Os oceanos detêm a chave do funcionamento da Terra. Embora nosso conhecimento sobre eles seja cada vez maior e tenha revolucionado o entendimento do planeta como um todo (o melhor exemplo disso são as expedições oceanográficas feitas após a Segunda Guerra Mundial, que levaram à teoria da Tectônica de Placas no fim dos anos 1960), há muito por descobrir, não apenas no que diz respeito ao uso dos oceanos para benefício da humanidade e do ambiente como na minimização dos riscos de morar perto das margens continentais. Cerca de 20% da população mundial – 1,147 bilhão de pessoas – vive a menos de 30 quilômetros da linha da costa.

No contexto da tectônica de placas, o nascimento de um oceano envolve, muitas vezes, a ruptura de um continente, dando origem a um rift (fratura geológica) com margens continentais de ambos os lados – tal como acontece com o Oceano Atlântico. Por sua vez, o leito oceânico é produzido e alastra-se de forma contínua a partir do sistema de dorsais (cordilheiras) oceânicas.

Depois da sua jornada ao longo das bacias oceânicas profundas, o leito marinho pode desaparecer numa fossa oceânica. Nesse local, a placa oceânica sofre subdução (movimento de afundamento e deslizamento), em geral sob um continente, tal como acontece hoje em torno do Oceano Pacífico. Assim, a maior parte dos problemas científicos aqui abordados tem relação com as dorsais e as margens continentais, sejam estas criadas por rifting (margens passivas, caso do Atlântico) ou por subdução (margens ativas, caso do Pacífico).

As duas questões-chave destacadas a seguir referem-se diretamente aos estudos realizados nessa área nas últimas décadas.

1. De que forma a litosfera (a camada sólida mais externa da Terra), a hidrosfera (a esfera das águas) e a biosfera (esfera da vida, resultante da interação da litosfera, da hidrosfera e da atmosfera) interagem ao longo das dorsais oceânicas e qual foi o papel dessa interação na origem da vida na Terra?

Grandes fissuras na superfície da Terra são produzidas quando as placas tectônicas, o invólucro exterior do planeta, se movimentam. Essas fendas atravessam principalmente as bacias oceânicas, dando origem a um sistema vulcânico de 60 mil quilômetros de extensão que circunda o globo: as dorsais oceânicas. Com exceção da Islândia, esse cinturão vulcânico está submerso no oceano, entre dois e quatro quilômetros de profundidade. É ao longo dessas dorsais que a rocha fundida (o magma), originada a profundidades entre 20 km e 80 km, sobe e emerge ao nível do leito oceânico, repavimentando vastas áreas do planeta à medida que a crosta oceânica vai sendo empurrada para fora das dorsais. O resultado dessa dinâmica são paisagens bizarras constantemente remodeladas por sismos e erupções vulcânicas, onde surgem nascentes quentes tóxicas e se registra uma abundância de vida independente da luz do sol.

 

Esforços recentes têm mostrado a importância das dorsais para o oceano profundo e, potencialmente, para a humanidade. A energia libertada pela rocha vulcânica em arrefecimento nas dorsais é igual a cerca de metade da produzida pela queima de combustíveis fósseis e da energia nuclear. Atualmente, a energia gerada nas dorsais dissipa-se ao nível do leito oceânico, levando à circulação de grandes quantidades de água do mar através da crosta oceânica. O resultado disso é a existência de fluidos hidrotermais quentes (cerca de 400°C) e ácidos que transportam metais em solução e estão carregados de gases como metano e ácido sulfídrico. Quando emanam do fundo do oceano, tais fluidos reagem com a água fria do mar, levando à precipitação de sulfuretos metálicos – processo que tem gerado algumas das maiores jazidas metálicas da Terra.

No topo , vulcões na Islândia, ilha situada na Dorsal Atlântica e, ao lado, fonte hidrotermal numa das dorsais. Abaixo, mapa que relaciona as placas tectônicas ao cinturão vulcânico da Terra.

Ao redor das dorsais oceânicas estão as maiores concentrações de biomassa do leito marinho. Lá se veem, por exemplo, vermes gigantes sem tubo digestivo que se alimentam aproveitando-se de bactérias em seus tecidos, que, por sua vez, aproveitam a energia do em geral tóxico ácido sulfídrico. Esses e outros animais únicos das fontes hidrotermais das dorsais têm muito a nos ensinar sobre como resistir e prosperar no ambiente hostil e dinâmico que habitam. Alguns microrganismos ali encontrados conseguem viver em temperaturas mais elevadas do que qualquer outra forma de vida na Terra. Para muitos cientistas, foi em locais como esses que a vida evoluiu pela primeira vez no planeta.

As dorsais oceânicas são o local da Terra onde o vulcanismo é mais ativo e os sismos, mais frequentes. Como tal, elas constituem um laboratório natural único para se monitorar a longo prazo a interação entre vulcões submarinos, sismos e alterações nas condições físicas do oceano profundo.

Novos conhecimentos obtidos a partir do estudo de como a litosfera interage com a hidrosfera no sistema vulcano-sismológico das dorsais oceânicas apresentam implicações importantes para a pesquisa aplicada e a previsão de riscos vulcânicos e sísmicos em terra.

 

Processos vulcânicos, tectônicos e hidrotermais nas dorsais oceânicas controlam, igualmente, a composição química da litosfera oceânica (as rochas que formam o leito oceânico) e a paisagem das vastas planícies abissais. Por baixo das dorsais de expansão rápida, a existência de uma intrusão estacionária de magma é constantemente aventada como fornecedora de rocha fundida para as frequentes intrusões de magma e as ocorrências de erupções do leito oceânico que elas alimentam. Esse magma também fornece calor para a circulação de água quente na crosta oceânica.

