10/10/2025 - 6:43
Segundo episódio de “O Pulo de Miguel” começa com Stasi procurando Miguel Carmo na escola em busca de informações sobre show dos Rolling Stones. Série conta a história do brasileiro que pulou o Muro de Berlim.Em outubro de 1969, um adolescente brasileiro entrou na mira da Stasi, o temido serviço secreto da Alemanha Oriental. Miguel Carmo, então aos 17 anos, foi surpreendido na escola, durante uma aula, por um funcionário do governo socialista.
O burocrata queria saber se o rapaz tinha mais informações sobre uma possível apresentação dos Rolling Stones em cima de um prédio em Berlim Ocidental, mas com as caixas viradas para Berlim Oriental – marcado para o mesmo dia das comemorações do aniversário de 20 anos da Alemanha Comunista.
Esse fato é o ponto de partida do segundo episódio do podcast O Pulo de Miguel, da DW, que conta a história exclusiva do brasileiro que pulou o Muro de Berlim.
A informação de um show dos Stones na Berlim dividida tinha circulado, primeiro, na Rias, a rádio oficial do setor americano, que ficava do lado Ocidental. Mas isso não impedia que a emissora fosse captada, clandestinamente, pelos jovens da Alemanha Oriental. A Rias divulgava não só informações com a perspectiva do lado capitalista da Guerra Fria, mas também tocava música. Principalmente o rock and roll.
O estilo de Elvis Presley e Chuck Berry tinha sido banido da Alemanha Oriental em 1965, numa resolução do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), que era quem comandava o país. Os camaradas temiam que o estilo preferido dos cabeludos influenciasse “negativamente” os cidadãos e servisse como um meio de infiltração das potências ocidentais no bloco socialista.
Miguel Carmo, no alto da rebeldia da juventude, já era um crítico contumaz do sistema político da Alemanha do Leste. Filho de Ana Montenegro, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) exilada em Berlim Oriental, Miguel achava que a República Democrática da Alemanha (RDA) não era socialista o bastante.
O episódio dos Rolling Stones é um dos mais simbólicos não só na história do brasileiro, que foi para a prisão alguns dias depois por vários meses, mas também da Alemanha Oriental. Em 7 de outubro de 1969, no aniversário dos 20 anos da RDA, o governo socialista e a Stasi colocaram em ação uma operação especial.
Intitulada “Stafette”, ela tinha como objetivo coibir as aglomerações no entorno do Muro de Berlim de uma multidão de roqueiros cabeludos, que tinham ido, de todas as partes da Alemanha Oriental, para a capital, com a esperança de enfim escutar os Rolling Stones.
Essa ação das autoridades da Alemanha Oriental teve como resultado não só um embate direto da polícia com os fãs dos Stones, mas também a detenção de mais de 400 pessoas – cerca de uma centena delas chegou a ficar semanas na prisão, de acordo com informações oficiais do governo da Alemanha.
Série de podcast da DW
Dois anos depois, na madrugada de 5 de novembro de 1971, Miguel Carmo ignorou a perigosa fronteira entre as Alemanhas para cometer um feito espantoso. Aos 19 anos, o brasileiro, simplesmente pulou o Muro de Berlim. Tudo isso sem ser notado pelos guardas, que tinham permissão para atirar em quem tentasse transpor clandestinamente a Cortina de Ferro.
Mas, diferentemente dos casos mais conhecidos, em que a travessia acontecia do lado Oriental, socialista, para o lado Ocidental, capitalista, Miguel fez o caminho contrário. Por ser considerado “subversivo” pelo governo da Alemanha Oriental, o brasileiro estava ilhado em Berlim Ocidental. Ele tinha sido expulso do lado socialista do Muro por ter ideias radicais demais, mesmo que também fosse um comunista.
Mandado para o outro lado do Muro, impedido de ver os pais, a irmã, os amigos e a namorada, Miguel fez o mais difícil para matar a saudade. Toda a investigação em torno do pulo do brasileiro e dos embates dele com a Stasi estão num dossiê de 600 páginas compilado pela polícia secreta da Alemanha Oriental, onde foram inclusive anexadas fotos com os rastros deixados por Miguel Carmo durante a travessia da Cortina de Ferro.
“O Pulo de Miguel”
O documento, obtido com exclusividade pelo repórter Fábio Corrêa, é o ponto de partida para a nova série de podcasts da DW, O Pulo de Miguel.
São seis episódios, um por semana. A série vai estar dentro do DW Revista, o podcast semanal da DW, disponível no site e nas principais plataformas de áudio. Os episódios são publicados todas as sextas-feiras e seguem até o dia 7 de novembro.
Mas a história não para – nem começa – aí. O jornalista também empreendeu uma viagem entre Brasil e Alemanha para reencontrar pessoas que conheceram Miguel Carmo e que ajudam a tentar entender não só o “feito” do brasileiro, mas também como era o mundo durante Guerra Fria, esse período histórico cujas marcas continuam vivas até hoje.
Para além de Stasi e Alemanha, ditadura militar e Brasil, O Pulo de Miguel também faz um retrato do mundo que entrou em ebulição nos anos 1960 e 1970. Rolling Stones, Jorge Amado, Bahia e Minas Gerais são o pano de fundo da série de reportagens em áudio e que, no fundo, é a história de uma família brasileira dividida pela Guerra Fria.
O trabalho investigativo ainda inclui entrevistas, relatos biográficos, documentos históricos e até um livro independente, publicado pela alemã Johanna Vogel, em 2011, na Alemanha, sobre Miguel, que ela adotou oficialmente após o brasileiro ter cometido a travessia clandestina.
A série de podcasts contou com o apoio financeiro da bolsa Holbrooke Grant, por meio da fundação alemã IJP (Internationale Journalisten-Programme), que financia projetos de pesquisa com perspectiva transnacional.