11/04/2019 - 14:20
Improvável não olhar com apreensão as mudanças na área de meio ambiente realizadas pelo governo de Jair Bolsonaro no seus primeiros meses de mandato, apesar de elas não surpreenderem quem acompanhou minimamente sua campanha.
“É como se o Brasil voltasse a ter o mesmo olhar de 50 anos atrás ou mais para o meio ambiente: algo a ser dominado, um obstáculo que precisa ser tirado do caminho, um problema”, avalia Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, rede de 37 entidades da sociedade civil brasileira formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto nacional.
Nossa sociedade civil, setor empresarial, tem se colocado firmemente em defesa de questões ambientais que estão sendo abandonadas ou enfraquecidas pelo governo, como preservação e agenda do clima. Afinal, atualmente, esses são temas estratégicos para a economia, a saúde pública e a segurança nacional e não deveriam ser reduzidos a disputas partidárias. “Além de que, hoje, as mudanças climáticas são o maior desafio ao desenvolvimento de qualquer nação do século 21”, destaca Rittl, cientista e ambientalista de formação.
O mercado internacional também exige do novo presidente uma postura mais balanceada entre meio ambiente e agronegócios. Em sua primeira viagem internacional, ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, no fim de janeiro, diante da elite da economia global, Bolsonaro exaltou em seu breve discurso a eficiência do agronegócio nacional aliado às práticas brasileiras de proteção ambiental como um diferencial do país, sem ameaçar alterar esse equilíbrio.
Na sabatina que se seguiu com o fundador e presidente do Fórum, Klaus Schwab, o mandatário ainda afirmou que o Brasil pretende “estar sintonizado com o mundo na busca da diminuição de CO2 e na preservação do meio ambiente”. A única coerência que manteve com sua atuação aqui dentro foi a de sequer mencionar a expressão “mudanças climáticas”, consideradas nos relatórios do próprio Fórum como um dos maiores riscos para o planeta.
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Relevância menor
O discurso surpreendeu para o bem quem vem acompanhando a estruturação do seu governo. Mas dependerá das suas próximas iniciativas para que realmente convença. Um pequeno apanhado das ações tomadas até o momento escancara um enfraquecimento da agenda ambiental em relação aos interesses do agronegócio.
No início do mandato, o novo governo pensou em extinguir o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Depois, o novo governo reduziu sua relevância – que já não era muita – ao transferir para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) questões antes tratadas pela pasta, como o Serviço Florestal Brasileiro e a coordenação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele também submeteu ao Mapa até questões antes ligadas ao Ministério da Justiça e à Casa Civil, como o poder de demarcação de terras indígenas e quilombolas.
Retirou do repertório da sua administração termos como “mudanças climáticas” e “desmatamento”, ao alterar pastas e desmontar secretarias associadas a esses temas. Apagou o protagonismo internacional do Brasil nos debates e acordos referentes aos mesmos assuntos ao destituir a divisão do clima dentro do Ministério das Relações Exteriores – sem contar que, antes mesmo de tomar posse, desistiu da realização da Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP25) no Brasil neste ano, como já estava programado. O evento será sediado pelo Chile.
O perfil de importantes membros da sua equipe reforça a tendência negativa. Três nomeações merecem destaque: um ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, indicado pelo agronegócio; um chanceler, Ernesto Araújo, que – assim como o próprio Bolsonaro – nega o aquecimento global; e um diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Valdir Colatto, que, enquanto deputado, integrava a Frente Parlamentar Agropecuária do Congresso, conhecida como bancada ruralista. Procurada em função desta matéria, a assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos pedidos de entrevista de PLANETA.
O reverso da moeda
O aspecto positivo de toda essa situação é que a hostilidade do discurso e das ações de Bolsonaro em relação ao meio ambiente está tão exacerbada (embora se tenha observado uma arrefecida logo após o desastre de Brumadinho, abordado no texto abaixo) que vem provocando um debate nacional, na análise de Paulo Barreto, um dos pesquisadores e coordenador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
“Nunca se falou tanto em meio ambiente. A própria sociedade está dizendo que esse tema é relevante e não pode ser tratado da forma como vem acontecendo. Mesmo pessoas do setor privado têm questionado essa agressividade, defendendo que é uma área estratégica”, afirma Barreto. Cria-se assim uma oportunidade para esclarecer mais gente sobre a importância e abrangência desses assuntos.