Já nas dorsais de expansão lenta e muito lenta, a irrupção de magma é bem menos frequente e parte significativa da expansão do leito oceânico reside na extensão tectônica da litosfera por meio de falhas geológicas.

As dorsais oceânicas e os pontos quentes, tais como Islândia, Açores e Galápagos, exibem o maior fluxo de calor vindo do manto da Terra para o leito dos oceanos. Esses pontos quentes acarretam redução da profundidade ou mesmo o afloramento do leito oceânico (como o Havaí, na bacia do Pacífico, e a Islândia, na Dorsal Atlântica), aumento da espessura da crosta oceânica, mudanças no estilo e intensidade do vulcanismo submarino e evolução da geometria dos centros de expansão dos leitos oceânicos.

Quando um ponto quente interage com um foco de expansão de dorsal oceânica, a lava que emerge no leito oceânico (e nas ilhas geradas por pontos quentes) contém, igualmente, informações importantes sobre a composição química do manto. Novas investigações ajudarão a esclarecer questões fundamentais, como se a maioria dos pontos quentes que ocorrem nas bacias oceânicas têm raízes profundas no manto inferior da Terra ou origina-se de anomalias na parte superior dessa camada.

2. Que processos terrestres afetam a formação e a evolução das margens continentais e quais benefícios e ameaças elas oferecem à humanidade?

As vertentes das margens continentais, que se estendem verticalmente ao longo de vários quilômetros, podem perturbar a direção das correntes oceânicas. Ventos que sopram da terra podem causar a subida de férteis águas profundas, o que estimula a produtividade marinha na superfície dessas margens. Os continentes são, ainda, fonte de sedimentos, levados para os oceanos por rios e ventos. Muitos sedimentos das margens registram algum tipo de mudança climática do passado.

Golfo Pérsico, região de exploração petrolífera. A poluição causada por atividades humanas pode se concentrar nas margens continentais, causando sérios problemas ambientais.

As margens continentais também apresentam riscos para a humanidade. O colapso de vertentes carregadas de sedimentos pode originar tsunamis que ameaçam comunidades costeiras. O aumento gradual do nível do mar deflagrado pelo aquecimento global pode, também, ter efeito desestabilizador. Outras margens continentais, adjacentes a rifts ativos ou zonas de subdução, estão sujeitas a riscos sísmicos ou vulcânicos.

As margens continentais recebem resíduos a partir do continente através de rios e de diversas atividades humanas. A poluição causada por essas atividades pode se concentrar nas margens continentais através de processos físicos, químicos e biológicos. As margens também têm influência em atividades de defesa naval, na exploração de recursos pesqueiros e de hidrocarbonetos e na segurança da navegação.

Os problemas científicos associados às margens continentais são distribuídos nos tópicos a seguir:

>> Estrutura profunda das margens passivas – Os principais problemas associados às margens passivas são o desenvolvimento concreto de modelos conceituais e numéricos de caráter preditivo sobre a evolução da litosfera durante a formação desse tipo de margens. Esse trabalho requer informações sobre os vários tipos de rochas existentes no substrato acústico (por baixo dos sedimentos), suas propriedades mecânicas e físicas, idade e história de formação e sua resposta à extensão.

>> Estrutura profunda das zonas de subdução (incluindo sedimentos) – Grandes sismos que ocorrem na placa descendente são a resposta da placa oceânica ao processo de subdução, que ocorre a taxas de poucos centímetros por ano. Deveríamos conseguir visualizar a heterogeneidade tridimensional das zonas de sismos usando parâmetros geofísicos e outros, a fim de cartografar a resposta da placa à carga tectônica.

>> Sedimentos em margens passivas – Os sedimentos depositados na terra ou no mar refletem a história das margens passivas, assim como seu levantamento e subsidência. O entendimento completo da história de uma margem requer cartografia geológica e amostragem nas zonas emersas e, no mar, de levantamentos sísmicos e amostragem, a fim de permitir análises ao longo de grandes distâncias.

 

>> Recursos e fluidos – Os principais recursos encontrados em margens passivas são hidrocarbonetos (petróleo e gás); nas passivas e nas ativas, hidratos de metano. Provavelmente, o conhecimento mais importante relativo à exploração de hidrocarbonetos e à avaliação de potenciais rochas-mãe é a história termal, estimada a partir da medida da extensão e do volume do magmatismo, da idade e da espessura dos sedimentos e do atual fluxo de calor.

>> Riscos – Os perigos representados por tsunamis são um problema particular em todas as áreas marginais, e atenuá-los requer o conhecimento de corpos sedimentares potencialmente instáveis e levantamentos de regiões consideradas críticas. É provável que a subida do nível do mar e a consequente inundação de zonas costeiras, causada pelas mudanças climáticas, provoque migrações humanas nessas regiões.

>> Coleta de dados – A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Unclos) encoraja as nações costeiras a pleitear seus leitos marinhos segundo a lei internacional. De forma a apoiar essa pretensão, muitos países coletaram enormes quantidades de dados e desenvolveram campanhas especiais a fim de obter informações na área.

>> Avanços na tecnologia e na instrumentação – O estudo da atividade vulcânica, tectônica e hidrotermal nas dorsais oceânicas tem promovido o desenvolvimento da tecnologia e da instrumentação para exploração dos oceanos profundos, com benefícios tecnológicos diretos para a sociedade. Além de veículos específicos para essas tarefas, a nova tecnologia inclui uma nova geração de instrumentos destinados aos leitos oceânicos capazes de realizar medições de dados sísmicos, geofísicos, acústicos, hidrotermais, químicos e biológicos.

 

 

Autores: John Chen (China), com Colin Devey (Alemanha), Charles Fischer (Estados Unidos), Jian Lin (EUA) e Bob Whitmarsh (GrãBretanha)