01/07/2010 - 0:00
Desde pequena sou apaixonada por lendas e pela cultura de outros povos. Talvez venha daí o encantamento que senti ao conhecer Roraima, um lugar que até então para mim era totalmente abstrato, restringindo-se apenas a um pedacinho colorido do mapa do Brasil. No entanto, o Estado, para minha completa surpresa, é pura magia e verde, verde e mais verde, cor que neste canto tupiniquim é na maioria das vezes sinônimo de adrenalina.
Calma! Eu explico: magia porque é um solo onde as lendas deliciosamente brotam dos lábios dos caboclos, índios e ribeirinhos que ali vivem. E adrenalina porque suas serras e rios, com cachoeiras e corredeiras, são o paraíso para os amantes do ecoturismo. Não bastasse, existem ainda as extensas áreas de savanas (também conhecidas como lavrado ou cerrado), floresta amazônica e serras. Todos eles são cenários perfeitos para a observação da fauna e da flora e para a prática de esportes radicais, do mountain bike e rafting ao paraglider.
Pouco divulgado e situado lá no extremo norte do País, o Estado é um lugar de sonho. Possui apenas 15 municípios, onde vivem pouco mais de 350 mil habitantes, incluindo os índios de várias etnias – wai-wai, taurepang, macuxi, wapixana, ianomâmi, só para citar algumas. As tribos convivem em harmonia numa das maiores reservas indígenas do País, ocupando a maior parte da faixa territorial de fronteiras de Roraima (situa-se entre a selva amazônica e as montanhas e faz divisa com a Venezuela, a República Cooperativista da Guiana e os Estados brasileiros do Amazonas e do Pará).
Cartão-postal do Estado, o Monte Roraima é marco da tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana. Lendas locais afirmam que a montanha de mais de 2 bilhões de anos e de 2.875 metros de altura é a moradia de um ancestral guerreiro dos índios de origem karib, concebido por algumas etnias como um deus da natureza: o Makunaima. Resultado da fusão de maku (mau) e o sufixo aumentativo ima (grande), seu nome significa grande mau. Contam os nativos que, quando contrariado, o bravo Makunaima enviava, lá do alto do Monte Roraima, raios, trovões e tempestades, castigando ferozmente as tribos ao aniquilar suas terras e colheitas com os “grandes males” vindos da montanha.
Volta e meia, Makunaima se transformava em onça para ver o que estava acontecendo em seu reino, que se estendia até o Rio Orinoco, na Venezuela. Numa dessas vezes, constatou que seu território estava sendo invadido. Ficou possesso e convocou seus guerreiros. Lutaram, lutaram e venceram a guerra, exterminando todos os intrusos. Extremamente ferido e cansado, Makunaima rumou para o Monte Roraima. Lá chegando, adormeceu. Ali permanece dormindo até agora, mas a qualquer momento pode despertar. Se o que encontrar em seu reino não lhe agradar, nós, os humanos, sentiremos toda a força do mal que habita a montanha.
Cartão-postal do estado, o monte roraima é marco da tríplice fronteira entre o Brasil, a venezuela e a república cooperativista da guiana
Única capital brasileira situada acima da linha do equador, Boa Vista foi planejada em formato de leque. A cidade fica à margem direita do Rio Branco, que percorre todo o Estado até se encontrar com o Rio Negro, no Amazonas.
Mas essas não são as únicas lendas que envolvem esse personagem mítico. Em Roraima, há uma versão bem popular e que teria sido uma das fontes de inspiração para o escritor Mário de Andrade, no romance modernista Macunaíma, lançado em 1928. Segundo essa narrativa, o Sol era apaixonado pela Lua, mas nunca se encontravam. Quando o Sol ia se pondo, era hora de a Lua começar a nascer. Assim viveram por milhões e milhões de anos.
Certo dia, o Sol se atrasou um pouco (eclipse) e finalmente o encontro aconteceu. Seus raios dourados refletiram, juntamente com os raios prateados da Lua, em um lago de águas cristalinas da enorme montanha que repousa no meio dos imensos campos de Roraima. Nesse encontro, Macunaíma foi fecundado. Curumim esperto, teve como berço o Monte Roraima. Cresceu forte e tornou-se um índio guerreiro. Os índios macuxis o proclamaram herói de sua tribo.
