01/05/2010 - 0:00
Em Gotemburgo, na Suécia, o Teatro Backa descobriu um novo rumo no dia em que seu diretor, Mattias Andersson, reencontrou um conto para crianças que jazia esquecido em sua biblioteca. Esse conto, “O jovem rei Matias”, é bem conhecido no mundo da literatura e permanece atual. Foi escrito em 1923 por Janusz Korczak, famoso médico judeu de Varsóvia, Polônia.
A história conta que, depois da morte do velho rei, seu filho Matias, ao ser coroado, toma conhecimento das mentiras e enganos praticados pelo seu gabinete de ministros. Com apenas 11 anos de idade, o príncipe demite os antigos ministros e convida as crianças do seu reino para que se encarreguem dos assuntos de Estado. Desde então, o jovem rei, que nunca tinha se preocupado com o mundo fora do castelo, viu com alegria seus jovens compatriotas criarem um Estado democrático e justo.
As ideias do médico, de que a participação das crianças na vida política é imprescindível num Estado democrático, formam a base da Convenção Mundial dos Direitos das Crianças. Por esse motivo, Janusz Korczak foi homenageado postumamente em 2009. Ele foi executado nas câmeras de gás nazistas em 1942, junto com 200 pacientes seus, todos eles crianças órfãs.
Os jovens ministros estudaram as necessidades do Estado, analisaram e classificaram as propostas oferecidas. Característica comum – e sinal dos tempos: todos os ministros desejavam gastar mais em projetos de proteção ao meio ambiente
Quando, no ano passado, a Suécia comemorou os 20 anos da convenção, a equipe do Teatro Backa dedicou suas forças à mobilização dos estudantes ao redor do tema da democracia segundo o modelo do conto de Korczak. Sete mil crianças participaram, em turnos de 150 cada um, da encenação do espetáculo, situado em Gotemburgo, a segunda maior cidade da Suécia.
Com muita serenidade e notável eficácia, crianças entre 9 e 12 anos organizaram seus encontros com seus companheiros “ministros”. Nesses encontros, tinham de discutir e desenvolver um orçamento das finanças estatais e dispor corretamente de um tesouro fictício. Os jovens ministros estudaram as necessidades do Estado, analisaram e classificaram as propostas oferecidas. Característica comum – e sinal dos tempos: todos os ministros desejavam gastar mais em projetos de proteção ao meio ambiente.
O jovem rei Matias e os seus ministros, personagens da peça teatral baseada no conto escrito pelo médico judeu Janusz Korczak em 1923.
A motivação básica, bem consciente em todos eles, era que os mais velhos estariam mortos antes que a maioria das consequências de suas negligências se manifestasse, de modo que a maior perdedora seria sempre a geração mais jovem. Notou-se também uma preferência para se direcionar mais recursos aos setores de cultura e educação, bem como para melhorar o nível da merenda escolar e também fazer uma reforma e maior higienização dos banheiros públicos! Coisa notável, um desejo se manifestou de forma unânime entre as crianças: a erradicação do sistema monetário.
Mattias Andersson dirigiu as crianças na produção teatral apresentada no Backa, em Gotemburgo, na Suécia.
Estudar a democracia
Os líderes artísticos do Teatro Backa passaram semanas planejando as atuações em colaboração com os professores dos colégios das crianças participantes. Houve grande intercâmbio de ideias e de itinerários. Primeiro, os jovens tinham de estudar o tema da democracia e apresentar um conceito sobre ela a ser encenado no teatro. Em turnos, as crianças participaram de ensaios durante suas férias de inverno, ensaiando seus papéis nos espetáculos, tais como os de “ministros” e os de “pessoas do povo”.
A iniciativa foi aclamada pelos críticos. Além disso, produziu muita ressonância no mundo cultural, inclusive fora da Suécia, sobretudo na Alemanha, onde, por coincidência, o famoso grupo alemão Rimini Protokoll apresentava um “teatro do povo” similar em Munique. Nesse projeto, pessoas que vivem na rua podiam se sentar no palco, ao redor de uma mesa redonda, com outros cidadãos, para debater e encontrar soluções a respeito de temas políticos difíceis ligados à União Europeia.
A documentarista e responsável pela criação do método, America Vera Zavala, confessa ter ficado impressionada com a espontaneidade e dedicação dos jovens atores. Na foto ao lado, o dramaturgo Stefan Akesson, que acha importante as crianças poderem se expressar artisticamente sobre temas da atualidade.
O sucesso do teatro de crianças na Suécia foi tão animador que seus organizadores, capitaneados pelo diretor artístico Mattias Andersson, a documentarista e responsável pela criação do método, America Vera Zavala, e o dramaturgo Stefan Akesson, querem agora que as crianças desenvolvam novos temas da atualidade para serem encenados. Entre eles, por sugestão de um estudante muito jovem, o problema do álcool na sociedade contemporânea.
Politicamente, as propostas que as crianças debateram no teatro não passam despercebidas. Terminada a temporada, relatórios das discussões dramatizadas são juntados às opiniões formuladas pelo público adulto e remetidos aos ministérios reais competentes, entre eles o Ministério das Finanças da Suécia. Esperase que, na capital, Estocolmo, os verdadeiros representantes do Estado não se esqueçam de examiná-los. Se não o fizerem, pior para eles. Nas cabeças das crianças do Teatro Backa, essas ideias e questões já foram debatidas e conclusões importantes foram tiradas. O futuro pertence às crianças, e costuma chegar muito rápido.
Para saber mais
O Teatro Backa, de Gotemburgo, quer estabelecer um intercâmbio com instituições similares brasileiras que desejem desenvolver aqui trabalhos teatrais análogos aos que estão sendo feitos com as crianças suecas. Interessados podem entrar em contato com: backainfo@stadsteatern.goteborg.se
Nas fotos acima, as crianças durante as discussões sobre o orçamento das finanças estatais. À esquerda, a fachada do Teatro Backa, um antigo edifício industrial agora renovado.