As manifestações têm feito o presidente recuar em algumas decisões, o que, deve-se reconhecer, é um ponto positivo do seu governo. “Indica que ele também está prestando atenção nas reações e no tipo de impacto que isso pode ter”, complementa Barreto. Se agisse somente baseado no seu desejo, o presidente iria mais longe.
Sua proposta inicial, além de eliminar o Ministério do Meio Ambiente, era retirar o Brasil do Acordo de Paris – proposta de 2015 para conter o avanço do aquecimento global cuja elaboração, aliás, foi costurada sob a liderança de negociadores brasileiros. Foi preciso o Mapa interceder para que isso não acontecesse, pelos riscos que representaria aos seus negócios. Mas ainda resta saber se o Brasil vai cumprir os compromissos a que se propôs no Acordo, como a redução de desmatamento, reflorestamento, adoção de melhores práticas na agropecuária e aprimoramentos na produção de energia.
É certo que haverá consequências diretas para a economia, em especial para o agronegócio, se o país voltar a ter altas taxas de desmatamento, elevação de emissões de gases de efeito estufa e aumento no índice de violência no campo. Principalmente porque o Brasil já conseguiu desvincular desmatamento de produtividade no campo e percorrer o caminho contrário seria puro retrocesso. “O mundo vai cobrar muito caro do Brasil se formos irresponsáveis com as nossas florestas e com os direitos de povos indígenas. O agroexportador vai perder mercado, com certeza”, observa Carlos Rittl.
Cobrança de tarifas
Países como Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Noruega, Dinamarca e Itália estão discutindo como reduzir o impacto do consumo dos mercados europeus sobre as florestas e as emissões de gases de efeito estufa. O controle dos governos europeus sobre seus produtores de alimentos é cada vez maior, e é natural que comecem a cobrar tarifas sobre os preços competitivos dos produtos de outros países que afrouxem o controle ambiental ou, simplesmente, bloqueiem as importações.
“Essa visão de que podemos desmatar, desmatar, desmatar, produzir, produzir, produzir, porque alguém vai continuar comprando, é uma ilusão”, conclui Rittl. Não só esses países, mas o mundo inteiro está se estruturando para assegurar que todos comprovem ações benéficas ao meio ambiente, de forma a reverter ou, pelo menos, conter os estragos que já feitos, e assim barrar o avanço das alterações climáticas já extensamente comprovadas por estudos científicos.
“O setor empresarial entende a importância da atuação social e ambientalmente sustentável como um fator de competitividade junto ao mercado internacional. Entendemos que deverá haver um equilíbrio de forças entre, por exemplo, modernizar o processo de licenciamento ambiental – uma antiga demanda dos próprios órgãos de fiscalização – e o cuidado da preservação”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne 60 dos maiores grupos empresariais do país.
Ela acredita que os diálogos a serem travados nos próximos meses serão muito importantes para que o novo governo conheça melhor a dimensão das oportunidades de negócios e espera que o CEBDS possa contribuir para a elaboração de políticas públicas que conjuguem a preservação dos recursos naturais com o desenvolvimento econômico sustentável.
Contradições e esperança
De parte do novo presidente, nenhum anúncio se aproximou de uma política pública consistente para avançar em qualquer aspecto da área ambiental. Mas ainda existe esperança, e ela vem da postura contraditória de Bolsonaro nas questões de segurança nacional e da legalidade, dois outros pilares do discurso que lhe rendeu a vitória. Quesitos que até agora, porém, não se aplicam ao meio ambiente.
O argumento da segurança nacional, que justifica muitas das ações do presidente, de formação militar, ainda não abarca a preservação do meio ambiente. “A questão do clima afeta diretamente a segurança hídrica dos países. A agenda de clima vem sendo tratada como agenda de segurança do Pentágono a Beijing. É estratégica”, afirma Rittl.
A escassez de água doce, por exemplo, é um dos principais motivos de conflitos da atualidade e, segundo analistas, poderia inclusive iniciar a Terceira Guerra Mundial. Proteger e aumentar floresta representa manter e aumentar a disponibilidade hídrica de qualquer nação. É interesse da economia, da atividade agropecuária e da qualidade de vida dos brasileiros.
