12/11/2025 - 12:23
Criadas dez anos após a Segunda Guerra no contexto da ameaça soviética, Forças Armadas alemãs chegam agora a sete décadas de existência diante de nova pressão da Rússia e debate sobre volta do alistamento obrigatório.Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Alemanha foi ocupada e as forças armadas da era nazista, a Wehrmacht, foram dissolvidas. As potências vitoriosas, União Soviética, EUA, Reino Unido e França, empreenderam uma desmilitarização abrangente para que a guerra nunca voltasse a emanar do solo alemão.
À época, poucos teriam previsto que parte do país restabeleceria seu exército apenas uma década depois.
As tensões entre as potências vitoriosas logo escalaram, levando à divisão da Alemanha. Com o início da Guerra da Coreia em 1950, os aliados ocidentais intensificaram os preparativos para uma possível ofensiva soviética na Europa. A fronteira entre a Alemanha Oriental e Ocidental era vista como um provável ponto de ignição.
Essa preocupação também pesava fortemente sobre Konrad Adenauer, o primeiro chanceler federal da nascente República Federal da Alemanha, a RFA, alinhada com o Ocidente. “No caso de agressão russa, seríamos a vítima, a primeira vítima”, alertou o conservador em outubro de 1950. “A Guerra Fria está sendo travada contra nós com toda força.”
Confrontado com essa ameaça, Adenauer pediu garantias de segurança e reforços às forças de ocupação ocidentais. Em contrapartida, elas determinaram que a Alemanha Ocidental deveria assumir a responsabilidade por sua própria defesa. Assim começou o debate contencioso sobre o rearmamento – uma causa que Adenauer perseguiu com determinação inabalável.
No entanto, ainda não se falava na possibilidade de Forças Armadas alemãs, mas de tropas europeias com um pequeno contingente alemão. Esse modelo deveria prover segurança para a Alemanha, mas também segurança diante da Alemanha.
Resistência ao rearmamento
Para Adenauer, que tinha pouca afinidade pessoal com o meio militar, os objetivos estratégicos tinham precedência. Ele via a contribuição para a defesa como um caminho para reintegrar a Alemanha à comunidade ocidental. Acima de tudo, buscava restaurar a liberdade de ação do país em seus assuntos externos.
A perspectiva de rearmamento surgiu poucos anos após a queda da ditadura nazista, o que indignou muitos alemães. Os social-democratas de centro-esquerda, então na oposição, expressaram críticas contundentes. Adenauer, afirmavam, estava explorando o “medo do Leste” para reconstruir um Exército. Também alertaram que o rearmamento consolidaria a divisão da Alemanha.
A resistência pública se intensificou. Sob o slogan “Ohne mich!” (“Sem mim!”), manifestantes expressaram sua oposição ao rearmamento. Entre eles estavam ex-soldados e inválidos de guerra.
No fim, o objetivo de Adenauer prevaleceu. Os Tratados de Paris e a adesão da Alemanha à Otan em 6 de maio de 1955 abriram caminho para o estabelecimento da Bundeswehr, as Forças Armadas Alemãs, que no início eram chamadas de nova Wehrmacht.
No início, a lei previa que 6 mil voluntários poderiam ser convocados. Em 12 de novembro de 1955, Theodor Blank, o primeiro ministro da Defesa da RFA, entregou certificados de nomeação aos primeiros 101 – muitos ainda em roupas civis – no Quartel Ermekeil, na cidade de Bonn.
“Os alemães nunca foram pacifistas”, observa o historiador militar Sönke Neitzel, da Universidade de Potsdam, em entrevista à DW. “Havia uma minoria significativa contra o rearmamento, mas a maioria apoiava. E Adenauer venceu as eleições gerais de 1957 com maioria absoluta. Se os alemães fossem tão contrários ao rearmamento e à introdução do serviço militar obrigatório em 1º de abril de 1957, não teriam votado em Adenauer.”
Em 1956, a Alemanha Oriental, um satélite da União Soviética, respondeu à criação da Bundeswehr lançando o Exército Popular Nacional da República Democrática Alemã, ou Nationale Volksarmee (NVA).