A plataforma da Orla Taumanan, que significa paz no idioma macuxi.
Ruas do centro histórico de Boa Vista.
Inspirada em Paris, na França, Boa Vista é só uma am ostra da exuberante beleza de Roraima
No topo, a Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo, os monumentos aos Pioneiros, que reproduz o Monte Roraima, e aos Garimpeiros, uma homenagem àqueles que contribuíram para o desenvolvimento econômico de Roraima.
Inspirada em Paris
Lendas à parte, Roraima é mesmo um paraíso repleto de inigualáveis tesouros. Única capital brasileira situada acima da linha do equador, Boa Vista fica à margem direita do Rio Branco, que percorre o Estado até se encontrar com o Rio Negro, no Amazonas. Inspirada em Paris, na França, a capital é apenas uma pequena amostra da exuberante beleza do Estado. Com largas avenidas, a cidade foi planejada em formato de leque – suas principais avenidas saem do centro e convergem para a Praça do Centro Cívico, onde ficam as sedes dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
À noite, as luzes amarelas imprimem um ar totalmente romântico às ruas de Boa Vista. Caminhar em silêncio pelo centro histórico, saboreando lentamente o efeito dessa tênue iluminação em seus principais atrativos, é algo indescritível, um daqueles momentos mágicos que ficam gravados na memória da gente para sempre. Pouca coisa no mundo é comparável às cenas que a seguir se revezam diante do olhar: os barzinhos e restaurantes da Orla Taumanan (em macuxi significa paz), às margens do Rio Branco. Dividido em plataformas e amplamente arborizado, esse espaço suspenso é ideal para intermináveis bate-papos, caminhadas ou mesmo para não fazer nada: simplesmente parar e assistir a um pôr do sol.
Com seus caprichados jardins, canteiros floridos e uma vista privilegiada das embarcações que passeiam na imensidão do rio, essa área verde ao ar livre também é o point onde acontecem efervescentes shows, com direito a muito agito e azaração. Ainda no centro ficam a Matriz Nossa Senhora do Carmo, cuja construção começou em 1892, e o Monumento aos Pioneiros, uma escultura em alto-relevo de concreto que reproduz o perfil do Monte Roraima. A obra destaca a figura de Macunaíma como primeiro habitante do Estado e descreve um longo período histórico, retratando os elementos étnicos – os povos indígenas, os nativos e os pioneiros que ali chegaram a pé, a cavalo ou em canoas, formando o povo roraimense.
A cidade reúne ainda várias outras edificações que merecem ser conhecidas. Entre elas, a Intendência, a casa de estilo neoclássico de João Capistrano da Silva Mota, o primeiro intendente da cidade, em 1790; a Praça das Águas, com suas diversas fontes; o Centro de Artesanato Velia Sodré Coutinho; e o Monumento ao Garimpeiro, uma homenagem àqueles que trabalharam arduamente no garimpo em busca de ouro, diamantes e outras pedras preciosas, ajudando no desenvolvimento econômico do Estado.
Boa Vista é uma capital plana, inclusive visualmente – por enquanto, só abriga dois prédios de poucos andares. Nela, tudo é muito limpo e bem cuidado. Árvores e flores estão em todos os cantos. Por suas largas avenidas projetadas em 1940, o trânsito flui e os automóveis não ficam horas presos naqueles infernais congestionamentos tão típicos das metrópoles. Nem por isso os pedestres são desrespeitados. Ao contrário: habitualmente, os motoristas param quando alguém vai atravessar a rua. Nas entradas da cidade, aliás, há vários comunicados alertando a quem vem de fora que ali se respeitam as faixas de pedestre.
Novo destino
O aeroporto internacional de Boa Vista é a principal porta de entrada para o Estado, que diariamente assiste ao incessante vaivém de voos nacionais e do Exterior. De carro, a Rodovia BR-174 é uma opção para quem deseja percorrer todo o território roraimense, de sul a norte. Para quem pretende ir mais além, a estrada estende-se até a fronteira com a Venezuela, onde conecta-se com outra que vai até o Caribe venezuelano.
