12/11/2025 - 13:36
Operações em creches e asilos e prisões arbitrárias se multiplicam, segundo ONGs. Trump sinaliza mais repressão, e governo estaria considerando autorizar atuação de caçadores de recompensas em ações anti-imigração.Cidade de Chicago, manhã de 5 de novembro, uma quarta-feira. As primeiras crianças chegam à creche Rayito del Sol e os cuidadores se preparam para o dia. De repente, agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) dos EUA, alguns com balaclavas cobrindo o rosto, invadem a creche e prendem uma das cuidadoras: uma professora de jardim de infância colombiana. Um pai, que estava levando seu filho para a creche, gravou a cena: no vídeo, é possível ver dois agentes do ICE arrastando a mulher para fora da creche. Aos gritos, ela afirma ter os documentos em ordem.
O vídeo, que foi compartilhado em várias redes sociais e também divulgado por diversos meios de comunicação dos EUA, causou indignação em todo o país. O vereador local de Chicago Matt Martin disse à rede NBC que essas eram as “imagens mais chocantes” que ele já havia visto durante seu mandato. “Agentes armados patrulhavam as instalações enquanto educadoras e crianças estavam lá dentro”, disse.
Mais tarde, uma porta-voz do Departamento de Segurança Interna dos EUA, que engloba o ICE, argumentou que os agentes foram obrigados a seguir a mulher após ela e um homem que dirigia um carro “fugirem” de uma blitz de trânsito nas imediações e buscarem refúgio na creche.
Maria Guzman, representante da creche e mãe de uma criança matriculada na Rayito de Sol, disse à CNN que considerava a forma como a prisão ocorreu um ato de “terrorismo doméstico” executado pelo ICE. “Isso é horrível. Eles ultrapassaram os limites”, disse Guzman.
Repressão crescente contra migrantes
A operação na Rayito del Sol fez parte de uma ofensiva contra imigrantes irregulares em Chicago, que teve início em setembro. Desde então, segundo o Departamento de Segurança Interna, já foram realizadas mais de 3 mil prisões.
Desde que assumiu o cargo em janeiro, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem prometido repetidamente endurecer drasticamente a política migratória dos EUA, agir de forma mais severa contra imigrantes sem documentos válidos e deportar estrangeiros com ficha criminal.
Enquanto isso, as ações dos agentes do ICE têm sido alvo de críticas e denúncias de truculência.
Entre os detidos, não é incomum encontrar pessoas sem antecedentes criminais e até cidadãos americanos. Já ocorreram outras batidas policiais em escolas, asilos e outras instituições públicas. Nas redes sociais, há inúmeros vídeos que exibem agentes do ICE – muitas vezes armados, vestindo roupas camufladas e balaclavas – agindo de maneira agressiva.
Em outro vídeo que ganhou destaque, agentes do ICE abalroaram um carro, para então arrastar a motorista para fora da porta e prendê-la. Em outros vídeos, é possível ver pessoas sendo cercadas em plena rua e, em seguida, conduzidas para veículos e levadas embora. Agentes também não têm demonstrado hesitação em usar gás lacrimogêneo.
A ONG Human Rights Watch (HRW) relata que, em alguns casos, janelas de carros foram quebradas para arrastar as pessoas para fora de seus veículos. Também não são raras cenas de perseguição, quando os detidos fogem em pânico dos agentes.
Mas a truculência não se manifesta apenas nas operações. Os centros de detenção ligados ao ICE também são alvo de denúncias de violações dos direitos humanos. A HRW vem documentando casos em que agentes são acusados de pressionarem indevidamente os detidos a concordarem com uma “saída voluntária” dos EUA. Detidos teriam sido algemados por longos períodos e forçados a dormir no chão; também lhes teria sido negada comida e água em alguns momentos, e acesso a advogados ou familiares.
Somente em 2025, de acordo com uma pesquisa da emissora americana NPR, pelo menos 20 pessoas morreram sob custódia do ICE, o maior número em 20 anos. E o número total de pessoas detidas para deportação também atingiu um novo recorde: 60 mil.
Críticos dizem que ICE age na ilegalidade
Organizações de direitos humanos como a HRW ou a Anistia Internacional vêm denunciado repetidamente o que avaliam ser operações ilegais e prisões arbitrárias por parte da autoridade de imigração dos Estados Unidos. “O ICE está fora de controle”, afirma a deputada federal Delia Ramirez, democrata que representa Illinois, estado na qual Chicago está localizada. “O ICE age impunemente e fora da lei. O ICE viola nossos direitos. O ICE aterroriza nossas comunidades”, disse ela.
Segundo Ramirez, isso vem acontecendo porque “Donald Trump, os republicanos e a liderança do Departamento de Segurança Interna concederam ao ICE dinheiro ilimitado, liberdade para se esquivar de qualquer controle e um passe livre em matéria de transparência e responsabilidade”.
Em setembro, a Suprema Corte dos EUA permitiu que o ICE prenda ou controle pessoas com base na cor, etnia, idioma ou tipo de trabalho, no que foi visto com uma autorização para perfilamento racial por parte das autoridades. Mas, mesmo antes dessa decisão, muitos imigrantes já viviam com medo constante de serem alvos dos agentes do ICE. Entre eles, brasileiros.
Trump quer medidas ainda mais duras
O presidente dos EUA, porém, não vem demonstrando interesse nas críticas. No início do mês, em entrevista ao programa 60 Minutes, da rede CBS, Trump foi questionado se as operações do ICE não estavam indo longe demais, considerando os inúmeros relatos de abusos. Trump rechaçou a sugestão: “Acho que não foram longe o suficiente”, disse.
De acordo com uma reportagem do site americano The Intercept, o ICE está atualmente avaliando oferecer “bônus monetários” a caçadores de recompensas particulares para que eles localizem imigrantes em todo o país e os denunciem ao ICE.
Em meados deste ano, o presidente dos EUA reservou cerca de 170 bilhões de dólares em recursos adicionais para o Departamento de Segurança Interna e o ICE até 2029, como parte de sua lei orçamentária apelidada de “Big Beautiful Bill”. Com isso, o ICE se tornará nos próximos anos a agência de segurança mais bem financiada da história dos EUA.
O consultor de política públicas Aaron Reichlin-Melnick, especialista da ONG Conselho Americano de Imigração, exemplificou a escala desse financiamento: “Nos próximos quatro anos, o ICE terá mais dinheiro do que o FBI, a agência antidrogas DEA, o U.S. Marshals Service [agência ligada ao Departamento de Justiça] e a administração prisional combinados”.