Um ethos militar democrático
Para evitar que a Bundeswehr se tornasse um “Estado dentro do Estado” na Alemanha Ocidental, ela foi incorporada às estruturas da democracia parlamentar. O comando supremo cabia ao ministro da Defesa civil.
Os soldados eram tomados como “cidadãos de uniforme”, um contraponto deliberado à obediência cega. “Queremos forças armadas em uma democracia que se submetam à primazia da política”, enfatizou o então ministro da Defesa Theodor Blank.
Embora a orientação política e social da Bundeswehr fosse nova, oficiais que haviam servido anteriormente na Wehrmacht permaneceram nas fileiras do Exército. Sem outro grupo de profissionais militares experientes disponível, sua inclusão foi inevitável.
Ainda assim, foram bem integrados ao novo modelo militar, observa o historiador Sönke Neitzel. “Essa geração da Wehrmacht serviu à República lealmente. A Bundeswehr nunca foi uma ameaça à democracia.”
Durante a Guerra Fria, a Bundeswehr foi integrada às estruturas de comando da Otan, e sua missão permaneceu estritamente defensiva: proteger a Alemanha Ocidental em caso de ataque. Em meados da década de 1980, atingiu sua força máxima com 495 mil soldados.
Após o fim do conflito Leste-Oeste, a Bundeswehr enfrentou uma nova realidade. A reunificação da Alemanha levou à dissolução do Exército Popular Nacional da República Democrática Alemã (RDA), e seus 90 mil soldados foram colocados sob comando das Bundeswehr. Apenas um pequeno número foi integrado permanentemente.
Da defesa nacional para o desdobramento global
Cercada por nações amigas, a defesa territorial e baseada em alianças da Alemanha perdeu importância. A Bundeswehr foi gradualmente reduzida para menos de 200 mil soldados.
Seu foco mudou para as chamadas “operações fora da área” do território da Otan, um papel aprovado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 1994. Tropas alemãs passaram a atuar como forças de paz em vários continentes. O desdobramento mais caro e mortal foi no Afeganistão (2001-2021), onde 59 soldados alemães perderam a vida.
O resultado dessa mudança estratégica foi um exército voluntário reduzido, praticamente incapaz de cumprir a defesa territorial. “Acima de tudo, foi um problema político, porque os fundos necessários não foram fornecidos. Foi uma decisão política continuar reduzindo o exército, culminando na suspensão do serviço militar obrigatório em 2011. Como resultado, a Bundeswehr só pôde manter um conjunto básico de capacidades”, avalia Neitzel.
Novas tarefas para a Bundeswehr
Essa lógica começou a mudar após a invasão russa da Ucrânia, em 2022. Desde então, o país tem investido pesadamente em armamentos modernos e equipamentos aprimorados para as forças armadas e considera considera ampliar gasto com defesa para 5% do PIB.
Segundo planos do chanceler federal alemão Friedrich Merz, a Bundeswehr deve se tornar o “exército convencional mais forte da Europa”. Neste ano, criaram uma nova unidade militar para proteger a infraestrutura crítica do país a abriram sua primeira brigada no exterior desde a Segunda Guerra.
Para alcançar esse objetivo, porém, precisa de mais pessoal, o que vem gerando intenso debate sobre a possível reintrodução do serviço militar obrigatório na Alemanha.
Nesta quarta-feira (12/11), o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, saiu em defesa da reputação das forças armadas. “Somos nós que voamos para a Dinamarca e para a Bélgica para combater drones porque conseguimos fazer isso e porque podemos ser mobilizados rapidamente”, disse ele à emissora pública WDR.
“Em nenhum outro país as forças armadas são tão difamadas quanto na Alemanha. Somos muito melhores do que nossa reputação”, completou.
Apesar dos desafios contínuos, o apoio público à Bundeswehr permanece forte. Setenta anos após sua fundação, mais de 80% dos alemães têm uma visão positiva das forças armadas, segundo uma pesquisa conduzida pelo Centro de História Militar e Ciências Sociais da Bundeswehr.