Essa importante estrada federal, aliás, empresta seu nome a um recém-criado destino turístico do País: a Rota 174 – Amazonas/Roraima. Resultado de uma parceria entre os governos dos dois Estados, com o apoio do Ministério do Turismo e a consultoria do Sebrae, o trajeto começa em Manaus e vai até Presidente Figueiredo, ambas no Amazonas. Depois, já em Roraima, segue para Rorainópolis, Caracaraí, Boa Vista, Amajari (de onde pode-se chegar à linda Serra do Tepequém) e Pacaraima. De Manaus até Pacaraima – último município brasileiro do roteiro, quase na divisa com a Venezuela – são 989 quilômetros de estrada pavimentada.
No topo, uma das largas avenidas de Boa Vista, a Pedra Pintada, um monólito de 60 m de diâmetro e 40 m de largura que exibe pinturas rupestres, comprovando a passagem do homem pré-histórico pelo Estado, e a casa de um morador à beira da Rodovia BR-174.
Ao longo deles, as atrações são incontáveis. Em Roraima – onde concentra-se a maior parte do novo roteiro turístico –, as paisagens modificam- se radicalmente à medida que se percorrem os cerrados, a floresta amazônica e as serras.
A vegetação também sofre interferência do clima. A exemplo do Amazonas, o Estado tem duas estações climáticas bem definidas. A seca, de outubro a março, “tinge” seu solo de tons amarronzados dos lavrabos, com seus incontáveis pés de buriti (Mauritia flexuosa). Como essa espécie de palmeira funciona sempre como infalível indicativo da existência de água, elas surgem em abundância nas veredas e nas margens de igarapés, lagos, riachos, cachoeiras e nascentes de Roraima. Também é no período de seca que o volume de águas dos rios diminui, desenhando deslumbrantes praias fluviais em suas margens. Já na temporada da cheia, de abril a setembro, as chuvas são constantes. O verde volta a renascer, inaugurando um colorido diferente no Pantanal da Amazônia, como o Estado também é conhecido. Com chuva ou não, lá é sempre muito quente, com temperaturas que variam de 20°C a
38°C.
É depois de Pacaraima , lá na divisa com a venezuela, que a Rota 174 esconde o seu maior tesouro: o paradisíaco Monte Roraima
Lula, o contador de histórias
Talvez a melhor expressão de Roraima seja uma figura que atende pelo apelido de Lula. Autodidata, Luciano Alvarenga, como é o seu nome, é mecânico. Nas horas vagas ou quando os turistas o convocam, é um guia apaixonado pela terra que adotou – nasceu em Manaus (AM) e aos 10 anos foi morar com o avô em Roraima.
Aos 44 anos e com pouco mais de 1,70 m de altura, Lula é, na verdade, um contador de causos. Em suas histórias – nunca narradas em menos de 30 minutos – , ele vai linkando outras. Tantas outras que às vezes até se esquece da original, aquela que deu início à conversa.
Suas versões são sempre interpretadas por ele. Assim, o buriti “ganha” cabelos que voam ao sabor do vento, a onça leva uma baita surra dele e corre assustada para a floresta, enquanto Lula, heroicamente, protege o grupo que o acompanha. As cenas são de chorar de rir. E as caretas, então, nem se fale…
Mas o delicioso na prosa desse caboclo matuto é que, mais do que narrar as lendas das diferentes cidades roraimenses – por onde a gente passa sempre tem uma –, ele ensina nomes de rios, serras, pássaros e bichos que a gente nem imagina que existam. Saborosamente, conta com maestria as maravilhas da terra que o acolhe desde menino.
A Lula Jingle, empresa de sua propriedade, pode ser contatada pelo e-mail: lulajingle@yahoo.com.br, tel. (95) 9965-2222.
Durante todo o percurso da Rota 174, os ecossistemas se alternam. No centro do Estado, onde as savanas dão lugar à densa floresta tropical, está Caracaraí. Situado a 155 quilômetros de Boa Vista, o município tem como ponto alto o Rio Branco e é cortado por vários outros rios que formam extensas várzeas durante a estação chuvosa, atraindo grande variedade de animais. Com menos de 18 mil habitantes, Caracaraí é considerada uma cidade-porto, já que é ainda agora um dos principais responsáveis pelo abastecimento de Roraima, sobretudo no que diz respeito ao petróleo.
