O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) determinou a interdição imediata de uma área de estacionamento da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador (BA). A medida foi tomada após a descoberta do “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos” no local. O espaço, que foi o primeiro cemitério público da capital baiana e funcionou por 150 anos, até 1844, pode ter sido o maior cemitério de escravizados da América Latina, com estimativas de 100 mil sepultamentos.

  • Descoberta: antigo cemitério de escravizados, com estimativa de 100 mil corpos, foi localizado sob um estacionamento em Salvador (BA).
  • Ação: o IPHAN interditou a área e a reconheceu como “Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos”.
  • Escavação: pesquisa localizou 100 fragmentos de ossos humanos em uma área limitada a duas vagas de estacionamento.
  • Contexto: descoberta expõe o “apagamento” histórico e levanta o debate sobre racismo e reparação.

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A descoberta foi iniciada pela arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), durante sua pesquisa de doutorado. Por meio de dados históricos, fontes documentais e mapas, ela identificou o local, que ao longo das décadas foi “apagado” dos registros oficiais da cidade.

Posteriormente, a empresa Arqueólogos obteve autorização para iniciar uma escavação, restrita à área de duas vagas de estacionamento. A equipe escavou manualmente até 3,5 metros de profundidade.

“O nosso foco nesse momento era localizar os indivíduos e não os exumar”, explica a arqueóloga Jeanne Dias, coordenadora da escavação. “A gente localizou uma coleção de 224 fragmentos, sendo que desses 224, 100 são fragmentos osteológicos humanos. Os fragmentos de ossos, esses dentes vieram na peneira […] esse material foi coletado”.

Segundo Jeanne Dias, os corpos eram “empilhados e enterrados de maneira coletiva”, sofrendo com o peso dos sedimentos e, posteriormente, com o uso moderno do local. “São pessoas que estavam embaixo de carros”, pontua.

A estimativa de 100 mil pessoas baseia-se no tempo de utilização do cemitério, no tamanho da área e nos registros do intenso tráfico de pessoas escravizadas no período. A arqueóloga explica que muitos corpos eram descartados no local para evitar custos de sepultamento.

“A população escravizada não era tida como seres humanos, e os marginalizados estavam numa esfera muito baixa, socialmente falando. Então, muitos desses indivíduos eram largados e descartados próximo a essa área. Por quê? Para não ter a parte do enterramento pago, ninguém queria arcar com esse ônus”, detalha Jeanne Dias.

A descoberta reforça a necessidade de espaços de memória sobre a história da escravidão no Brasil.

“Pessoas que falam ‘não, isso está no passado, acabou’. E não acabou, permanece. Para mim, enquanto pessoa preta, é uma possibilidade de a gente discutir racismo na nossa sociedade, discutir direcionamento dos corpos negros na sociedade, trazer um pouco de honra, dignidade e respeito que essas pessoas não tiveram.”

Jeanne Dias, arqueóloga

“É uma questão de responsabilidade social, é uma questão de dar respostas à sociedade. […] Essas pessoas foram largadas à própria sorte. Então, a gente está falando de reparação histórica também”, conclui a coordenadora da escavação.