Já sob a bandeira da legalidade – outra ênfase do presidente –, era de se esperar que o meio ambiente fosse também uma preocupação do novo governo. Mas a atuação do ministro Salles mostrou uma tendência contrária, ao levantar suspeitas sobre a atuação do Ibama, a polícia ambiental brasileira, questionando o contrato de locação de veículos, manutenção e combustível para fiscalização – e deixando uma interrogação sobre o futuro do órgão. Essa postura se repetiu ainda frente a todas as ONGs ambientais. Salles suspendeu por três meses todos os contratos em curso para “avaliar irregularidades”, gerando dúvida sobre todas elas.
“Parece que a preocupação maior é diminuir a capacidade de identificar crimes ou continuar olhando para a ação dos agentes ambientais e estrutura pública voltada para o combate do crime ambiental como problema e não olhar o crime ambiental em si como o problema”, diz Rittl.
Alento com a Justiça
Um alento nesse aspecto pode vir do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que colocou como prioridades o combate à corrupção, ao crime organizado e aos crimes violentos. “Boa parte do desmatamento está altamente associada a esses três itens. E os dados mais recentes do próprio MMA, apesar de preliminares, indicam que 92% do desmatamento do ano passado foi ilegal”, indica Barreto, do Imazon.
Outros dois ministérios podem representar uma tábua de salvação para as causas ambientais. Além de reconhecer que a ciência do clima está estabelecida, o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, já se propôs a levar informações para o presidente a esse respeito. “Na sua reestruturação, a pasta de mudanças climáticas foi mantida. O que é importantíssimo para a continuidade de ações, como coordenação da elaboração dos inventários nacionais de gases de efeito estufa, geração e divulgação de conhecimento sobre o tema e formulação de políticas”, afirma Rittl.
No Ministério da Economia está a outra possibilidade – afinal, a governança de clima já é reconhecidamente uma agenda econômica. “Há funcionários públicos de carreira com conhecimento sobre a causa e que podem subsidiar o ministro Paulo Guedes para ele tratar o tema com a responsabilidade que não conseguimos ver hoje no MMA”, diz Rittl.
Se essas forças forem somadas, a agenda do clima, a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável talvez ganhem uma abordagem mais transversal do que quando pensadas somente pelo seu cunho ambiental. De qualquer forma, não é possível lidar com esses temas de forma isolada. É fundamental uma boa coordenação entre ministérios, de forma que todos remem na mesma direção.
O atual cenário é de muita incerteza. E esse é só o princípio do que a campanha de Bolsonaro denominou uma “nova era”. Muita coisa só ficará mais clara após o início das atividades regulares do Congresso Nacional, que passou por uma renovação de ⅔ dos parlamentares. O meio ambiente é um ativo e não um problema, e olhar para sua preservação de forma estratégica tende a trazer múltiplos benefícios para o Brasil.
Para além desse triste horizonte
A ruptura da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte (MG), despejou sobre o presidente Jair Bolsonaro a realidade das questões ambientais brasileiras e sua relevância. A resposta inicial do governo federal foi rápida. Criou-se no mesmo dia, 25 de janeiro, um gabinete de crise para acompanhar as ações tomadas e estudar uma série de ações jurídicas e mudanças na regulamentação ambiental para que a lista de crimes como esse não cresça mais – já que o episódio da Samarco em Mariana (MG), cerca de três anos atrás não surtiu suficiente efeito.
Segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), existem 790 barragens de rejeito de minérios, no Brasil – 175 delas são da Vale. Apenas seis barragens desse total são classificadas como de risco e dano potencial altos. A que soterrou parte de Brumadinho e cerca de 350 pessoas era considerada de baixo risco. A questão é se o novo presidente terá a ousadia de ir mais fundo nessa lama e poderá superar seu desdém pelo meio ambiente.
Muitas das ações necessárias para salvar vidas e a natureza já são conhecidas. Seria necessário passar a exigir das empresas exploradoras dos recursos naturais brasileiros outros procedimentos, que não provoquem ou reduzam ao máximo os danos ambientais – certos e possíveis – que costumam permear suas atividades.
A contenção de rejeitos de minérios, por exemplo, pode ser feita de modo mais sustentável e seguro do que na forma líquida, como a dessas barragens que romperam em Minas Gerais, mas essas soluções custam mais caro. Mesmo os rejeitos líquidos podem ter outro fim: pesquisas acadêmicas já provaram a viabilidade desse barro se tornar matéria-prima para outros setores como o da construção civil e de rodovias.
Nada disso é novidade. O que, sim, pode surpreender para bem é se o novo presidente se posicionar e agir contra os interesses comerciais das grandes empresas, elevando as exigências para proteger o meio ambiente e a vida dos brasileiros.