Embora o transporte fluvial desempenhe papel de extrema importância na economia do Estado, a natureza ali também ocupa papel de destaque: esse município abriga a Cachoeira do Bem- Querer, um lugar ideal para canoagem, pesca esportiva, passear de caiaque e conferir de perto algumas inscrições rupestres. Caracaraí possui ainda duas estações ecológicas: Niquiá e o Complexo Ecoturístico Ilha de Jaru, onde é possível conhecer parte da exuberante fauna e flora regionais. Mas, atenção: por já ter sido vítima de atos de vandalismo, o complexo costuma permanecer fechado boa parte do ano. Assim, antes de ir, é melhor se informar na prefeitura local, na Praça do Centro Cívico, telefone (95) 3532-1234.
Por falar em belezas naturais, próximo de Caracaraí ficam duas das maravilhas do Estado: o Parque Nacional Serra da Mocidade e – vizinho a ele – o Parque Nacional do Viruá. Recémcriados pelo governo federal, ambos integram o Programa de Áreas Protegidas na Amazônia (Arpa). Com acesso feito por barcos a partir de Caracaraí, o primeiro ainda não está aberto ao público. Já o segundo lentamente começa a receber visitantes, porém as visitas têm de ser agendadas pelos telefones (95) 3624-3712 e (95) 8114-5411.
Mas é depois de Pacaraima, lá na divisa com a Venezuela, que a Rota 174 esconde o seu maior tesouro: o paradisíaco Monte Roraima. O acesso à moradia do deus Makunaima, aliás, somente pode ser feito pelo lado venezuelano – do lado brasileiro, um dos obstáculos que impossibilitam a subida ao cume da montanha é um paredão rochoso de mais de mil metros de altura.
Na Venezuela, a visita ao local é feita com o acompanhamento dos índios pemóns, pois são eles que melhor conhecem a região. O lugar e todo o trajeto até a montanha são tão exageradamente lindos que não é nada difícil entender por que esse é considerado um solo sagrado. Não à toa que também é a terra do nosso Macunaíma. Afinal, o nosso herói sem caráter de bobo não tem nada.
Acima, a Cachoeira Jaspe, com seu leito de pedras vermelhas. Ela fica no Parque Nacional de Canaima, na Gran Sabana, na Venezuela. Ao lado, a pupunha e o cupuaçu (na foto abaixo), frutos típicos abundantes no Estado, vastamente utilizados na gastronomia regional.
Serviço
Em Boa Vista – Onde ficar: Hotel Aipana Plaza, tel. (95) 3224-4800, site www.aipanaplaza.com.br Onde comer: Recanto da Peixada – Av. Major Willians, 22, tel. (95) 3224-2975.
Rota 174 – Onde comprar: A Via Conexão, Ambiental, Landscape, MGM, Nascimento e Soft Travel integram o pool de operadoras da Rota 174. O roteiro pode ser percorrido em trechos ou em sua totalidade, incluindo visita e pernoite em Santa Elena de Uairén e à belíssima Cachoeira Jaspe, na Venezuela. Tanto esse como outros pacotes podem ser adquiridos nas seguintes agências de turismo:
Em Roraima – Makunaima Expedições, site www.makunaima.com, tels. (95) 3624-6004 (95) 8111-7669; Roraima Adventures, site www.roraima-brasil.com.br, tels. (95) 3624- 9611 e (95) 3623-6972; e Lula Jingle (e-mail Lulajingle@yahoo.com.br), tel. (95) 9965-2222.
No Amazonas – Swallows and Amazons Turismo (site www.swallowsandamazonstours.com), Amazônia Ecolazer Expedições e Aventuras (site www.amazoniaecolazer.com.br) e Amazon Adventure Viagens e Turismo (site www. amazonadventure.tur.br).
Quem leva: Gol Linhas Aéreas Inteligentes – site www.voegol.com.br