Novo voto de desconfiança contra Ursula von der Leyen – o segundo em menos de três meses – tem apoio da ultradireita e de partidos mais à esquerda. Chefe da UE pede união contra pressão externa.Na tarde desta segunda-feira (06/10), quando o Parlamento Europeu se reuniu em Estrasburgo pela segunda vez desde o fim das férias de verão, os legisladores tinham um alvo claro: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Jordan Bardella, presidente francês do grupo de ultradireita Patriotas pela Europa, atacou a política migratória de von der Leyen, acusou-a de falta de transparência e criticou decisões tomadas em acordos climáticos, alegando que eles teriam tornado a União Europeia menos competitiva.

Bardella também tachou de desastre o acordo tarifário celebrado com os EUA. “De fato, você assinou a rendição da Europa”, afirmou.

Às críticas de Bardella seguiram-se as da francesa e vice-presidente do Grupo da Esquerda, Manon Aubry. Para ela, von der Leyen fracassou nas negociações com Israel e na guerra em Gaza, além da concretização do Acordo Verde Europeu, e errou ao focar na compra de armas em vez de investir em segurança social. “Você deve sair”, disse ela à chefe da UE.

A resposta de von der Leyen veio na forma de um apelo por unidade no Parlamento: “A verdade é que os nossos adversários não só estão prontos para explorar quaisquer divisões, como também alimentam ativamente essas divisões”, disse ao assumir o púlpito.

Parlamento Europeu fragmentado

Os debates acontecem como preparação a duas moções de censura a que Ursula von der Leyen será submetida na próxima quinta-feira. Esta é a segunda rodada de votações deste tipo que sua administração enfrentará em menos de três meses, algo inédito até então.

Antes da ofensiva mais recente, a última tentativa de derrubar um presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, havia acontecido apenas em 2014, contra Jean-Claude Juncker.

Von der Leyen chefia a Comissão desde 2009 e, no ano passado, foi reeleita para um novo mandato de cinco anos. Em julho deste ano, o procedimento foi aberto por um deputado ultradireitista, mas a política alemã obteve amplo apoio para permanecer no cargo.

É provável que nesta segunda rodada ela volte a garantir maioria por sua permanência, mas a ofensiva partidária contra seu gabinete revela a fragmentação vivida no Parlamento Europeu.

Isso porque, ao contrário da moção de julho, desta vez a iniciativa partiu dos dois espectros políticos: tanto o ultradireitista Patriotas pela Europa quanto o Grupo de Esquerda protocolaram um pedido para tirá-la do poder. Embora as suas visões de mundo sejam opostas, os objetivos parecem ser semelhantes: reforçar o seu próprio peso no parlamento como contraponto à liderança de von der Leyen.

Por isso, o resultado da votação deve mensurar a relação entre a Comissão e os partidos do centro político, que serão definidores para mantê-la à frente da UE.

Quais são as críticas à liderança de von der Leyen?

Olivier Costa, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS) e especialista em instituições da UE, entende que o surgimento de forças mais radicais à esquerda e à direita são a causa principal desta divisão.

Ele vê uma deterioração na cooperação entre as duas maiores forças do parlamento: os social-democratas e os conservadores democratas-cristãos, do qual von der Leyen faz parte, que anteriormente constituíam a principal aliança parlamentar. Para ele, o estilo de liderança centralizador da presidente desagrada alguns parlamentares.

O direitor do CNRS acredita que princípios de cooperação têm ficado em segundo plano, com as decisões sendo tomadas de forma mais hierárquica. Isso vem causando descontentamento no parlamento e até mesmo dentro da Comissão, diz Costa.

Enquanto isso, o cenário político europeu também ficou mais instável. Desde 2019, a antiga “grande coalizão” entre os conservadores do Partido Popular Europeu (PPE) e os social-democratas (S&D) não é mais suficiente para garantir maiorias consolidadas.

Os conflitos pessoais entre lideranças do PPE e do S&D deterioraram a relação entre os partidos. O resultado é um vácuo de poder no centro que passou a ser explorado por outras forças políticas, diz o especialista.

“Já vimos em algumas votações, especialmente sobre questões ambientais, migratórias ou internacionais, que o PPE não hesita mais em votar com eles [partidos de ultradireita]”, afirma Costa.

Críticas ecoam também no centro

Almut Möller, diretora de Assuntos Europeus e Globais do think tank European Policy Centre (EPC), diz que a polarização entre eurodeputados não é inesperada, dada a crescente fragmentação política.

Ela observa que os partidos do centro continuam tentando manter uma frente unida, mas a paciência com o rumo político da UE está se esgotando. “Temos que reconhecer que a plataforma política sobre a qual a presidente e sua Comissão se apoiam se mantém por enquanto, mas também não é tão sólida no centro”, diz Möller à DW.

Há críticas de todos os lados. Parte do Partido Liberal reclama da lentidão dos cortes na burocracia e o PPE está irritado com as decisões unilaterais em matéria de política externa. Já os social-democratas e os Verdes estão cada vez mais céticos em relação à mudança para o crescimento e a competitividade.

No entanto, Möller não acredita que tais insatisfações possam ameaçar a administração de von der Leyen. Para a especialista, a presidente “terá que se concentrar em manter o centro engajado e satisfeito”. Na sua opinião, as próximas votações de censura são uma oportunidade para fazer exatamente isso, transformando a votação numa questão de lealdade.

“Novo normal”

Neste cenário, Costa avalia que os votos de desconfiança são tanto um sinal de desestabilização quanto de vitalidade democrática, um “novo normal” dentro das fileiras parlamentares europeias que consiste em submeter suas lideranças a testes contínuos.

“Von der Leyen não renunciará nem será demitida. Para muitos, ela ainda é a melhor opção. Afinal, quem seria a alternativa?”, questionou. No entanto, Costa considera significativo o tamanho da oposição. “Um resultado fraco refletiria o declínio nas relações entre a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu”, disse ele.

Por sua vez, muitos observadores acreditam que o fator decisivo não é se von der Leyen sobreviverá ao voto de desconfiança, mas como. Quanto mais forte for a oposição, menor será o apoio futuro a ela e maior será a pressão sobre a próxima legislação orçamentária, comercial e climática que devem ser apreciadas pelo Parlamento. Para a presidente da Comissão, o delicado equilíbrio parece destinado a continuar.