O que a floresta tem a ver com a sua vida
Manter floresta em pé não é sinônimo de custo e impedimento para a produção agropecuária e o desenvolvimento econômico, como querem fazer crer os críticos das cotas de Reserva Legal – ou seja, quanta cobertura vegetal deve ser mantida nas propriedades rurais. Entenda como isso afeta a sua saúde, a água da sua torneira e de seu chuveiro, assim como os alimentos que chegam à sua mesa e a de todos os brasileiros.
Desmatamento é poluição, e poluição mata Todo desmatamento termina em queimadas para “limpar” o terreno. O mesmo movimento das massas de ar que leva a umidade gerada pela Floresta Amazônica para o resto do continente, provocando chuvas – conhecido como “rios voadores” –, carrega também a fumaça para o Brasil e países vizinhos. Essa é uma das principais fontes de poluição do ar no país e questão de saúde pública: por ano, mais de 50 mil mortes são causadas por poluição atmosférica aqui, além de internações e doenças, que geram gastos altíssimos para o Estado.
Poluição é ineficiência. Poluir é jogar desperdícios na natureza. Em qualquer indústria, no mundo todo, cada regulação que exige das empresas reduzir poluição, na verdade, estimula as companhias a serem mais eficientes. Naturalmente, elas se tornam mais lucrativas também. Mas quando se ganha dinheiro do jeito tradicional e não há pressão para melhorias, as coisas continuam a ser feitas da mesma forma. Isso já aconteceu na agropecuária brasileira. (ver gráfico acima). Mas se o governo hostiliza a área ambiental e desdenha de sua polícia ambiental, quem vai investir em melhorar seu modo de produção e evitar a poluição?
Desmatar mais não é produzir mais No Brasil não existe o conflito “conservação ambiental versus produção de alimentos”. Entre 60 milhões e 100 milhões de hectares das pastagens nacionais estão subutilizados, degradados ou abandonados e poderiam ser aproveitados para atividades agrícolas, pecuárias ou até para plantio de florestas. É uma área mais que suficiente para produzir alimentos atendendo à demanda de consumo interno e potenciais mercados externos de commodities sem cortar nenhuma árvore por décadas.
O conflito que existe é “conservação ambiental versus mercado de terras” – há dois anos o Brasil é o país com mais mortes de ativistas ambientais do mundo, segundo relatório da ONG britânica Global Witness, e essa é uma das principais causas da violência no campo. Na época em que o governo foi mais duro contra o desmatamento, a produção agropecuária e seu valor aumentaram, porque os produtores foram forçados a usar mais tecnologia em vez de derrubar vegetação (ver gráfico abaixo). O Brasil precisa mostrar que consegue continuar a reduzir emissões e promover desenvolvimento.
Menos destruição, mais produção
O forte período de queda do desmatamento mostrado no gráfico ao lado (de 2004 a 2012), quando o Brasil reduziu as taxas de desmatamento na Amazônia de 28 mil para 4,5 mil quilômetros quadrados por ano, ocorreu quando a questão do meio ambiente recebeu atenção de diferentes ministérios e todos eles se articularam em torno do desenvolvimento sustentável.
O Ministério da Justiça permitiu um duro combate à corrupção, graças ao trabalho de investigação da Polícia Federal e da Força Nacional, realizando até a prisão do então secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, em 2005, Moacir Pires, por fraude ambiental. Outra medida fundamental partiu do Ministério da Fazenda e do Conselho Monetário Nacional, por meio do Banco Central, ao atrelar a concessão de crédito rural ao cumprimento de regras ambientais.
Nesse mesmo período, como se pode ver no gráfico, a produção rural e o valor obtido pelos produtos brasileiros cresceram vertiginosamente, provando que é possível reduzir emissões e promover desenvolvimento econômico.
Desde 2012, entretanto, o crescimento do desmatamento foi retomado devido a três medidas que enfraqueceram políticas públicas em prol do meio ambiente. Foram elas: perdão de parte do desmatamento ilegal com a mudança do Código Florestal; redução de unidades de conservação; e medida provisória para facilitar a regularização fundiária de terras ocupadas ilegalmente, que ficou conhecida como MP da Grilagem, já que, grosso modo, dá vantagem a quem ocupou ilegalmente terras públicas para que compre a área com desconto. Desmatar mais não significa produzir mais nem melhor, mas é sinônimo de aumentar emissões e só vai piorar a qualidade de vida do brasileiro.