bicicleta. Sem experiência em travessias do tipo, nem em questões mais corriqueiras como cozinhar ou lavar roupa, o designer gráfico está em meio a uma vivência que o leva muito além dos quilômetros rodados.
“Venho aprendendo muito. Diversas coisas que não ensinam na escola, como os povos milenares do Peru, muito anteriores aos incas”, comenta. E tantas outras da vida prática. Ele que, antes, só colocava a roupa suja no cesto, agora já sabe sobreviver meses sem ver uma máquina de lavar. “E até já passo receita para minha mãe”, ressalta.
Nestes três anos, Luís Antônio desceu quatro estados brasileiros até o noroeste do Uruguai, cruzou o norte da Argentina, deu um pulinho no Chile, cortou a Bolívia para voltar ao Brasil, na altura do Centro-Oeste. Depois subiu por Peru, Equador e estava na Colômbia quando conversou com PLANETA, em junho.
O jovem de 25 anos estava contente por ter finalmente terminado a etapa da Cordilheira dos Andes. Desde agosto de 2016 vinha travando batalhas com essa que é a cadeia montanhosa mais extensa do mundo. Quase todo o percurso está sendo feito sobre sua Caloi Aluminium, aro 26, com 21 marchas, de pouco mais de R$ 1 mil – em somente dois trechos, um na Bolívia e outro no Brasil, ele recorreu a outros meios de transporte para se locomover.
Em 2018, ele ainda seguiu para Honduras e veio para o Brasil de férias no fim do ano, quando participou do nosso programa de entrevistas PLANETA Ao Vivo, transmitido pelo Facebook, YouTube e site da revista.
O que vai e o que fica
“De bike, você avança pouco a pouco. É econômico e me proporciona muitas experiências interessantes, porque me envolvo mais na realidade socioeconômica de cada lugar”, afirma. Além disso, viajar de bicicleta, destaca Luís Antônio, não chama atenção, não faz barulho nem torna o viajante visado. A manutenção simples e barata reduz muito o custo de vida, proporciona tempo para pensar, e o suor derramado ainda fortalece a saúde do viajante. Mas a melhor parte, segundo ele, é que propicia muita interação com as pessoas, em qualquer lugar.
“Pedalo cerca de 60 quilômetros por dia, preciso fazer muitas paradas e assim posso absorver bastante da dinâmica dos lugares que vou percorrendo”, conta. Seu orçamento mensal é módico: fica entre US$ 100 e US$ 150. O principal gasto é com alimentação: ele faz questão de comer corretamente, de forma nutritiva e experimentando os sabores regionais.
Para descansar à noite, procura lugares seguros disponíveis por meio de aplicativos de hospedagem solidária e gratuita, como Coachsurfing e Warmshower, e também conta com a receptividade dos quartéis de bombeiros.
Poucas vezes paga albergues. Quando necessário, prefere trocar hospedagem por serviço. E para evitar usar as economias acumuladas antes do início dessa aventura, faz bicos de todo tipo. Já carregou muitos quilos de banana nas costas, deu palestra para ciclistas, assim como atuou em comunicação visual, sua área de formação. Além de estar sempre vendendo fotos que vem produzindo ao longo do caminho.
Deixou, na sua cidade natal, a namorada e os pais receosos pelos perigos do caminho. Com o passar do tempo, muita coisa já mudou. Luís Antônio contou com a companhia da namorada em alguns trechos pedalados e também foi visitá-la no exterior, onde ela fez intercâmbio. Os pais, que inicialmente se assustaram com o projeto do rapaz, hoje dão total apoio ao filho.
“Minha mãe sempre me apoiou a sair para viajar, mas sugeriu que eu fosse de ônibus. Meu pai ficou consternado quando contei do meu plano de viajar de bike. Achou que era palhaçada”, relata. Hoje o rapaz se sente mais próximo do pai do que nunca – conversam muito por telefone e é o pai quem o ajuda nas movimentações financeiras.
Até o momento, Luís Antônio não sofreu nenhum acidente, nem mesmo teve dores musculares pelo esforço físico. O pior imprevisto foi um furto no Brasil. “O Brasil foi o lugar mais perigoso pelo qual passei até agora. Apesar de ser receptivo e caloroso, nosso povo tem pouca educação e o desenvolvimento econômico do país é muito baixo.”
Já a Bolívia, segundo o rapaz, é muito bonita, mas vive um abismo social. “Foi lá que passei pela área mais pobre de toda a viagem. Foram dez dias sem energia elétrica, água encanada ou coleta de lixo, quando atravessei o interior. Mas chegando a Santa Cruz de la Sierra encontrei muitas mansões.”
“Todos os lugares têm suas peculiaridades. Aqui na Colômbia, as pessoas são muito festivas e abertas, já te incluem logo no círculo familiar”, aponta. Bem diferente dos peruanos, com quem conviveu por quatro meses, antes de chegar ali. “Eles são mais fechados. O país tem pouca infraestrutura, mas muitas belezas naturais. No Peru e na Bolívia, grande parte da população vive da agricultura, não entende muito de viajar.”
Vizinhos hospitaleiros
A Argentina pareceu ao jovem um país maravilhoso, inclusive por sua gente. “Os argentinos são muito estudados, têm muito costume de ler e de viajar, mesmo entre as classes mais simples, como os pedreiros.” Do Uruguai também ficaram boas lembranças da hospitalidade e do calor humano. “Muitas pessoas me ajudaram com pouso e roupa.”
O Equador o impressionou por ter um setor de turismo superbem estruturado, assim como a Colômbia. Mas as zonas de guerra civil desse país ainda vivem outra realidade, um tanto assustadora. “Um cara com roupa de civil, mas que falava como um paramilitar, foi muito incisivo comigo. Fiquei assustado. Falei a ele que ia para um lugar, mas tomei outro rumo, porque senti que podiam fazer alguma coisa ruim comigo. Foi a única vez em que senti tensão.”
Em cada parada, o ciclista procura conhecer um pouco da história e visitar as riquezas naturais. Vai a museus, faz passeios turísticos e escreve muito do que aprende e vive no seu blog “A vida virou um risco” (www.umrisco.wordpress.com). Mostra por meio de um mapa como vai avançando pelo continente. E nas redes sociais posta imagens e pensatas (Instagram: @avidavirouumrisco; Facebook: fb.com/umrisco).
Para ele, percorrer o mundo de bike é adotar a filosofia de estar totalmente aberto às experiências. Não há portas ou paredes, e é preciso contar com a ajuda das outras pessoas porque não é possível transportar muita coisa consigo. “Mesmo que eu tivesse todo o dinheiro do mundo, não ia adiantar. Porque às vezes não tem lugar onde comprar nem água ou comida, e tenho que pedir pousada a um morador. As experiências são vividas de uma forma muito forte. Já quando estamos fechados, isso não acontece”, explica.
Luís Antônio superou recentemente os 20 mil quilômetros rodados pela América do Sul, antes de atravessar para Honduras, onde começou a percorrer a América Central. Em janeiro de 2019, avançou para o Panamá. Sua programação é chegar ao México, seguindo o destino que no início da viagem parecia uma utopia. “Depois que cruzei minha primeira fronteira, o Uruguai, pensei: vou tentar ir até onde eu aguentar, até o México.” Para quem chegou aonde está, já falta pouco.
Ele espera que seu exemplo possa inspirar outras pessoas a mudar um pouco seu cotidiano. “Não digo exatamente sair de bicicleta por dois anos, mas procurar fazer algo mais positivo para si e para o planeta. Algo mais sustentável, que traga mais saúde e novas ideias para elas”, conclui.