03/05/2019 - 9:25
Por: Manuela Ferraro / Jornal da USP
Na cidade de Ribeirão Bonito, região central do Estado de São Paulo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP,) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) escavaram um painel de arte rupestre de 80 metros de comprimento, dos quais 50 metros lineares apresentam figuras esculpidas.
As gravuras seguem um padrão observado em outros sítios arqueológicos da região e lembram pegadas de pássaros, chamadas por arqueólogos de “tridígitos”. Segundo Astolfo Araujo, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e coordenador da escavação, o painel é o maior já encontrado em território paulista. Além das figuras, foram encontradas pedras lascadas, ossos de animais e carvão queimado no local.
Da USP, participaram professores do MAE, do Instituto de Biociências (IB) e da Escola Politécnica (Poli). A equipe explora a região desde 2014, em um projeto financiado pela Fapesp com o objetivo de estudar a ocupação Paleoíndia do Estado de São Paulo – povos que viveram no início do período geológico atual, o Holoceno.
Em 2015, os pesquisadores localizaram o sítio arqueológico mais antigo do Estado, no município de Dourado, a menos de 20 km de Ribeirão Bonito. Batizado de Bastos, o lugar continha vestígios com mais de 12,5 mil anos de idade. Moradores locais indicaram, então, a localização do novo painel.
O Sudeste brasileiro é peça chave no entendimento dos movimentos populacionais no leste da América do Sul. E a diversidade de arte rupestre que tem sido encontrada pelos pesquisadores pode ajudar a revelar quem passou pelo região. “A impressão que a gente tem é que São Paulo era um ponto de encontro de populações vindas do norte, do leste, via Pantanal, e do sul, pelo Pampas”, diz o arqueólogo.
De acordo com o pesquisador, acreditava-se que a região não possuía arte rupestre em abundância, e o painel de Ribeirão Bonito contribui para a contestação dessa crença.
As amostras ainda não foram enviadas para a datação, mas achamos material até 1,70 m de profundidade, o que sugere que o painel tenha uma idade bastante antiga”
Os pesquisadores estão desenvolvendo modelos virtuais dos sítios encontrados em parceria com o Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas (CITI), ligado à Escola Politécnica (Poli) da USP. Marcelo Zuffo, professor do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Poli e coordenador do CITI, explica que no abrigo de Ribeirão Bonito foram usadas três técnicas de recolhimento de dados: o escaneamento a laser, o escaneamento via fotogrametria – dezenas de milhares de fotos feitas por drones – e a fotogrametria com câmeras de 360 graus.
Marcelo Zuffo diz que a criação de protótipos 3D tem uma série de vantagens. “As equipes interdisciplinares que trabalham com arqueologia podem analisar as informações sem as condições estressantes do trabalho em campo. E as restrições físicas e temporais também são eliminadas, já que os pesquisadores podem acessar, nos acervos da Universidade, sítios com até 500 km de distância da capital paulista”. Segundo Zuffo, o escaneamento intensivo pode eventualmente detectar padrões que o olho humano não consegue enxergar. Outra vantagem é que, se os sítios forem alvo de vandalismo ou interferências da natureza, há um modelo digital que preserva suas informações.
“O método usado pela equipe do professor Zuffo permite a reprodução 3D com precisão milimétrica, sendo possível preservar as gravuras para as gerações futuras, além de permitir a análise das mesmas por pesquisadores em qualquer parte do mundo. Basta, para isso, enviar os dados pela internet, e alguém poderá ‘fazer o download’ do sítio arqueológico e reproduzi-lo”, confirma Araujo.
O próximo passo da pesquisa, segundo Marcelo Zuffo, será a análise icônica das gravuras que têm sido encontradas no Estado de São Paulo, em parceria com a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.