01/08/2011 - 0:00
Nos últimos meses de 1937, José Clemente Orozco viajou a Guadalajara a convite do governo do Estado de Jalisco para pintar afrescos na capela de Cabañas, uma Casa de Misericórdia que abrigava, na época, 700 órfãos. O que o pintor não imaginava era que esse trabalho seria considerado a obra plástica mais importante de todo o México. Antes dela, o caráter monumental do muralismo latino-americano não existia. Hoje os críticos são unânimes ao afirmar que o artista realizou em Cabañas o mais belo scorcio – a perspectiva em plano oblíquo – do mundo.
Orozco nasceu em 23 de novembro de 1883 na cidade de Guzmán, na então província de Jalisco. Na juventude, em um acidente, perdeu sua mão esquerda. Depois dessa tragédia, tornou-se uma pessoa amarga e melancólica. Abandonou os estudos de agronomia e de matemática, e somente aos 25 anos ingressou na Academia de Belas Artes de San Carlos, na Cidade do México, onde também estudaram Diego Rivera (1886-1957) e David Siqueiros (1896-1974). Ali, as ideias do professor Geraldo Murilo seriam o estopim para sua pintura. Murilo instigava os alunos a mergulhar nas raízes mexicanas, pintando vulcões, cactos, indígenas e peones – na verdade, trabalhadores escravizados.
Orozco quase sempre retrata o povo mexicano sob sofrimento e opressão. À direita, no alto, autorretrato severo do pintor.
Em 1922, Orozco uniu-se a Rivera e Siqueiros e fundou o Sindicato dos Artistas, que lhes permitiria conseguir contratos para a execução de murais. A pintura era a arma de que dispunham para despertar politicamente o povo. Pintavam grandes painéis para expor em edifícios públicos, hospitais e escolas. Assim, seriam vistos pelos pobres que não tinham acesso à arte. Nos murais retratavam a grandeza da civilização asteca, esquecida durante os séculos de opressão estrangeira.
“Desejo que minha pintura dialogue com o povo e que ele se reconheça em meus quadros”, dizia o artista. Ele se inspirava na história agitada do México, com seus heróis mortos, suas violências e suas injustiças. Nos murais ilustrava os confrontos indígenas com os espanhóis não apenas no sentido físico, mas também no simbólico, pela imposição dos valores espirituais.
Os murais da Câmara dos Deputados de Jalisco. As condições extenuantes desse último trabalho custaram a vida do artista.
Imbuído de ideais dramáticos e socialistas, Orozco se entregou também, com determinação, à pintura dos afrescos do Colégio de Pomona, em Claremont, Califórnia. Sua inspiração monumental pode ser medida por uma quase anedota. Quando o crítico de arte Pijoano chamou para conversarem sobre esse trabalho, o artista perguntou: “Quanto há para o mural?” “Nem um tostão”, respondeu o crítico. “Refiro-me à tela”, retrucou o pintor. “Ah, essa tem uns 100 metros quadrados.”
De volta ao México, em 1948, Orozco dedicou- se a pintar murais para a Câmara dos Deputados de Jalisco, em Guadalajara, que o obrigaram a trabalhar incansavelmente pendurado em altos andaimes. Ao terminar essa obra, em 1949, faleceu de ataque cardíaco. A intensidade das imagens que pintou na cidade é patrimônio da herança cultural e artística de Jalisco. Ponto de partida para a pintura contemporânea mexicana.