Quando o naturalista francês Henri Mouhot chegou a Angkor (no noroeste do atual Camboja, perto da cidade de Siem Reap), em 1858, o impacto do que encontrou não poderia ser mais intenso. “Era maior do que tudo aquilo que nos foi legado pela Grécia e por Roma”, descreveu em um diário publicado logo após a sua morte, em 1861. A divulgação da descoberta, que nas décadas seguintes renderia a Angkor uma fama quase igual à das pirâmides do Egito, atraiu várias expedições à região. Mas a investigação científica mais sistemática ali só seria organizada em 1898, com a criação do núcleo da Escola Francesa para o Extremo Oriente, baseada em Saigon (atual Ho Chi Minh, no Vietnã), cujo principal objetivo era identificar, pesquisar e restaurar os edifícios encontrados.

Uma das maravilhas arquitetônicas do planeta, Angkor, a capital do Império Khmer, continha no seu auge quase mil templos e palácios em uma área de 8 km por 24 km. Em geral inspiradas no hinduísmo, as construções – de pilhas de escombros a templos bem preservados – espalham-se em um local de densa vegetação, que derrubou paredes, muros e fundações dos prédios abandonados ao longo dos séculos.

Representações budistas no templo de Bayon, última grande obra arquitetônica khmer (Foto: iStock)

Primeiro diretor da Escola, o arqueólogo Jean Comaille iniciou a desobstrução dos templos menos afetados pelas árvores. Em 1907, parte das ruínas já estava limpa, e os pesquisadores passaram a recolocar as pedras derrubadas em seus locais de origem, recuperando a forma de templos e palácios.

O império khmer viveu seu ápice entre os anos 800 e 1220 e é admirado por sua tecnologia hidráulica, vista como uma obra-prima de equilíbrio ecológico

A principal edificação encontrada foi Angkor Wat, templo erguido entre 1113 e 1150 e considerado o maior monumento religioso do mundo. Sua de­sobstrução total, numa área contínua com cerca de 2 km2, revelou vários túneis e passagens secretas que ocultavam a tumba do rei Suryavarman II, líder do Estado khmer durante o período da construção.

Cosmologia hinduísta

Angkor Wat é vista como uma representação arquitetônica da cosmologia hinduísta. Suas torres centrais simbolizam o Monte Meru, lar dos deuses; as paredes externas, as montanhas que cercam o mundo; e o fosso, os oceanos além dessas elevações. Os pesquisadores descobriram ali estátuas e obras de arte requintadas, mas a sala do tesouro citada em manuscritos antigos jamais foi encontrada.

Em 1916, antes de terminar seu trabalho no grande edifício, Commaile foi assassinado por piratas fluviais quando levava o pagamento de seus funcionários. Ele foi substituído pelo arquiteto e apreciador de arqueologia Henri Marchal, que começou por desobstruir a antiga capital, Angkor Thom, situada a 800 metros de Angkor Wat e erigida num formato quadrado, em que cada lado media três quilômetros.

Com o abandono, árvores surgiram em meio às construções (Foto: iStock)

A construção de Angkor Thom data do século 10, mas os prédios ainda de pé são do fim do século 12. No centro da capital encontra-se uma joia arquitetônica, o templo budista de Bayon, erguido pelo rei Jayavarman VII. Esse era um dos 20 templos que, segundo um embaixador chinês junto aos governantes khmers no século 13, tinham as torres e o telhado revestidos de finas lâminas de ouro – coberturas metálicas que desapareceram sem deixar vestígios. O edifício, com área de 600 m2, possuía originariamente 54 torres, cada uma formando quatro faces da divindade.

Muitas das diversas galerias existentes no interior de Bayon revelaram passagens secretas para câmaras subterrâneas. Em algumas delas foram encontradas estátuas de divindades e vasos de cerâmica ou pedra.

Impulso para a pesquisa

Por volta de 1929, o escritor André Malraux conseguiu permissão para ir a Angkor e assistir aos trabalhos de restauração dos edifícios. Sua impressionante descrição das ruínas atraiu a atenção do governo francês, e em 1932 um grupo de inspetores foi enviado para observar o progresso dos trabalhos. Na ocasião, correram rumores de que num dos templos de Angkor Thom fora descoberta uma tumba com um riquíssimo mobiliário fúnebre, que incluía estatuas de ouro e pedras preciosas. Na mesma época, foi vendido em Xangai (China) um rubi de 45 quilates que muitos atribuíram a esse tesouro perdido.

O Império Khmer viveu seu auge entre 800 e 1220 d.C., período balizado pelos reis Jayavarman II (802-850) – o primeiro soberano desse povo a se declarar “monarca universal” – e Jayavarman VII (1181- 1218), que em seu tempo comandou a maior parte da Indochina. Jayavarman VII marcou a transição dos governantes khmers do hinduísmo para o budismo, sua crença pessoal. Em agradecimento ao auxílio divino, ele mandou construir uma grande estátua de Buda totalmente incrustada de esmeraldas, as quais faziam com que o ídolo parecesse ter sido esculpido de uma só pedra. Essa maravilha desapareceu e, segundo lendas, estaria oculta no interior do Bayon.

Ruínas do templo de Bayon, construído no reino de Jayavarman VII (Foto: iStock)

No século 14, o Estado Khmer entrou em decadência e foi invadido em 1351 pelo reino Tai, seu vizinho do oeste. Um príncipe khmer comandou a revolta posterior contra os ocupantes e executou o rei imposto. A reação levou a nova invasão dos tais, em 1431, marcada pelo saque a templos, palácios e moradias de nobres. Depois disso, Angkor foi abandonada por seus habitantes e, aos poucos, engolida pela floresta.

A tradução dos diversos textos gravados nas tumbas e paredes dos templos forneceu um inventário de reis khmers e a época de seus governos, bem como suas rea­lizações no campo hidráulico. Ao conseguirem sistematicamente estabilizar, armazenar e dispersar as águas do rio Mekong e de outras fontes próximas, os khmers transformaram vastas áreas alagadas em campos de cultivo e espaços para edificação, num feito considerado por muitos especialistas uma obra-prima de equilíbrio ecológico. O avançadíssimo sistema usado permitia, no ápice daquela civilização, uma produção de alimentos suficiente para alimentar um milhão de pessoas.


Tesouro em perigo

Anualmente, cerca de 2 milhões de pessoas visitam Angkor (Foto: iStock)

Patrimônio Mundial pela Unesco desde 1992, o sítio de Angkor é a principal atração turística do terceiro-mundista Camboja e, previsivelmente, corre riscos pela falta de capacidade do país para preservá-lo. Entre 1992 e 2004, foi considerado ameaçado, e merece atenção especial da Unesco pela fragilidade das construções (a maioria delas é feita de arenito) e pelo elevado número de visitantes – atualmente, cerca de 2 milhões por ano. Uma agência governamental, a Apsara, e a Unesco buscam desenvolver um plano de turismo sustentável para a área, mas sua implantação tem sido dificultada pelas restrições que imporia à visitação.